Gustavo Pinheiro*
Se 2020 foi um ano de reviravoltas para o Acordo de Paris, o pacto global firmado há cinco anos para evitar a ameaça de uma desestabilização climática catastrófica, 2021 promete ser o início de uma longa maratona de transformações profundas.
Daqui até 2025, os países terão de agir e demonstrar a efetiva redução de emissões segundo as metas que apresentaram sob o Acordo, as NDCs. 190 dos 195 países signatários do Acordo de Paris apresentaram NDCs (planos nacionais de ação climática, conhecidos como Contribuições Nacionalmente Determinadas – NDC, na sigla em inglês). Na soma, entretanto, elas são ainda insuficientes diante do tamanho do desafio climático.
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Veja o que já enviamosO Relatório de Síntese Inicial das NDCs, publicado em 26 de fevereiro de 2021, é um alerta vermelho sobre o descasamento entre promessas e necessidade. A ciência é clara, para limitar o aumento da temperatura global a 1,5 ° C, devemos cortar as emissões globais em 45% até 2030 em relação aos níveis de 2010. As nações terão de redobrar os esforços e apresentar planos de ação mais ambiciosos em 2021.
Dois fatores devem contribuir para uma mudança radical ao longo desta década: a volta dos Estados Unidos ao Acordo de Paris, e consequentemente à corrida climática; e a integração dos riscos climáticos pelos mercados financeiros, e a consequente realocação de investimentos.
A saída dos Estados Unidos da América – segundo maior emissor de gases de efeito estufa da atualidade e maior emissor histórico – se efetivou em 04 de Novembro de 2020 e poderia ter colocado parte do mundo em compasso de espera e não de ação climática por mais quatro anos.
Mas a situação logo se inverteu com a vitória de Joe Biden nas eleições gerais Americanas, confirmada em meados de novembro,, recolocando os Estados Unidos na diplomacia climática e fortalecendo a corrida por emissões zero.
Joe Biden cumpriu sua promessa de retornar ao Acordo apenas 107 dias após a efetivação da saída por seu antecessor na Casa Branca.
Estes dois fatores devem impactar também a agenda no Brasil, especialmente a agenda privada. Investidores e empresas que quiserem ter sucesso ao longo desta década precisam correr para incorporar os riscos climáticos e construir seus planos de transição para um futuro livre de emissões de gases de efeito estufa – condições para participar da corrida tecnológica.
Somos a única das grandes nações onde as emissões de gases de efeito estufa aumentaram em 2020, apesar da retração econômica causada pela pandemia. O aumento ocorreu em função do desmatamento e das queimadas no país.
Não apenas a Amazônia sofreu com o revés na gestão ambiental brasileira. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Pantanal teve 30% de sua área devastada pelo fogo durante o ano de 2020, algo inédito em toda a série histórica.
Não faltaram tentativas do governo federal de “passar a boiada” com altas emissões, como anunciado pelo Ministro do Meio Ambiente na fatídica reunião de 22 de Abril de 2020. Segundo as pesquisadoras da UFRJ, Mariana Vale e Rita Portela, foram 57 os atos federais de “desregulação” e “flexibilização”, enfraquecendo regulações com efeito potencial sobre a economia do clima, com base nos dados organizados pelo projeto Política Por Inteiro.
Como consequência disso e da omissão do poder público federal quanto à agenda, o Brasil logrou o não atingimento da meta de redução de emissões de gases de efeito estufa para o ano de 2020, que fora sancionada 11 anos antes via lei 12.187/2009.
A redução mínima esperada era de 36,1% nas emissões projetadas para 2020. Vale lembrar que esse era um número que em tese seria muito fácil de se alcançar, pois suas premissas superestimaram o crescimento da economia. O Brasil não cresceu 5% ao ano entre 2009 e 2020, como considerado no cálculo da meta. Ainda assim, não se conseguiu cumprir a meta estabelecida em lei, mesmo durante um ano de pandemia, onde as atividades econômicas foram largamente diminuídas.
Além disso, o Ministério das Relações Exteriores submeteu à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima uma revisão da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC na sigla em inglês) na contramão do planeta e dos próprios termos do Acordo.
A NDC revisada propõe que o Brasil possa ampliar em 1⁄3 suas emissões em 2025 – de 1,2 para 1,8 bilhões de toneladas de CO2 equivalente – e elimina detalhes sobre as ações a serem tomadas pelo Brasil. O ato firmou o Brasil como membro do clube dos vilões globais e nos afastou da corrida por emissões zero.
Esse enorme constrangimento impossibilitou a participação do Brasil na prestigiosa Conferência por Mais Ambição, realizada em dezembro, que reuniu países que ampliaram seus compromissos de ação climática.
O desastre só não foi pior devido à mobilização estratégica da sociedade e do setor privado.
Em plena pandemia, investidores, líderes empresariais, pesquisadores, artistas, povos tradicionais, políticos e diversos grupos sociais se mobilizaram para impedir danos maiores.
Mar calmo nunca fez bons marinheiros. E a sociedade fez a diferença ao longo do ano, inclusive apontando caminhos para superar as múltiplas crises que ameaçam nossa saúde, economia e ambiente.
Investidores cobraram do governo a redução do desmatamento desenfreado.
Líderes empresariais pediram providências no combate inflexível e abrangente à destruição dos biomas brasileiros.
Até mesmo Ministros da Fazenda e Banqueiros Centrais de governos anteriores, que normalmente divergem publicamente em matéria econômica, convergiram para uma posição uníssona em defesa da proteção ambiental, apontando que a saída da crise passa por uma retomada verde, em direção à economia carbono zero até a metade deste século.
2021 é o ano da largada desta década de rápidas transformações, ao longo da qual vamos evoluir para um modelo econômico 3D: Digital, Distribuído e Descarbonizado. Quem não se preparar vai tropeçar nos riscos da transição e não conseguirá aproveitar as grandes oportunidades. Os investidores, gestores e empreendedores brasileiros terão a importante missão de liderar essas mudanças independentemente de quem ocupar a cadeira de Presidente da República.
*Coordenador do Portfólio de Economia de Baixo Carbono do Instituto Clima e Sociedade