ICMBio abre as portas para indicações políticas e servidores temem ‘sedes fantasmas’

Em meio à pandemia, União vai gastar R$ 8,88 milhões só com indenizações a funcionários deslocados do órgão

Por Emanuel Alencar | ODS 15 • Publicada em 14 de maio de 2020 - 12:16 • Atualizada em 14 de maio de 2020 - 12:17

A Apa de Guapi-Mirim, no Rio de Janeiro, é uma das que está acéfala desde o dia 12 por conta da falta de diálogo do governo com os servidores. Foto Custódio Coimbra

Em meio à maior pandemia dos últimos cem anos, o governo Jair Bolsonaro publicou nesta quarta-feira (13) mais portarias que alteram profundamente a gestão das unidades de conservação brasileiras. As mudanças enxugam as chefias de parques, reservas, estações ecológicas, APAs, e as aglutinam em comandos do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Acontece que tudo foi desenhando sem debate, reclamam servidores. Responsável por 334 unidades de conservação em todo o país, o ICMBio prevê a criação de 66 núcleos de gestão integrada (NGI).

Em relatório ao qual o Projeto #Colabora teve acesso, a própria autarquia, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, estima gastar R$ 8.887.191,80 em ajuda de custo para os funcionários que deixarem suas antigas sedes e assumirem funções nos novos núcleos integrados. Mas não está explicitada no documento a previsão de economia com a reestruturação. Os atos provocaram reação imediata. A Associação dos Servidores Federais da Área Ambiental no Estado do Rio de Janeiro – Asibama/RJ protocolou na Procuradoria da República representação denunciando os indícios de desvio de finalidade, lesão ao patrimônio público e fragilização da proteção ambiental.

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É um grande equívoco a fusão numa única gestão de Unidades de Conservação com objetivos e ecossistemas tão diferentes e distantes geograficamente

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“Foi uma decisão de gestão. Os processos tramitaram em sigilo no sistema, sem permissão de acesso para ninguém. Criaram um comitê, decidiram, mas as justificativas e os processos não estão nada claros”, diz um servidor de carreira do ICMBio, sob condição de anonimato. “Basearam as mudanças em relatórios que não trazem informações mais detalhadas. Não há justificativa para as alterações”.

O movimento abrupto do governo, divorciado de amplo debate com servidores, deixou unidades acéfalas desde o dia 12. No Estado do Rio, por exemplo, oito unidades estão sem comando: Estação Ecológica da Guanabara, APA de Guapi-Mirim, Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, APA Petrópolis, Reserva Biológica de Poço das Antas, Reserva Biológica União, APA Cairuçu e APA Bacia do Rio São João. Em nota, a Associação Mico-Leão-Dourado repudia as exonerações e diz que aguarda “uma justificativa do órgão e a abertura de diálogo com a sociedade civil sobre as mudanças administrativas realizadas e o futuro destas unidades de conservação”.

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Essas unidades devem ser aglutinadas em comandos únicos, como o de Teresópolis, abrangendo APA de Guapi-Mirim, Estação Ecológica da Guanabara, Parque Nacional da Serra dos Órgãos, APA de Petrópolis e Reserva Biológica do Tinguá (leia o decreto). Não está claro, porém, o que acontecerá com a sede da APA de Guapi-Mirim e da Esec Guanabara, às margens da BR-493, em Guapimirim. Nos últimos 15 anos, sob o comando de Maurício Muniz, a APA se destacou pela restauração de 150 hectares de manguezais plantados e outros 400 em regeneração. É considerada a última região preservada do entorno da Baía de Guanabara, e garantidora da biodiversidade desse ecossistema. Em nota, o Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) afirma ser “um grande equívoco a fusão numa única gestão de UCs com objetivos e ecossistemas tão diferentes e distantes geograficamente”.

O mico-leão-dourado, uma das preciosidades da biodiversidade nacional, agora mais ameaçados por conta do descaso do governo. Foto Divulgação.
O mico-leão-dourado, uma das preciosidades da biodiversidade nacional, agora mais ameaçados por conta do descaso do governo. Foto Divulgação.

Saem cargos de carreira, entram livres nomeações

As mudanças começaram no início do ano, nove meses depois de o coronel da Polícia Militar de São Paulo Homero de Giorge Cerqueira assumir o ICMBio. O decreto 10.234, publicado em fevereiro, transformou 44 cargos antes exclusivos de servidores de carreira em 19 postos de comando com livre preenchimento. As onze coordenações regionais (cinco na Amazônia, duas no Nordeste, duas no Sudeste, uma no Centro-Oeste e uma no Sul) viraram cinco gerências executivas regionais (Norte, Sul, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste) – dos cinco gerentes, quatro são egressos de forças militares, apenas um é servidor de carreira.

Depois, o governo criou bases avançadas das gerências regionais, numa espécie de “correção de rumo”. A centralização nas gerências executivas teve como justificativa a redução dos valores de contrato de gestão. Mas o governo nunca apresentou os números detalhados.

Os primeiros núcleos de gestão integrada (NGIs) remontam a 2016. Na ocasião, porém, houve junção de unidades muito próximas ou sobrepostas, com a criação da Unidade Especial Avançada (UNA) Itaituba (no Pará), reunindo 12 unidades de conservação. O modelo foi considerado de sucesso, assim como o NGI de Fernando de Noronha, unindo o parque nacional marinho e APA da ilha numa gestão integrada. Os casos ilustram junções que faziam sentido, comentam servidores. Diferentemente de agora, quando o governo Bolsonaro leva ao paroxismo o enxugamento da máquina. O que causa temor de descontinuidade de pesquisas e ações bem sucedidas.

“A gente não sabe o que será das estruturas que vão ficar sem servidores, sem contratos de manutenção, limpeza e vigilância”, comenta um funcionário. “Estão inchando as áreas meio, as estruturas administrativas, e tirando pessoas das unidades, da fiscalização”.

Outra mudança que chama a atenção é o deslocamento da coordenação regional do Sudeste, instalada na Usina, aos pés do Parque Nacional da Tijuca, transferida para o bairro dos Jardins em São Paulo. A pedido do ministro Ricardo Salles. O #Colabora aguarda as respostas aos questionamentos feitos ao ICMBio.

Emanuel Alencar

Jornalista formado em 2006 pela Universidade Federal Fluminense (UFF), trabalhou nos jornais O Fluminense, O Dia e O Globo, no qual ficou por oito anos cobrindo temas ligados ao meio ambiente. Editor de Conteúdo do Museu do Amanhã. Tem pós-graduação em Gestão Ambiental e cursa mestra em Engenharia Ambiental pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Apaixonado pela profissão, acredita que sempre haverá gente interessada em ouvir boas histórias.

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