Mapa indica o caminho da destruição

Imagem de um rebanho bovino no limite da Floresta Nacional do Tapajós, altura do Km 88 da BR-163. Foto Marizilda Cruppe

Feito pelo Greenpeace, trabalho mostra o risco da ação contínua das milícias ambientais na terra indígena Sawré Muybu, no Pará

Por Marizilda Cruppe | ODS 15 • Publicada em 6 de outubro de 2019 - 20:36 • Atualizada em 22 de outubro de 2019 - 12:10

Imagem de um rebanho bovino no limite da Floresta Nacional do Tapajós, altura do Km 88 da BR-163. Foto Marizilda Cruppe
Imagem de um rebanho bovino no limite da Floresta Nacional do Tapajós, altura do Km 88 da BR-163. Foto Marizilda Cruppe
Imagem de um rebanho bovino no limite da Floresta Nacional do Tapajós, altura do Km 88 da BR-163. Foto Marizilda Cruppe

A tática é conhecida. Começam pelo roubo de madeira nobre com alto valor comercial. Em seguida vem a derrubada do que restou, a grilagem e a venda das terras. A etapa seguinte é queimar a área tomada dos índios na marra. Aí só falta jogar as sementes de braquiária, esperar o capim crescer e colocar os bois para pastar onde antes era uma exuberante, necessária e útil floresta primária. No Brasil tem mais boi do que gente. De acordo com o IBGE, são 213,5 milhões de cabeças de gado e 210,1 milhões de pessoas. Na região amazônica a proporção é de três bois por cidadão e o Pará concentra os municípios com maior crescimento de rebanhos nos últimos dez anos.

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O aumento da degradação na Terra Indígena Sawré-Muybu, do povo Munduruku, vem da direção da BR-163, importante via de escoamento de gado, madeira e grãos. “No caso da Sawré Muybu, o que acontece nesse momento é um avanço da atividade madeireira cirúrgica. Os madeireiros estão tirando somente o Ipê que segue para o [município de] Trairão onde é ‘esquentado’ no esquema de guias falsas de crédito de manejo”, diz Danicley Aguiar, 44 anos, engenheiro agrônomo do Greenpeace especializado em Amazônia. O esquema para legalizar madeira roubada a que o agrônomo se refere também é uma prática criminosa bem conhecida das autoridades. Começa na fase do inventário das árvores que poderão ser derrubadas na área que será submetida ao plano de manejo florestal e continua por todo o sistema de monitoramento. Na hora do inventário cria-se um crédito excedente de árvores que não existem e é usado para legalizar a madeira extraída ilegalmente de terras indígenas e unidades de conservação. “O Estado não consegue garantir que a atividade madeireira aconteça dentro da legalidade e a fraude é um combustível para a pilhagem das terras indígenas”, completa Danicley.

Em Agosto, o #Colabora publicou reportagem sobre as ameaças ao povo Munduruku e como os indígenas expulsaram invasores de suas terras. Poucas semanas depois da ação de vigilância dentro de seu território os madeireiros retornaram em número maior e seguiram com a derrubada das árvores. Sem uma ação efetiva da Polícia Federal e do IBAMA esses madeireiros não deixarão de destruir a floresta para roubar madeira. E não é só a destruição da floresta que está em questão. Aguiar afirma que “as perdas ambientais são de fato um problema, mas a consequência é ainda mais grave quando se vê que a destruição das terras levará à destruição desses povos que fatalmente entrarão em colapso. Se esse processo de invasão continuar, vai virar genocídio.” A lei que estabelece o crime de genocídio, nº 2.889/56, tem vigência anterior e foi recepcionada pela Constituição de 1988. O artigo primeiro aborda expressamente o crime de genocídio e tipifica penas e condutas relacionadas a “intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso”.

Sem tempo para esperar

 Se nada for feito, o próximo ataque à Sawré Muybu será a grilagem das terras. É o que aconteceu, por exemplo, nos territórios Karipuna e Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia. No mesmo dia do discurso do presidente Jair Bolsonaro na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI)  lançou o relatório “Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil” com análises dos dados até 2018. Porém, a entidade fez uma denúncia baseada em dados parciais de 2019 que mostraram que só nos primeiros nove meses de governo do atual presidente foram invadidas 153 terras indígenas em 19 Estados. Esse número representa o dobro de invasões ocorridas em todo o ano passado. As estatísticas endossam, portanto, os motivos de ambientalistas e indígenas estarem alarmados com futuro que se avizinha.

O discurso anti-ambientalista e anti-indigenista de Bolsonaro inflamou o clima de “liberou geral” para as milícias ambientais. Organizadas, elas têm núcleos armados, políticos, institucionais e econômicos. Danicley explica que “o mapa mostra o quanto o território [Sawré Muyby] está desprotegido e vem sendo pilhado e, se nada for feito, se o contexto não for modificado, esse território será exposto à grilagem.” Ele continua “isto vai acompanhar um banho de sangue e a responsabilidade será dos três poderes. Se o Executivo lidera uma retórica de invasão de terras indígenas os outros poderes se calam. A questão das terras indígenas é um problema de Estado.”

Marizilda Cruppe

​Marizilda Cruppe tentou ser engenheira, piloto de avião e se encontrou mesmo no fotojornalismo. Trabalhou no Jornal O Globo um bom tempo até se tornar fotógrafa independente. Gosta de contar histórias sobre direitos humanos, gênero, desigualdade social, saúde e meio-ambiente. Fotografa para organizações humanitárias e ambientais. Em 2016 deu a partida na criação da YVY Mulheres da Imagem, uma iniciativa que envolve mulheres de todas as regiões do Brasil. Era nômade desde 2015 e agora faz quarentena no oeste do Pará e respeita o distanciamento social.

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