Onda de calor no Ártico ameaça vida selvagem

Esquilo terrestre do Ártico na tundra do Alaska: pesquisa identifica esses animais estão crescendo mais lentamente com verão mais quente e inverno menos frio (Robert Valarcher/Biosphoto/AFP)

Mudança na vegetação e temperaturas mais quentes afetam habitat natural de espécies de animais adaptadas ao frio polar

Por The Conversation | ODS 13ODS 15 • Publicada em 9 de julho de 2020 - 08:13 • Atualizada em 11 de fevereiro de 2021 - 16:53

Esquilo terrestre do Ártico na tundra do Alaska: pesquisa identifica esses animais estão crescendo mais lentamente com verão mais quente e inverno menos frio (Robert Valarcher/Biosphoto/AFP)

Helen Wheeler*

A onda de calor atual no Ártico, com temperaturas atingindo 38 graus (Celsius) em algumas partes do norte da Sibéria, é sintomática para uma região que experimenta mais que o dobro da taxa média global de aquecimento. Por esse motivo, as rápidas mudanças que ocorrem no Ártico podem ser um indicador do que virá em todo o planeta.

Os ambientes árticos são muito sazonais, com grandes diferenças entre as noites polares escuras cobertas de neve e gelo e a curta temporada de verão, quando as plantas fazem a maior parte do seu crescimento. Enquanto algumas espécies animais permanecem ativas durante todo o ano e se adaptaram para sobreviver a longos invernos com neve, outras usam os verões curtos para criar reservas de energia para sobreviver à hibernação. Mudanças como as ondas de calor do verão e invernos incomumente amenos têm todos os tipos de consequências e são uma ameaça para a vida selvagem do Ártico, adaptada ao frio.

Verões mais quentes podem transformar a paisagem. O solo permanentemente congelado (conhecido como permafrost) está descongelando e arbustos mais altos estão crescendo na tundra dominada pela grama. À medida que seus habitats vão mudando, as espécies selvagens do Ártico enfrentam novos desafios. Um animal em que estou particularmente interessado, e passei sete anos pesquisando, é o esquilo terrestre do Ártico. Esta espécie existe há mais de 740 mil anos, quando habitavam a mesma tundra das estepes que o mamute-lanoso (mamífero da família do elefante, com mais de 4 metros de altura e  extinto há 5 mil anos)

Os esquilos do Ártico ainda sobrevivem melhor em ambientes abertos, dominados por gramíneas e plantas semelhantes, e vivem em colônias de 50 indivíduos – às vezes, mais. Quando predadores como ursos pardos, águias ou raposas aparecem, os esquilos podem ser ouvidos acionando alarmes para o resto da colônia e desaparecendo para a segurança de suas tocas. Sabemos que eles têm maior probabilidade de estabelecer colônias extensas em habitats abertos, com menos vegetação lenhosa bloqueando a visibilidade.

Uma questão fundamental para os esquilos terrestres do Ártico é a capacidade de ver seus predadores à distância. Como descobri em meu próprio trabalho de campo em esquilos no norte do Canadá e no Alasca, mais arbustos no ambiente podem significar menos probabilidade de ver predadores e, portanto, uma necessidade de maior cautela na hora de procurar comida. Mais cautela significa que eles comerão menos comida e vão ganhar menos peso e, finalmente, poderão ter sua capacidade de sobrevivência reduzida durante o período de hibernação de sete a oito meses no inverno. Essa mesma pesquisa também descobriu esquilos jovens em habitat de baixa visibilidade crescendo mais lentamente e fêmeas não atingindo a mesma massa antes da hibernação.

Muitas das mudanças no Ártico não são efeitos diretos do clima, mas respostas a uma cadeia de efeitos causados pelo aquecimento. Por exemplo, as moscas parasitas assediam o caribu durante o verão. O caribu responde movendo-se para elevações mais altas com ventos mais altos. Mas o habitat de maior altitude tem menos comida – assim, escapando das moscas, o caribu tem menos para comer. À medida que as temperaturas esquentam e as estações de crescimento se tornam mais longas, pode haver ainda mais moscas, dificultando a vida do caribu.

Lebre com raquete de neve na Groenlândia: espécie avistada cada vez mais ao norte do Ártico com aquecimento da região (Foto: Mario Tama/AFP)
Lebre com raquete de neve na Groenlândia: espécie avistada cada vez mais ao norte do Ártico com aquecimento da região (Foto: Mario Tama/AFP)

Alguns animais selvagens podem se beneficiar. A lebre com raquetes de neve, o alce, o castor da América do Norte e o lagarto-de-salgueiro foram observados cada vez mais longe, mais para dentro do Ártico, ou há previsão de que sigam nessa direção. Esses invasores, vindo das florestas boreais ao sul, podem transformar habitats mais ao norte. Os castores são particularmente conhecidos como engenheiros do ecossistema e, alterando a forma como a água flui pelas paisagens, eles podem potencialmente derreter ainda mais o permafrost. Agora estou trabalhando no norte do Canadá para entender alguns dos impactos de ter mais castores nesses ambientes do norte.

Os verões mais quentes são apenas um lado da história. A vida selvagem também pode ser influenciada por eventos no inverno, como a neve se tornando mais profunda ou mais rasa, dependendo de como as mudanças climáticas afetam as condições locais, ou a neve derretendo mais cedo e mais cedo a cada ano. Os impactos podem ser inesperados e, às vezes, mais neve caindo no inverno causa o derretimento tardio, apesar das temperaturas mais quentes.

O degelo repentino no inverno também pode ser devastador: em 2013, os cientistas perceberam que a chuva caindo sobre a neve era responsável por mortes em massa de renas em uma península da Sibéria. Quando as temperaturas caíram, a água da chuva congelou e formou grossas camadas de gelo que impediam as renas de alcançares as plantas abaixo da neve e levando animais a morrerem de fome.

Com esse aquecimento do Ártico, ocorrem também rápidas mudanças sociais e econômicas. O derretimento do gelo do mar torna a região mais acessível ao transporte por períodos mais longos. O desenvolvimento de petróleo, novas estradas, turismo e outras novas atividades econômicas aumentam as ameaças à vida selvagem impostas pelo aquecimento.

A confluência de todas essas pressões significa que o Ártico quase certamente será atingido por uma rápida mudança ecológica, mesmo que os detalhes exatos dessa mudança sejam difíceis de prever por causa de como essas pressões estão interconectadas.

*Pesquisadora e conferencista sobre Vida Selvagem e Ecologia, na Universidade Anglia Ruskin (Inglaterra)

(Tradução: Oscar Valporto)

The Conversation

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