Federico Cammelli, Jos Barlow e Rachael Garrett*
Os incêndios de 2019 na Amazônia brasileira foram o resultado de um aumento alarmante no desmatamento – atingindo quase 10 mil quilômetros quadrados de perda de floresta pela primeira vez em uma década. Mas, devido às chuvas abaixo da média e a taxas ainda mais altas de desmatamento, a temporada de incêndios caminha para ser ainda pior em 2020.
Além da destruição imediata causada pelos incêndios em 2019 – desde animais selvagens carbonizados até o aumento das emissões de carbono – os incêndios na Amazônia chamaram a atenção do mundo porque foram todos feitos pelo homem. A vasta fumaça e chamas eram uma indicação de que o desmatamento em grande escala estava acontecendo antes que as estatísticas oficiais fossem divulgadas. Muitos fogos são acesos por pessoas para remover as árvores caídas após o desmatamento, mas o fogo também é uma técnica comum usada para preparar a terra para a agricultura. Infelizmente, esses incêndios podem escapar dos limites de terras agrícolas e pastagens.
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Veja o que já enviamosEm condições climáticas anteriores, com chuvas abundantes e florestas úmidas, esses incêndios tendiam a permanecer em áreas que haviam sido eliminadas seletivamente antes. Mas, quando as florestas estão mais secas devido à redução das chuvas, elas podem queimar por meses, devastando dezenas ou centenas de quilômetros de reservas florestais e terras agrícolas. Já que essas queimadas são tão prejudiciais à biodiversidade e às pessoas, por que os agricultores na Amazônia continuam a provocá-las?
O fogo é tão atraente para os agricultores porque faz, de graça, o trabalho de fertilizantes, pesticidas e empregados. Primeiro, os produtores deixam a terra em pousio – descanso a uma terra cultivada – para se recuperar após algumas colheitas; depois, a área vai sendo tomada por plantas e pragas. A vegetação que volta a crescer é então cortada e queimada, fornecendo uma maneira de baixo custo para limpar os detritos e fertilizar a terra enquanto remove as pragas.
O prejuízo das queimadas
Essa dependência do fogo gradualmente degrada o solo e, como nossa pesquisa descobriu, é menos lucrativo no longo prazo em comparação com sistemas agrícolas que usam maquinários, integram árvores em terras agrícolas ou alternam pastagens. Descobrimos que, entre as famílias de agricultores com quantidades semelhantes de terra, capital e força de trabalho, aqueles que cultivam com fogo ganham 63% menos do que fazendas que não usam fogo.
O problema é que incêndios de outras fazendas tornam muito arriscado para os agricultores investirem em sistemas caros de preparo da terra sem fogo, porque as safras ou a infraestrutura podem acabar sendo destruídas. Em uma pesquisa com 580 agricultores na Amazônia oriental, 43% receberam pelo menos uma fuga de incêndio nos últimos cinco anos.
Medimos a exposição dos fazendeiros ao risco de incêndio pelo número de incêndios detectados por satélite nas proximidades de suas propriedades. Se a exposição ao risco de incêndio aumentasse em pelo menos 70%, compensaria inteiramente os benefícios de investir em um sistema sem fogo. Terras fertilizadas e preparadas mecanicamente, cobertas com cercas, madeira e plantações de frutas são altamente inflamáveis. Quando o risco de incêndio é alto, cultivar com fogo oferece o retorno mais seguro, mas aumenta o risco de incêndio para outras pessoas. Nessas situações, os usuários do fogo ganham mais dinheiro do que os fazendeiros que não usam o fogo, mas as receitas agrícolas são muito mais baixas do que seriam se o risco de incêndio fosse reduzido.
Medidas de controle de incêndio, como aceiro – faixas sem vegetação – ao redor da área designada para queimada, podem reduzir bastante o risco de propagação do fogo, mas os aceiros levam semanas para serem construídos. Se o risco de um incêndio descontrolado em área vizinha for muito alto, há uma grande chance da propriedade do produtor queimar de qualquer maneira, independentemente do que tiver sido feito, o que reduz o incentivo para construir aceiros. Assim como o risco de incêndios descontrolados leva mais agricultores a acenderem seus próprios fogos, isso também desencoraja as pessoas a investirem em suas próprias medidas de controle de fogo.
A menos que haja um esforço coordenado para reduzir o risco de incêndio coletivamente, não há incentivo para que os agricultores individuais parem de usar o fogo ou aumentem seus esforços para evitá-lo. Em pesquisas anteriores, descobrimos que os agricultores desejam que o governo brasileiro ajude a coordenar esse esforço. Então, como o governo pode ajudar?
Ações ilegais e práticas agrícolas
Uma opção é proibir o uso de fogo (o que o atual governo fez, com pouco sucesso, em 2019 e 2020 – nota do tradutor). Mas isso geralmente é uma má ideia, já que o fogo pode ser usado de forma sustentável, algo que os indígenas manejaram por gerações. A proibição também pode prejudicar os meios de subsistência dos agricultores que não podem se dar ao luxo de mudar para outras práticas.
Preparar a terra com máquinas e produtos químicos pode ser uma boa alternativa para algumas regiões da Amazônia. Mas seria muito caro e difícil mecanizar a agricultura familiar em áreas remotas. E, ao aumentar o número de tratores nas fronteiras florestais, o governo arriscaria mais desmatamento, pois essas máquinas podem ser usadas contra as árvores. Impor medidas de controle de fogo entre os agricultores e subsidiar as técnicas alternativas quando apropriado, pode ser a melhor opção. Isso reduz o risco de incêndio para todos e se baseia no conhecimento local. Mais financiamento para apoiar o treinamento e o equipamento dos bombeiros comunitários também ajudaria.
Para encontrar as soluções certas, precisamos entender melhor as causas dos incêndios na Amazônia. É uma floresta derrubada recentemente? Nesse caso, é provável que muitos desses incêndios estejam relacionados à grilagem de terras, extração de madeira e mineração (caso da maioria, como apontam pesquisas brasileiras – nota do tradutor). Combater isso significa fazer cumprir as leis ambientais.
Ou os incêndios são resultado de práticas agrícolas locais? Nesses casos, as soluções estão em fornecer mais apoio e trabalhar com a população local para encontrar um caminho para sair da armadilha da pobreza do fogo.
*Federico Cammelli é pesquisador em Política Ambiental do Instituto Federal Suíço de Tecnologia, Jos Barlow é professor de Ciência da Conservação da Universidade de Lancaster (Inglaterra), Rachel Garrett é professora de Política Ambiental do Instituto Federal Suíço de Tecnologia