(Luciene Kaxinawá*) – A um ano para acontecer a 30ª Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), em Belém (PA), a repressão a um protesto contra o marco temporal na 16ª Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade – COP16), em Cali, na Colômbia, que culminou com a liderança Txai Paiter Suruí, de Rondônia, ter sido detida e intimidada por seguranças das Organizações das Nações Unidas (ONU), acende discussões importantes. Será que o Brasil está preparado para receber a COP 30? Será que as autoridades estão preparadas para ouvir os povos indígenas?
É impossível falar sobre clima e meio ambiente sem ouvir os povos indígenas. “Estou lutando pelo meu direito, estão matando o meu povo!”, protestou Txai Suruí na ocasião, com tinta vermelha nas mãos, como se fosse o sangue derramado pelos indígenas mortos em conflitos pela terra, enquanto era cercada por seguranças colombianos da ONU e tinha suas credenciais retidas e rasgadas. Repressão a protestos organizados pela sociedade civil também foram registrados nas últimas conferências sobre mudanças climáticas.
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Em entrevista à agência Amazônia Real, realizada pelo whatsapp durante uma viagem, Txai relembra o episódio na COP16 da Biodiversidada. “Senti medo de ser expulsa do local, de perder as credenciais e não poder retornar mais”, conta a ativista, de 24 anos, que, em 2021, foi a única brasileira a discursar na abertura da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), em Glasgow, na Escócia. Após sua fala, que ecoou no mundo inteiro, ela foi perseguida por bolsonaristas, sobretudo nas redes sociais. No retorno ao Brasil, ela temeu pela própria segurança, como contou em entrevista à Amazônia Real na época.
Agressões na COP da Biodiversidade
No dia 30 de outubro, durante a COP 16, Txai Suruí – coordenadora da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, organização que sua mãe Ivaneide Bandeira, conhecida como Neidinha, fundou, – estava em companhia de outras lideranças indígenas, enquanto no Brasil aconteciam manifestações contra o marco temporal nos territórios, nas redes sociais e em Brasília. “Estavam tendo as mobilizações no Brasil; aí a gente decidiu fazer a nossa mobilização lá também. Mas tínhamos que pedir autorização um dia antes para fazer a mobilização na COP 16. Enviamos o pedido de autorização, mas a liberação não chegou a tempo”, conta Txai.
Mesmo sem a autorização em mãos para o manifestação, Txai e outros indígenas, que estavam credenciados para participarem da COP16 decidiram prosseguir com o protesto pacífico no setor de negócios do evento. “Eu comprei tinta [cor vermelha] de sangue e fomos fazer o nosso protesto”, explica a ativista. Os indígenas também levaram cartazes e discursos com palavras de ordem como: “Não ao marco temporal!”.
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Veja o que já enviamosO grupo não esperava que sofreria uma abordagem agressiva por parte de seguranças da ONU. “Chegou uma guardinha e falou assim: ‘você tem autorização?’. Eu falei: ‘sim’. Aí já começou a juntar um montão de policiais. Eu já tinha feito uma fala. Quando a gente foi saindo, a guardinha me pegou pelo braço. Entregamos os cartazes, ela estava nos repreendendo para acabar [o protesto]. A segurança falou para dar o nosso nome, rasgou nossas credenciais. Ela começou a pegar no meu braço com força, começou a doer e eu já comecei a gritar”, relata a jovem.
Txai conta que, nesse momento, percebendo que seria levada, começou a chamar a atenção da princesa Maria Esmeralda, membro da família real da Bélgica, e presidente do Fundo Rei Leopoldo III para exploração e conservação da natureza, que participava da COP16. “Eu comecei a gritar socorro em inglês: ‘help! Princesa! Help!’. Pedindo ajuda a Maria Esmeralda. Eu falava [para a policial]: ‘você tá machucando, você tá me molestando’. Aí juntou um monte de gente. Eles não queriam soltar a gente. O pessoal gritava: ‘solta!, solta!, solta!”, conta a líder Suruí.
A jovem diz ainda que outras lideranças também sofreram agressões, com chutes e beliscões, enquanto tentavam resgatá-la dos seguranças. Txai conta que o grupo foi levado para uma sala separada antes da chegada das autoridades brasileiras. “Fomos chegando no pavilhão do Brasil. Senti medo de ser expulsa do local, de perder as credenciais e não poder retornar mais. Chegaram às autoridades da Embaixada do Brasil. A gente não queria ir, pois estávamos com medo”.
A jovem disse ainda que após a chegada da ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva, o tom da conversa dos seguranças mudou. “O tom mudou né? Começaram a pedir desculpas!”, afirma a jovem.
A mãe de Txai Suruí, a indigenista Ivaneide Bandeira estava em Porto Velho (RO), quando recebeu a notícia da violência contra sua filha na Colômbia. “Enquanto mãe, pra mim, foi um pavor! Um verdadeiro terror receber uma ligação que minha filha estava sendo levada presa – porque foi desse jeito que falaram pra mim – por estar reivindicando seus direitos”, relembra Neidinha.
A indigenista conta ainda que foram necessárias algumas movimentações e ligações para entender o que aconteceu de fato e pedir ajuda para a ministra Marina Silva. “Eu sou super agradecida à ministra Marina. Quando eu liguei, ela prontamente foi lá e resolveu a situação, junto com a embaixada e o Itamarati”, acrescenta.
Ao analisar o que aconteceu com Txai na COP16, Neidinha diz que o episódio reflete o que os povos indígenas têm vivido no Brasil. “Esse episódio da ONU mostra a fragilidade que vivem os povos indígenas em qualquer espaço. Se o povo indígena não está seguro num espaço da ONU para falar sobre retrocessos ambientais que afetam os seus direitos, onde os povos indígenas vão estar seguros?”, questiona Neidinha.
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, defendeu Txai Suruí em entrevista ainda durante a COP16. “Todos nós sentimos por qualquer pessoa que tenha vivido o que ela viveu, mas ela é uma pessoa muito relevante para todos nós. Não é só um símbolo, ela é uma pessoa com uma ação concreta, efetiva na luta dos povos indígenas, dos direitos das mulheres, dos direitos humanos”, declarou a ministra sobre Txai, lembrando que os seguranças posteriormente reconheceram o erro. “Eles disseram que foi uma ação desproporcional, fizeram um pedido de desculpas, e que o pedido de desculpas não era uma coisa só verbal, que se materializava na devolução das credenciais”.
Para o líder indígena e cacique geral do povo Paiter Suruí, Almir Suruí, pai de Txai Suruí, o que aconteceu no protesto foi falta de preparo. “Como liderança, eu achei que as Nações Unidas poderiam ter mais preparação para aceitar qualquer tipo de manifestação da sociedade. Que este tipo de evento possa ser realmente um instrumento para construir políticas públicas para a sociedade e para o bem comum”, disse Almir à Amazônia Real
Problemas nas COPs do Clima
O coordenador executivo da Articulação dos Povos indígenas do Brasil (Apib), Kleber Karipuna, lamentou a situação. “O que aconteceu com a parenta Txai Suruí é o que a gente menos quer que ocorra em qualquer COP, em qualquer espaço de debate: esse cerceamento do direito de manifestar e protestar, não só com a Txai, mas com qualquer liderança indígena no Brasil ou a nível global”, afirmou Karipuna. “São três COPs, a contar com essa em Baku, capital do Azerbaijão, em países que tem uma política de silenciamento de protestos e manifestações muito rígidas, inclusive do seu próprio povo. Sentimos isso na pele tanto na Conferência do Clima do Egito (COP27), nos Emirados Árabes (COP28) e com certeza agora no Azerbaijão (COP29”, acrescentou.
A expectativa é que na COP30 que vai acontecer aqui no Brasil, em Belém (PA), haja mais espaço e liberdade para as manifestações dos movimentos sociais. “É uma COP que traz novamente uma esperança de um evento mais social, em um país que tem em sua legislação o direito de liberdade de expressão, apesar de também ser um país que um dos maiores índices de violência contra os desenvolvedores dos direitos humanos. Mas, que em sua legislação, garante o direito da liberdade de expressão e os movimentos sociais têm uma atuação mais autônoma e permitida”, destacou o coordenador da Apib.
Para a realização da 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30) em Belém, as lideranças indígenas esperam que haja preparação e espaço para que temas como clima, meio ambiente, demarcações dos territórios, entre outros assuntos também sejam discutidos com povos originários. O evento será sediado na Amazônia – bioma, que, de acordo com o Censo 2022 do IBGE, tem uma população de mais de 900 mil indígenas, de 270 povos, além de povos isolados.
Neidinha demonstra preocupação em relação à segurança dos indígenas que irão participar do evento. “Precisamos questionar a ONU que garanta que os povos indígenas, comunidades tradicionais e outras populações se sintam seguras nas COPs e nos espaços da ONU, até porque nós vamos ter a COP30 no Brasil. Como vai ser?”, questiona a ativista.
Para Almir Suruí a transparência é um fator essencial para a população indígena durante toda a Conferência. O líder indígena ainda lamenta a pouca inclusão de indígenas em discussões importantíssimas. “Nós, que somos detentores dessa luta pelo clima, pela floresta, pelos direitos humanos, ainda estamos fora dessas discussões. É preciso que o governo brasileiro organize a participação de lideranças indígenas de cada estado para que nós possamos ser representados e ouvidos. E, para isso, a gente também conta com a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara”, afirmou Almir Suruí.
*Luciene Kaxinawá, jornalista formada pelo Uniron (União das Escolas Superiores de Rondônia e primeira apresentadora indígena da TV brasileira, é colaboradora da Amazônia Real, em Rondônia, desde 2019. Foi correspondente na Amazônia da CNN Brasil e atualmente é apresentadora no Canal Futura, da Fundação Roberto Marinho.