Quebradeiras de coco babaçu lideram resistência ao agronegócio no Cerrado: “Tem floresta em pé, tem mulher”

Relatório da ActionAid descreve avanços do agro na região do Matopiba e as lutas pela preservação dos babaçuais

Por Micael Olegário | ODS 15
Publicada em 29 de setembro de 2025 - 08:44  -  Atualizada em 29 de setembro de 2025 - 09:52
Tempo de leitura: 11 min

Quebradeiras de coco babaçu durante manifestação em Pré-COP dos povos tradicionais, em Brasília (DF) – (Foto: Matheus Damascena/Divulgação ActionAid)

Me deixa viver. Se eu viver, consigo te dar fruto para tua alimentação. Para Maria Alaides Alves de Sousa, é isso que as palmeiras do babaçu diriam diante do avanço do agronegócio e da crise climática em seus territórios. “É uma palavra de afirmação e também de esperança”, explica a coordenadora do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), organização que representa mulheres extrativistas do Tocantins, Maranhão, Piauí e Bahia.

Leia mais: Quebradeiras de coco babaçu pedem respeito à legislação que protege atividade ancestral

A região, também nomeada como Matopiba, tem vivenciado uma onda de expansão agrícola que ameaça modos de vida tradicionais, como o baseado no “Babaçu Livre”. Desmatamento crescente, conflitos fundiários e pulverização de agrotóxicos são algumas das ameaças que rondam esses territórios. Por isso, Maria Alaides, acredita que, se pudessem, as palmeiras colocariam uma placa com a frase: “me deixa viver” aos seus pés, para todos verem.

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Os dramas vivenciados pelas quebradeiras de coco babaçu estão descritos no relatório “Desmatamento financiado: Quebradeiras de Coco na Mira do Agronegócio Global”, produzido pela ActionAid. O documento mostra como investimentos de grandes instituições financeiras e tradings agrícolas, como Cargill e HSBC, impulsionam o agronegócio na região, agravando a concentração fundiária e os impactos socioambientais nas matas de babaçuais.

“Se não frear isso tudo, não vai ter mais quebradeira no futuro”, afirma Maria Alaides. Cada vez mais, os investimentos de empresas transnacionais são utilizados para expandir as áreas de monocultura na Região Ecológica do Babaçu. Além disso, o uso indiscriminado de agrotóxicos tem sido uma estratégia do agronegócio para a expulsão de povos tradicionais e o desmatamento progressivo da vegetação nativa.

Um dos exemplos de onde isso ocorre é a comunidade de Alegria, no município de Timbiras, no leste do Maranhão. Agricultores familiares locais registraram perda estimada entre 50% e 70% da produção agrícola em 2024, após pulverização aérea com agrotóxicos. O veneno atingiu árvores frutíferas, babaçuais e igarapés, comprometendo a segurança alimentar e o acesso à água de ao menos 120 famílias.

Quebradeiras enfrentam ameaças geradas por conflitos fundiários e expansão da fronteira agrícola do Matopiba (Foto: Matheus Damascena/Divulgação ActionAid)

Chuva de veneno

“Esse Matopiba está querendo atacar tudo, nos quatro estados […] a gente achava que ele nunca chegava, mas tá aí na porta. Eles querem expulsar a gente para plantar milho, soja ou gado”. A frase é de uma quebradeira de coco babaçu de Alegria que participou do levantamento da ActionAid, mas preferiu não se identificar. 

A resistência da comunidade se estende ao modo de nomear o território Alegria, um modo de fazer frente ao “Território Campestre”, nome dado por fazendeiros e políticos ligados ao agronegócio. O centro da disputa pela terra é a Fazenda Campestre de Catulo, uma área de 17.098,87 hectares onde vivem 360 famílias há muitas gerações. O território abrange uma combinação de chapadas e baixões, com amplas áreas de babaçuais.

O processo de desapropriação por interesse social já teve início há mais de 20 anos, mas ainda aguarda a titulação definitiva pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Conforme o relatório da ActionAid, desde 2020 as pessoas da comunidade de Alegria passaram a sofrer com ameaças frequentes e propostas abusivas. 

O ataque químico sobre residências, áreas de cultivo e fontes de água não afeta apenas Timbiras. Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), apontam que a região dos cerrados maranhenses concentrou 85,7% das ocorrências nacionais de contaminação por agrotóxicos via pulverização aérea em 2024.

Resistência

Criado em 1991, o MIQCB reúne diferentes mulheres extrativistas na defesa da produção agroecológica e da justiça socioambiental. Trata-se de uma luta coletiva e ancestral, conta Maria Alaides. “Não é uma história de uma mulher, é uma história de várias mulheres”. Isso ajuda a explicar a relação maternal entre as quebradeiras e as palmeiras do babaçu, baseada na gratidão e no carinho.

No município de Lago do Junco, localizado na mesorregião do Centro Maranhense e na microrregião do Médio Mearim, está um dos berços da mobilização das mulheres quebradeiras de coco babaçu no Maranhão. No local, Maria Alaides e outras lideranças comunitárias fundaram a Cooperativa de Pequenos Produtores Agroextrativistas (COPPALJ).

O método de trabalho das quebradeiras é baseado no aproveitamento integral do babaçu, em combinação com outras plantas. “Nessa combinação com o babaçual, a gente consegue produzir feijão, milho, arroz, macaxeira”, pontua Maria Alaides. É diferente do Matopiba, como ela chama o modo de produção baseado na derrubada das florestas para plantio de soja e outras lavouras com apenas uma única planta.

Quem tá na roça sabe que não aguenta mais trabalhar de 7h às 12h, só de 7h às 10h. E também não aguenta o sol de 12h às 15h

Maria Alaides Alves de Souza
Coordenadora do MIQCB

“Nossa maior alegria é chamar a palmeira de mãe”, enfatiza Maria Alaides. Para além da relação afetiva e da importância dos babaçuais para a identidade das quebradeiras, os números também comprovam a potência desse modo de vida. Em 2023, a COPPALJ comercializou 860.130 kg de babaçu, com um valor total de compra de R$ 3,73 milhões, atingindo um preço médio de R$ 4,34 por quilo — um crescimento acumulado de 4.240% em relação ao valor inicial praticado antes da criação da cooperativa, entre dez a 24 centavos. 

Além do coco in natura, a cooperativa também investe em produtos de valor agregado, como o óleo de babaçu. Entre 2015 e 2023, a produção mais que dobrou, passando de 175.619 kg de óleo para 420.423 kg, com uma receita de R$ 6,97 milhões — aumento de 252%. No mesmo ano, as sobras rateadas entre as cooperadas chegaram a R$ 120.654.

Recentemente, a COPPALJ se tornou a primeira cooperativa do Brasil a receber o selo UEBT (União para o BioComércio Ético), certificação internacional que reconhece práticas de comércio justo, conservação da biodiversidade e respeito aos direitos das comunidades tradicionais. Além disso, o óleo de babaçu orgânico da cooperativa é o único no país certificado pelo IBD (Instituto Biodinâmico).

“Hoje a cooperativa é um modelo, não só para aqui na nossa região, no Estado, mas quando a gente vai contar a nossa história em qualquer lugar. As pessoas veem a COPPALJ hoje como um modelo de superação, um modelo de subsistência, de qualidade de vida para as famílias”, relata José Vicente Souza Filho, vice-presidente da cooperativa, que impacta a vida de 247 cooperados e cooperadas, além de mais de 900 famílias que fornecem coco babaçu para a COPPALJ.

Maria Alaides fala durante Pré-COP de povos tradicionais; movimento busca levar demandas para discussão em Belém – (Foto: Matheus Damascena/Divulgação ActionAid)

Representação e COP30

Ao longo do tempo, o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu levou suas lutas para a esfera legislativa. Pelo menos 18 leis municipais em diferentes cidades e duas estaduais já foram aprovadas, com políticas em prol do “Babaçu Livre”, usado para descrever o modo de vida das mulheres quebradeiras da região. Ainda assim, a representatividade política ainda é um desafio.

Maria Alaides menciona o esforço do MIQCB para levar as reivindicações por direitos das quebradeiras para a COP30 (Conferência das Partes da ONU sobre Mudanças Climáticas), no mês de novembro, em Belém (PA). Para isso, o movimento organizou reuniões entre suas regionais e uma pré-COP, em parceria com a Rede de Povos e Comunidades Tradicionais (Rede PCTs) e com apoio da ActionAid.

“Não tenho muita apropriação para falar de CO² ou da camada de ozônio que está sendo destruída, mas certeza nós temos, porque quem tá na roça sabe que não aguenta mais trabalhar de 7h às 12h, só de 7h às 10h. E também não aguenta o sol de 12h às 15h”, descreve Maria Alaides, sobre como as mudanças climáticas têm impactado a vida das quebradeiras de coco babaçu. A preocupação principal é com as futuras gerações, para que elas também possam vivenciar a relação maternal com os babaçuais e ter garantidos seus direitos ao bem-viver.

Como resultado da Pré-COP foram elaboradas duas cartas, uma entregue ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outra à presidência da COP30. As cartas reúnem demandas dos povos e comunidades tradicionais e enfatizam que não há justiça ambiental sem justiça social e sem a proteção dos territórios tradicionais.

Criado em 1991, MIQCB reúne quebradeiras de diferentes lugares em defesa do Babaçu Livre (Foto: Matheus Damascena/Divulgação ActionAid)
Micael Olegário

Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Mestrando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Escreve sobre temas ligados a questões socioambientais, educação e acessibilidade.

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