Nascido austríaco e naturalizado brasileiro, o bispo Dom Erwin Kräutler vive há 54 anos na Amazônia. Mais precisamente no município de Altamira, no Pará, o maior do Brasil em extensão. A região é uma das mais atingidas pela gigantesca queimada que nos últimos dias assombrou o mundo. Aos 80 anos, o bispo emérito do Xingu já enfrentou muitos dos criminosos que costumam agir na região em nome das madeireiras e mineradoras ilegais para destruir as matas e atacar os indígenas. Por conta disso, Dom Erwin está há 13 anos sob a vigilância de dois policiais que garantem sua segurança. Mesmo para quem está acostumado a tais adversidades, o que vê agora é assustador. “Não é que alguém tenha deixado cair uma ponta de cigarro, é algo premeditado, e posso imaginar que há muito tempo premeditado”, lamenta ele.
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Veja o que já enviamosO religioso faz parte do seleto grupo de 18 bispos que prepara o Sínodo da Amazônia, organizado pelo Vaticano e que começa no dia 6 de outubro, em Roma. O incêndio na floresta deverá fazer do encontro objeto de atenção da imprensa mundial. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército e atual assessor do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), criticou o evento e disse que seu “viés político” preocupa o governo. Nesta entrevista, Dom Erwin rebate a acusação, fala das consequências da queimada e critica a ideia de que para explorar economicamente a selva é preciso derrubá-la:
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As lideranças da Igreja estão sendo criminalizadas e consideradas inimigas da pátria. Quem hoje luta pela Amazônia é considerada persona non grata. Eu digo para o presidente e também para os generais: leiam a encíclica “Laudato Si”, que mostra a posição do Papa sobre a ecologia. Ele fala da casa comum, da nossa comum responsabilidade. A certa altura fala da Amazônia, que, claro, é responsabilidade dos estados nacionais. Nunca se trata de ameaçar a soberania nacional. Não sei quem inventou isso
[/g1_quote]#COLABORA – Ao comentar o Sínodo da Amazônia, o general Villas Bôas se disse preocupado pelo “viés político” e avisou que não vai admitir interferências nas questões internas do país. Como recebeu essa declaração?
Dom Erwin Kräutler – Isso é loucura. A nossa queixa é que lideranças da Igreja estão sendo criminalizadas e consideradas inimigas da pátria. Quem hoje luta pela Amazônia é considerada persona non grata. Eu digo para o presidente e também para os generais: leiam a encíclica “Laudato Si”, que mostra a posição do Papa sobre a ecologia. Ele fala da casa comum, da nossa comum responsabilidade. A certa altura fala da Amazônia, que, claro, é responsabilidade dos estados nacionais. Nunca se trata de ameaçar a soberania nacional. Não sei quem inventou isso. Sugiro que leiam também o instrumento de trabalho, que se baseia nas respostas de cerca de 80 mil pessoas do povo sobre o que estão pensando e querendo que a Igreja faça. Baseado nisso, se elaborou esse texto. O Papa escolheu 18 pessoas para formar o conselho pré-sinodal e eu sou membro desse grupo e estive em Roma várias vezes. Eles têm que ler esse texto. Não é um documento clandestino, o presidente pode ler, os generais podem ler, todo mundo pode ler. Aí poderão dizer que sabem o que os bispos estão querendo. E vão descobrir que não tem nada, nada disso. O texto é um instrumento para termos a base temática, um ponto de partida e um guia para nossas discussões e debates.
Como vê as declarações de integrantes do governo de que o alarme dentro e fora do Brasil por causa das queimadas é causado por quem é inimigo da soberania nacional?
Dom Erwin – Ninguém nunca pensou que a Amazônia deve ser internacionalizada ou qualquer coisa do gênero. Aqui nunca pensamos isso, muito menos os bispos. Claro que essa região é território brasileiro, sempre será, isso não se discute. Porém, é do interesse da humanidade por sua função reguladora do clima planetário, isso não podemos negar. Até mesmo o Sul e o Sudeste do país não se deram conta de que eles sobrevivem naquela área em virtude da floresta amazônica, que ser for arrasada vai causar desertificação. Isso não é um fantasma ou argumento alarmista, mas é provado cientificamente, não se discute mais isso. Essa fumaça negra que cobriu São Paulo não saiu de uma fábrica, mas desceu aqui da região para lá.
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Um hectare ou dois queimados não é uma catástrofe, os bichos podem ir embora, isso se recompõe. Já quilômetros e mais quilômetros vira catástrofe, acaba com a flora, acaba com a fauna, a fumaça intoxica, as crianças ficam com problema respiratório, quem mora por perto nem sabe como se defender. O ar poluído é terrível. É como se fosse um estado inteiro queimando.
[/g1_quote]E quanto à acusação de que as ONGs causaram o fogo?
Dom Erwin – Como se pode criminalizar as ONGs? A gente tem que dizer “obrigado”. Fico preocupado quando vejo alguém falando isso. Se você vê o Instituto Socioambiental, são brasileiros. O Greenpeace no Brasil deve ter algum estrangeiro, mas eu nunca vi. São brasileiros interessados no próprio país. Há muitas besteiras que se falam em alto e bom som, como a de que a Europa já arrasou tudo. Isso é desconhecimento total. Na Alemanha, 30% é floresta, na Suécia é quase 60%, na Áustria é quase metade floresta. Dizer que arrasaram tudo é fake news.
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A Amazônia é mais da metade do Brasil, mas é vista como província madeireira, província mineral, última fronteira agrícola, província energética. Olham a floresta sempre numa perspectiva de “vamos buscar”, “vamos tirar”, “vamos enriquecer”, “só podemos aumentar o PIB nacional se a gente derrubar”. Essa é a filosofia que está por trás disso. E é perigosa.
[/g1_quote]Como o sr. pode dar a dimensão do estrago causado pelas queimadas?
Dom Erwin – Altamira é o maior município do Brasil, o que tem a maior extensão, isso já dá a grandeza dessas queimadas. O que mais nos preocupa desde o início é aquela ideia que alguns tiveram de fazer o Dia do Fogo. É premeditado, provocado, parece o Dia D para a Amazônia. Nesse sentido, acho que deveria ser levada mais a sério toda essa situação. Como alguém pode chegar e dizer: “vamos nos unir para botar fogo na floresta”? Isso é um absurdo. Não é que alguém tenha deixado cair uma ponta de cigarro, é algo premeditado, e posso imaginar que há muito tempo premeditado, no contexto desse governo que diz querer “abrir” a Amazônia, desde a campanha o presidente fala isso. Ele acha que “abrir a Amazônia” é, derrubar a floresta tropical para conseguir pasto para o rebanho bovino ou então áreas contínuas para a plantação de soja, cana de açúcar e outras coisas mais. Tudo isso é consequência de uma visão de Amazônia que não é salutar.
A segunda coisa é a visão da região como província. A Amazônia é mais da metade do Brasil, mas é vista como província madeireira, província mineral, última fronteira agrícola, província energética. Olham a floresta sempre numa perspectiva de “vamos buscar”, “vamos tirar”, “vamos enriquecer”, “só podemos aumentar o PIB nacional se a gente derrubar”. Essa é a filosofia que está por trás disso. E é perigosa.
Qual a diferença da queimada que acontece agora para as que o sr. viu antes?
Dom Erwin – Há muito tempo são feitas queimadas. As primeiras nos anos 60 e 70, eram mais para conseguir uma área para plantar. O lote rural da Transamazônica era de 100 hectares, podendo se utilizar para essas finalidades 20%. O restante tinha que ficar em pé. Isso nunca funcionou. Tinha uma reserva florestal de 20 km dos dois lados da estrada, que foi derrubada e invadida. Só que essas pequenas queimadas de então a própria natureza se encarregou de recompor. Mas assim, em grande escala, quilômetros e mais quilômetros, é um grande absurdo. Um hectare ou dois queimados não é uma catástrofe, os bichos podem ir embora, isso se recompõe. Já quilômetros e mais quilômetros vira catástrofe, acaba com a flora, acaba com a fauna, a fumaça intoxica, as crianças ficam com problema respiratório, quem mora por perto nem sabe como se defender. O ar poluído é terrível. É como se fosse um estado inteiro queimando. Você não pode imaginar, até onde se enxerga há fogo e fumaça no céu. As perspectivas não são boas. Mas não adianta apenas dar o remédio, é preciso evitar a doença, é preciso ação permanente, mudar de visão. Amazônia é uma dádiva divina que temos que ajudar e cuidar.
O sr. considera que as providências tomadas pelo governo são suficientes?
Dom Erwin – Mandaram o Exército e agora vamos salvar o que é possível. Mas é preciso mudar de visão. A Amazônia não é para isso.Vamos apagar o fogo, punir os responsáveis, mas você já sabe como são as punições…
Alguns pontos importantes para evitar que continuem devastando as nossas florestas, a ressaltar: a fiscalização firme e contínua com severa punição, estendida a todos os envolvidos, atingindo desde o menor até os grandes que podem livrar-se na justiça, manter bem informada a população local. Tornar crime inafiançável para quem praticar novas derrubadas ou queimadas, independente de qual seja o motivo fora da lei, exceto as áreas de lavouras indígenas, as quais monitoradas para evitar incêndios indesejados em partes da floresta. As áreas destinadas á mineração devem resguardar o meio ambiente, com meios para evitar poluição dos rios e de nascentes, com base sólida em estudos e aprovação de especialistas para a construção e exploração, respeito ás normas ambientais para manter a segurança das pessoas e das áreas envolvidas. O governo tem que ser o primeiro a dar o exemplo, deve empenhar-se e procurar apoio de toda a população pela importância que tem o eco-sistema para todos nós.
Alguns pontos importantes para evitar que continuem devastando as nossas florestas, a ressaltar: a fiscalização firme e contínua com severa punição, estendida a todos os envolvidos, atingindo desde o menor até os grandes que podem livrar-se na justiça, manter bem informada a população local. Tornar crime inafiançável para quem praticar novas derrubadas ou queimadas, independente de qual seja o motivo fora da lei, exceto as áreas de lavouras indígenas, as quais devem ser monitoradas para evitar incêndios indesejados em partes da floresta. As áreas destinadas á mineração devem resguardar o meio ambiente, e com meios para evitar a poluição de rios e de nascentes, com base sólida em estudos e aprovação de especialistas para a construção e exploração, respeito ás normas ambientais para manter a segurança das pessoas e das áreas envolvidas. O governo tem que ser o primeiro a dar o exemplo, deve empenhar-se e procurar apoio de toda a população pela importância que tem o eco-sistema para todos nós. Cada um que faça a sua parte.