Incêndio fora de época no Pantanal assusta ambientalistas e investidores em preservação

Serra do Amolar começa a arder em pleno período das chuvas e organizações criam corredores ecológicos no bioma para conservação da biodiversidade

Por Liana Melo | ODS 13ODS 15 • Publicada em 7 de fevereiro de 2024 - 09:24 • Atualizada em 1 de março de 2024 - 09:39

Brigadas combatem fogo na Serra do Amoçar: incêndio fora de época assusta ambientalistas e investidores em preservação do Pantanal (Foto: IHP)

Um incêndio fora de época tomou conta da Serra do Amolar, uma região estratégica para a biodiversidade do Pantanal, que, por sua vez, desempenha um papel importante para o suprimento de água e estabilidade do clima na América do Sul. Localizada no noroeste do Mato Grosso do Sul, na fronteira com Cáceres, no Mato Grosso, e com a Bolívia, a Serra do Amolar começou a arder em pleno período das chuvas em 2024.

Os primeiros focos de incêndio foram detectados no final de janeiro, tendo chegado a queimar, até a última segunda-feira, dia 5 de fevereiro, 2,7 mil hectares do território, segundo levantamento do Painel do Fogo, plataforma lançada em 2021 e administrada pelo Governo Federal para subsidiar o acionamento das equipes de combate ao fogo no Brasil. Só agora, a partir da segunda semana de fevereiro, o fogo começou a dar trégua.

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“A partir de diferentes eventos que ocorreram em 2023, como o fenômeno climático El Niño, e nesse início de 2024, há indicativo de que o Pantanal não vai encher esse ano”, avalia Ângelo Rabelo, presidente do Instituto Homem Pantaneiro (IHP). Cidades distante cerca de 230 km da Serra do Amolar, como Corumbá, foram atingidas por uma fumaça densa. Espécies que já estavam em algum grau de ameaça, como onça pintada, anta, queixada, tamanduá-bandeira, tatu canastra, mutum-de-penacho e ariranha, foram obrigadas a saírem a procura de outro abrigo.

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A Serra do Amolar não queimava desde o ano de 2020, quando ocorreu um incêndio de alta intensidade no Pantanal. À época, o fogo atingiu uma área de 44.998 km2, o que correspondeu a 30% do bioma. Rabelo avalia que a ausência de chuvas aumenta o risco de novos focos de incêndio na região este ano, especialmente porque a Serra do Amolar vem enfrentando ondas de calor há meses, com temperaturas que superam os 35ºC. “Estamos em estado de alerta”.

Conhecido como “reino das águas”, a perda de alagados desde 1988 e a ocorrência de grandes incêndios vêm aumentando a vulnerabilidade do Pantanal. Por sua importância para o meio ambiente, o bioma é considerado Patrimônio Natural da Humanidade e Reserva da Biosfera pela Unesco.

Incêndio no Pantanal em época de chuva: Serra do Amolar perdeu quase três mil hectares (Foto: Téo Pini / Governo do Mato Grosso do Sul)
Incêndio no Pantanal em época de chuva: Serra do Amolar perdeu quase três mil hectares (Foto: Téo Pini / Governo do Mato Grosso do Sul)

Corredor ecológico

Para proteger o Pantanal, os estados do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul adotaram, como políticas públicas, a criação de corredores de biodiversidade, ou corredores ecológicos. A proposta foi desenhada pela Embrapa Pantanal e o WWF-Brasil. Ao unir fragmentos florestais ou unidades de conservação separados por estradas ou atividades econômicas como agricultura, pecuária ou extração de madeira, esses corredores são considerados estratégias relevantes para a conservação da biodiversidade.

O objetivo desses tipos de corredores é um só: permitir o livre acesso de animais, que perambulam por uma área contígua, e a dispersão de sementes, o que propicia o aumento da cobertura vegetal. Esse trânsito liberado ajuda no processo de recolonização de áreas degradadas. “A formação de redes de propriedades ambientalmente sustentáveis é crucial para a conservação do Pantanal, sua biodiversidade e os serviços ecossistêmicos que o bioma provê”, defende o biólogo Walfrido Moraes Tomás, da Embrapa Pantanal.

A Rede de Proteção e Conservação da Serra do Amolar é um desses corredores de biodiversidade. Administrada pelo IHP, o programa envolve parcerias para dar continuidade as áreas protegidas do Parque Nacional do Pantanal Matogrossence. Criada em 2008, a Rede Amolar abrange uma área de, aproximadamente, 300 mil hectares.

A Aliança 5P (de Pantanal, preservação, parcerias, pecuária e produtividade) é outro exemplo de corredor ecológico. A ambientalista Teresa Bracher e seu marido Candido Bracher, acionista e ex-presidente do Itaú, são um dos articuladores da entidade, que conta ainda com o banqueiro André Esteves, fundador do BTG Pactual, e o investidor Alexandre Bossi, da Pandhora Investimentos.

Um total de 13 fazendas fazem parte do corredor de biodiversidade, o que soma uma extensão de 346.952,13 hectares, uma área pouco maior que a cidade de São Paulo ou cerca de 3,5% do Pantanal, segundo a zootecnista Ana Paula Felício, secretária-executiva da Aliança 5P. A propriedade São Francisco de Peripara é uma área que tem a maior concentração de araras azuis do mundo.

A Aliança 5P junta áreas contíguas que incluem reserva legal (69.803,66 hectares), áreas de proteção permanente (9.519 hectares) e RPPNs (30.744 hectares), além das áreas de pastagens nativas e exóticas. É uma região do Pantanal que conecta Nhecolândia a Bodoquena, passando por áreas como o delta do rio Salobra e Terra Indígena Kadiwéu até a fronteira com o Paraguai. Na rota está o Parque Nacional da Serra da Bodoquena.

“Essas iniciativas são essenciais como modelo a ser ampliado, não só no Pantanal, mas também em qualquer outro bioma e sob qualquer tipo de uso econômico da terra”, defende Tomás, comentando que o “Brasil precisa virar uma página e avançar na responsabilidade ambiental, até porque temos talvez a mais avançada legislação ambiental do planeta”.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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