Enquanto um tiroteio de balas acontecia dos muros pra fora, os moradores precisavam sobreviver, tendo como alimento a palavra, uma forma de objeto de observação e também segurança. Na troca de mensagens avassaladoras, entender quais eram os lugares em que se podia transitar, naquele que seria mais um dia de horror.
Leu essa? O governo das mortes e as favelas do Rio
Desde as primeiras horas da última terça-feira, o conjunto de favelas da Maré, despertou com caveirões voadores e uma incursão policial contra civis armados, numa disputa travada que vai além, pura e simplesmente, do controle do território. Une a narrativa de “guerra” às drogas, que não deixa de ser uma balela. A parada é sobre criminalização do lugar e das pessoas.
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Veja o que já enviamosAs cenas de sangue e trocas de disparos viralizavam. Não houve quem deixasse de comentar o episódio; afinal, a Maré está na “boca” do Rio: é vizinha de uma das portas de entrada principais da capital e do estado, o Aeroporto Internacional Tom Jobim, o Galeão; além de ser cortada pela espinha dorsal mais importante da cidade, a Avenida Brasil.
Para quem estava fora, o ato evoca uma ação para conter a “bandidagem”. Quem está dentro, analisa e percebe, mesmo sem ter diploma, que, para controle, não se faz mortes. Para ter a tutela do espaço, é preciso dialogar. De que nenhum avanço será feito através das armas; e sim do acesso aos direitos mais básicos, como o que é possibilitado através da entidade Redes da Maré.
“Ao desprezar a garantia do direito do morador de favela em seus vários níveis, de acesso a serviços essenciais até proteção à vida, o Estado dá um recado evidente de que vale tudo para criar um verniz de que a segurança pública está indo muito bem”, enfatiza a nota da organização existente há 30 anos, coordenada por Eliana Sousa e pessoas moradoras do local.
No resultado das 32 horas seguidas de operação, a direção da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro e o governador Cláudio Castro classificaram a ação com carimbo de “sucesso”. Ao todo, foram apreendidos um fuzil AK-47 e entorpecentes e três carros roubados.
Se o Rio fosse uma cidade decente, nada disso teria acontecido. Mas o conglomerado de favelas está na zona norte, fica distante da praia e o CEP não é “caro”. O resultado? A permanência da lógica de combate, de morte, de enfrentamento pelo enfrentamento e a normalização da violência.
Não é caos, é a criação dele.