(De Belém, Pará) – “Não podemos permitir que essa perfuração aconteça. Temos que nos unir e lutar contra”. As palavras do cacique Raoni Metuktire, 93 anos, são diretas e não deixam dúvida sobre a posição dos povos indígenas em relação ao projeto de exploração de petróleo na Margem Equatorial, na costa do Amapá e próximo da foz do Rio Amazonas.
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Veja o que já enviamosJunto de outras lideranças Kayapó e também do Povo Karipuna, Raoni participou de um painel sobre a exploração de petróleo e gás na região. A atividade foi realizada nesta terça-feira (11/11) no estande do Ministério Público Federal (MPF), na COP30 (30° edição da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), em Belém (PA). “Nós temos que ser fortes e continuar lutando para que não seja feita essa perfuração”, disse o cacique Raoni.
Nas vésperas do início da conferência, o governo brasileiro liberou a licença para a Petrobras iniciar a exploração de petróleo no bloco FZA-M-59. A decisão segue os tradicionais modelos de desenvolvimento e progresso com combustíveis fósseis, principais responsáveis pelo aumento médio da temperatura global e pela crise do clima.
A Foz do Amazonas se tornou uma zona de guerra
“Sei que Lula está falando sobre isso, mas não podemos permitir”, afirmou Raoni, sobre o fato do presidente brasileiro defender a exploração de petróleo e gás na foz do Amazonas. O líder Kayapó também enfatizou a necessidade de combater o desmatamento e de proteção às florestas, como chaves para lidar com os desafios socioambientais e climáticos que ameaçam o presente e o futuro.
Ao longo de milênios e apesar das consequências devastadoras da colonização, os povos indígenas seguem como defensores de um modo de vida alternativo, baseado na visão de rios e florestas como entes vivos. Por outro lado, os territórios indígenas estão entre os mais ameaçados pela crise climática.
“Não fomos nós que destruímos esse lugar e não podemos ser nós que vamos pagar a conta. Nós não queremos mais acordos que ficam no papel do branco”, pontuou Luene Karipuna, coordenadora-executiva da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará (APOIANP). Para ela, a voz dos povos indígenas precisaria estar presente nas mesas de negociação da Zona Azul, junto com os líderes das nações não-indígenas.
“Se matarem os Rios, eles nos matam”
Uma das preocupações destacadas pela cacica Janina Karipuna foi a possibilidade de contaminação dos Rios, uma vez que, um vazamento de petróleo na Margem Equatorial iria se espalhar rapidamente pela região. “É como se o empreendimento valesse mais do que as vidas que tem dentro do território”.
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Os Karipuna vivem em áreas de Rondônia e do Norte do Amapá, principalmente nas margens do Rio Oiapoque, próximo do bloco FZA-M59. “Nós precisamos dos Rios, porque eles nos ajudam espiritualmente, fazem parte da nossa cosmologia e das nossas danças tradicionais – que ajudam os nossos pajés nos momentos de cura. Então, se matarem os Rios, se matarem as Florestas, eles automaticamente nos matam também”, explica Janina.
Além da ameaça recente de perfuração do petróleo, os Karipuna enfrentam outros problemas socioambientais, como o desmatamento e a grilagem de terras. Edmilson dos Santos, coordenador do Conselho de Caciques dos Povos Indígenas de Oiapoque (CCPIO), descreve o contexto de lutas que sempre foram necessárias para a garantia dos direitos das comunidades.
“Nós já estamos sofrendo o impacto, com o inchaço populacional na cidade de Oiapoque e com as invasões”, conta Edmilson. Ele cita a decepção com a postura de Lula sobre o tema e ressalta a importância de que qualquer ação siga os protocolos de consulta livre e esclarecida construídos pelos povos da região. O Brasil é um dos signatários da Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) que estabelece a obrigatoriedade de consultas em casos de projetos que podem afetar comunidades tradicionais.
Zona de Guerra
Marajoara e morador da comunidade pesqueira de Jubim, em Salvaterra (PA), Nelson Ramos Bastos relata os impactos que a exploração teria para a pesca na região, principal atividade de muitas comunidades locais. Além disso, ele menciona o lobby de empresas de petróleo que atuam na região e estabelecem cada vez mais laços com as prefeituras locais.
“A foz do Amazonas se tornou uma zona de guerra”, destaca Nelson, que também é doutorando no Programa Agricultura Familiares e Desenvolvimento Sustentável, da Universidade Federal do Pará (UFPA). Segundo ele, o desejo de ingressar na pós-graduação nasceu a partir da necessidade de ocupar espaços para promover os saberes amazônicos também na academia.
Nelson ainda relaciona os embates atuais e o projeto de exploração de combustíveis fósseis com o histórico de destruição da natureza, iniciado no período colonial e perpetrado durante anos. “O petróleo é atraso e se estamos falando em transição energética justa, o mundo precisa incluir os povos originários nela”, acrescentou o pesquisador. O tema da transição energética está presente em muitos dos paineis da COP30, porém, em grande parte não incluem representantes de povos tradicionais ou reconhecem suas demandas.
