(Felipe Medeiros* – Boa Vista/RR) – Uma onda de incêndios assola as terras indígenas de Roraima neste mês de fevereiro, situação agravada pela intensidade dos eventos extremos climáticos e pelo El Niño. Nos últimos dias, a Hutukara Associação Yanomami (HAY) tem recebido relatos sobre um cenário alarmante de avanço de queimadas descontroladas e pedidos de socorro dos indígenas que vivem nas regiões de Apiaú e Missão Catrimani, na Terra Indígena Yanomami.
De acordo com a Hutukara, até o momento as informações são referentes ao período de 19 a 23 de fevereiro e chegaram por meio do Sistema de Alertas ‘Wãnori’, o mesmo usado para monitorar o avanço do garimpo ilegal. Um ofício relatando o avanço das queimadas foi elaborado e enviado, em caráter de urgência, na sexta-feira (23) para autoridades públicas. A organização também divulgou em suas redes sociais imagens do fogo em várias áreas de floresta.
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Conforme o documento, ao qual a Amazônia Real teve acesso, no dia 20 de fevereiro de 2024 a HAY recebeu informações sobre um incêndio devastador no dia anterior. O fogo destruiu a casa comunitária de Manopi e Bacabal, na região de Missão Catrimani, e teria começado a partir da queima de roças, saiu de controle e consumiu vastas extensões da floresta, explica o ofício assinado por Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara.
“Das vinte e duas comunidades da região, praticamente todas estão com os roçados queimando. O incêndio descontrolado perdura, queimando as florestas e prejudicando a saúde respiratória de todos, principalmente pessoas idosas e crianças. Ademais, o fogo destruiu redes e objetos. Os Yanomami relatam que tentaram apagar o fogo, porém não obtiveram sucesso”, relata o documento.
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Veja o que já enviamosNa região do Apiaú, os incêndios chegaram a áreas vitais para a economia e subsistência das comunidades Yanomami. De acordo com o ofício, o fogo começou fora da terra indígena e avançou para dentro da mata.
Além dos impactos diretos das queimadas, os moradores enfrentam problemas adicionais, como a falta de acesso à água potável devido ao rebaixamento do nível dos rios, agravado pelas atividades de garimpo na região. Ainda conforme o documento, o fogo veio da “região externa à terra indígena, onde há diversas fazendas para criação de gado”.
A Hutukara espera uma ação imediata e coordenada das autoridades públicas responsáveis, no Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (DSEI-Y), vinculado à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde.
O pedido inclui o acionamento de brigadas de incêndio, recuperação dos sistemas de abastecimento de água, planejamento de oficinas e palestras educativas sobre manejo de fogo, entre outras medidas preventivas e de mitigação.
“Espera-se a articulação dos órgãos oficiados para acionar as brigadas de incêndio, para resposta de urgência, visando o controle do fogo nas regiões do Catrimani e Apiaú. Ao DSEI-Y cabe recuperar os sistemas de abastecimento de água das comunidades Serrinha, Hatyanai e Natureza, na região do Apiaú/TIY”, diz trecho do ofício.
O documento solicita ainda planejamento para oficinas de boas práticas de manejo de fogo e palestras educativas para as comunidades, além de ações de vigilância nutricional e de prevenção e tratamento de doenças respiratórias nas regiões.
Falta de chuva e força do vento
Em entrevista à Amazônia Real, o meteorologista da Fundação Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Femarh), Ramón Alves, disse que o aumento das queimadas foi motivado pelo tempo seco, falta de chuva e força do vento. “Ele [vento] está sempre mudando de direção, principalmente, nesses meses de janeiro, fevereiro e março. Por isso há uma perda de controle das chamas e elas se propagam rapidamente”, explicou o pesquisador.
O vice-presidente da Hutukara, Dário Kopenawa, faz uma reflexão sobre a situação vivenciada por indígenas e não indígenas. Ele lembrou que os incêndios florestais têm sido comuns em várias regiões do Brasil, e que isso “tem muita relação com a falta de respeito à mãe natureza, e que portanto é uma responsabilidade de todos, sendo o fogo o maior inimigo da floresta”, disse ele, em um áudio enviado à Amazônia Real.
“Há 524 anos estamos alertando que se não pode destruir, queimar a floresta, brincar com o fogo, que está queimando tudo e poluindo a cidade e as florestas. Em Roraima, a situação é muito grave”, alertou.
Queimadas aumentam também na região do Catrimani, que fica dentro da TI Yanomami, em área de difícil acesso, e está dividida em Baixo, Médio e Alto Catrimani. Em uma nota técnica da Hutukara, divulgada em janeiro, o local é descrito com registros de grande desmatamento associado ao garimpo, conforme detectado pelo Sistema de Alertas da TI Yanomami, ferramenta que recebe e qualifica denúncias, e fortalece a comunicação entre as comunidades indígenas, organizações e o poder público.
A área específica tem este nome – Missão Catrimani – por estar ligada aos Missionários da Consolata, da Igreja Católica, que existe desde 1965. Nesta semana, o padre Bob Mulega, missionário da Consolata que faz parte da equipe da Missão, conforme divulgado no site Vatican News, alertou que a situação, principalmente na região do médio Catrimani, onde vivem 1.170 pessoas em 29 comunidades, é crítica porque as queimadas interferem também na subsistência, uma vez que eles perderam roças, o que pode levar à fome.
Ele disse que os incêndios nesta região estariam relacionados à questão climática da época que está provocando altas temperaturas, e que as faíscas dos roçados aliadas à seca e aos ventos são combustíveis para provocar focos de incêndio.
Roraima em chamas
Na semana passada, a Amazônia Real noticiou que as queimadas atingiram terras indígenas. Além da destruição de roças, o que prejudica a alimentação tradicional, lideranças apontaram a falta de água nas regiões ouvidas pela reportagem.
Dados do Monitor do Fogo, do MapBiomas, mostram que a área queimada no Brasil em 2024 aumentou 3,5 vezes, na comparação com 2023. Os três estados que mais queimaram ficam na Amazônia. “Roraima, com 413.170 hectares atingidos pelo fogo – um aumento de 250% em relação ao mesmo período em 2023; Pará, com 314.601 hectares queimados; e o Amazonas, com 95.356 hectares. Roraima representou 40% do total queimado no país em janeiro; o Pará representou 30%”, mostra o documento.
Dados do MapBiomas apontam que “formações campestres, pastagens e florestas foram os tipos de vegetação mais consumidos pelo fogo em todo o país” e que “em Roraima 95% da área queimada foi em formação campestre”.
Em nota divulgada nesta terça-feira (27), o monitor do fogo do MapBiomas afirma que “devido à sua localização próxima à linha do Equador, Roraima apresenta características climáticas e geográficas singulares, que fazem com que o período de queimadas aconteça no início do ano, ao invés do meio para o final do ano, como em outras regiões da Amazônia”.
“É normal que a Amazônia lidere em disparada a área queimada no início do ano por conta da estação seca de Roraima acontecer justamente nesse período. Entretanto, esse ano teve o agravante da seca extrema, que retardou e diminuiu a quantidade de chuva, deixando a região ainda mais inflamável”, explica a coordenadora do MapBiomas Fogo e Diretora de Ciência do IPAM, Ane Alencar.
*Felipe Medeiros é jornalista multimídia, formado pela Universidade Federal de Roraima (UFRR) Foi repórter e apresentador em portais e emissoras de TV em Roraima