Quantas vezes você costuma abrir os comentários de publicações no Instagram? E quantos stories costuma publicar por dia ou por semana? Para Geisa Farini e para outras pessoas com deficiência visual, essas ações têm ficado ainda mais difíceis por conta de atualizações que acrescentam novas barreiras de acessibilidade na plataforma da empresa Meta, dona também do Facebook e do WhatsApp. A falta de acessibilidade inviabiliza a cidadania e até as possibilidades de renda dessas pessoas nos ambientes digitais.
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Em vídeo com mais de 60 mil visualizações no seu perfil, Geisa mostra como usuários de leitores de tela, o que inclui pessoas cegas e com baixa visão, acabam impedidas de criar publicações no Instagram. “Eram poucas coisas que eu não conseguia fazer (no Instagram), mas, de uns meses para cá, piorou”, relata. Os problemas afetam a navegação na aba de reels e, principalmente, a publicação de stories, em que o aplicativo leitor de tela para de funcionar.
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Veja o que já enviamosEngenheira de software e criadora de conteúdo, Geisa enfatiza que a falta de acessibilidade impacta diretamente pessoas que utilizam as redes como vitrines para seus negócios ou projetos. “Não afeta só pessoas que querem postar seu dia-a-dia, mas também quem usa como ferramenta de trabalho”, aponta ela. A falta de acessibilidade, obviamente, não é exclusiva do Instagram.
Senti vontade de fazer o vídeo para expressar minha indignação e mostrar para as pessoas o descaso com que, muitas vezes, as pessoas com deficiência são tratadas pela maioria das empresas
Segundo dados de pesquisa de 2024, que avaliou 26,3 milhões de sites ativos no Brasil, apenas 2,9% atendiam plenamente todos os requisitos de acessibilidade. O estudo foi feito pela BigDataCorp, em parceria com o Movimento Web Para Todos. Dados do Censo 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que 7,9 milhões de brasileiros têm dificuldade de enxergar, sendo cerca de 500 mil pessoas cegas e 6 milhões com baixa visão.
“A verdade é que quase todas as grandes atualizações de qualquer aplicativo acarretam em uma perda de acessibilidade, que depois pode ser ou não corrigida”, afirma Marcos Lima, jornalista e criador do canal “Histórias de Cego”. Segundo ele, as dificuldades com o Instagram são antigas e, por isso, não costuma consumir muitos conteúdos na plataforma. “Quando entro na aba de comentários, preciso fechar o Instagram e abrir de novo pra poder voltar a tela inicial”, exemplifica, citando problema também identificado por Geisa.
Cidadania digital
A comunicação é um dos direitos assegurados às pessoas com deficiência pela Lei Brasileira de Inclusão (LBI). Apesar disso, a participação efetiva dessas pessoas nos ambientes digitais é um desafio constante, justamente, devido às barreiras geradas pela falta de acessibilidade, o que pode ocorrer devido a ausência de descrição alternativa ou de tradução em Língua Brasileira de Sinais (Libras), também por designs complexos e pouco responsivos. Esses problemas afetam também sites de e-commerce, plataformas de governos e de serviços básicos, até portais de notícias e de jornalismo.
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Para Simone Freire, idealizadora do Movimento Web Para Todos, a acessibilidade precisa ser considerada em todas as etapas de desenvolvimento e atualização de sites e aplicativos, o que inclui a participação de consultores com deficiência. “Senão acontece isso, equipes subindo novos recursos e fazendo ajustes necessários, mas não revalidam considerando perfis atípicos, como quem navega com leitores de tela”, pontua a pesquisadora.
“O Facebook é bem acessível, sempre foi. Já o TikTok, por exemplo, nunca foi muito muito acessível, chamamos de ‘acessável’, quando com alguns malabarismos e gambiarras, conseguimos acessar”, descreve Geisa Farini, em uma comparação entre a acessibilidade ou falta dela em diferentes aplicativos.
Geisa menciona que a motivação para o vídeo de denúncia foi o contato com depoimentos de outras pessoas usuárias de leitores de tela que estavam sendo prejudicadas em suas atividades de trabalho. “Senti vontade de fazer o vídeo para expressar minha indignação e mostrar para as pessoas o descaso com que, muitas vezes, as pessoas com deficiência são tratadas pela maioria das empresas”, desabafa a engenheira de software.
O descaso revela não só a falta de inclusão e o capacitismo presentes na sociedade e nas empresas de tecnologia, como inviabiliza que as redes possam servir como espaço para romper estereótipos. “As pessoas com deficiência são pessoas com necessidades específicas e que têm pensamentos, comportamentos e personalidades diversas. As redes sociais trazem a oportunidade de mostrar isso para a sociedade, porque muitas pessoas não têm chance de conviver e aprender sobre pessoas com deficiência, a não ser por essa janela digital”.
Apesar da repercussão do vídeo e das reclamações feitas por Geisa Farini diretamente à plataforma, nenhum retorno ou explicação foi fornecida. Novas atualizações melhoraram a interatividade para curtir e comentar em reels, mas os problemas nos stories não foram solucionados. A reportagem entrou em contato com a assessoria da Meta no Brasil, mas até a publicação do texto, não obtivemos resposta para os questionamentos sobre as atualizações e novas barreiras de acessibilidade.
Retrocessos e incoerência
Em janeiro, a Meta anunciou o encerramento do seu programa interno de diversidade, equidade e inclusão. Em vídeo publicado na época, Mark Zuckerberg, cofundador e acionista controlador da empresa, informou a redução das ações de moderação de conteúdos sobre gênero e imigração, na prática, permitindo a disseminação de discursos de ódio contra minorias sociais.
Não existem indicativos de que o posicionamento da Meta em relação à diversidade possua relação com as novas barreiras de acessibilidade no Instagram, porém, indicam que a empresa não está preocupada com a cidadania e com os direitos humanos em suas plataformas.
Geisa Farini também identifica uma incoerência na postura da empresa, que enviou representantes para a 11ª Conferência Mundial da Deficiência Visual, realizada em setembro, no Brasil. “Fizeram uma exposição de um óculos da Meta com inteligência artificial nesse evento. Então, ao mesmo tempo que não estão se importando com a acessibilidade e regredindo nesses assuntos que tratam de diversidade e inclusão, eles estavam lá”, comenta a engenheira de software.
Ainda em relação à divulgação do óculos com IA e suas supostas contribuições para a acessibilidade de pessoas com deficiência, Geisa critica a tentativa de vender mais uma ferramenta sem antes resolver os problemas das que já estão disponíveis. “Não queremos adquirir uma tecnologia nova, mas usar o que temos com autonomia. Claro que, o que for lançado precisa vir com acessibilidade, mas no momento, precisamos usar o que já existe”.