Economia carbono zero: retrospectiva 2020 e oportunidades para 2021

Em artigo, coordenador do ICS aponta expectativa de mudanças profundas mas lembra que Brasil foi única grandes nação onde as emissões de gases de efeito estufa aumentaram em 2020

Por Instituto Clima e Sociedade | ODS 12ODS 13 • Publicada em 4 de março de 2021 - 10:10 • Atualizada em 8 de março de 2021 - 10:46

Fumaça no complexo industrial da Thyssen, em Duisburg, Alemanha: Relatório de Síntese Inicial das NDCs é um alerta vermelho sobre emissões de carbono (Foto: Ina FASSBENDER / AFP – 04/02/2021)

Gustavo Pinheiro*

Se 2020 foi um ano de reviravoltas para o Acordo de Paris, o pacto global firmado há cinco anos para evitar a ameaça de uma desestabilização climática catastrófica, 2021 promete ser o início de uma longa maratona de transformações profundas.

Daqui até 2025, os países terão de agir e demonstrar a efetiva redução de emissões segundo as metas que apresentaram sob o Acordo, as NDCs. 190 dos 195 países signatários do Acordo de Paris apresentaram NDCs (planos nacionais de ação climática, conhecidos como Contribuições Nacionalmente Determinadas – NDC, na sigla em inglês). Na soma, entretanto, elas são ainda insuficientes diante do tamanho do desafio climático.

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O Relatório de Síntese Inicial das NDCs, publicado em 26 de fevereiro de 2021, é um alerta vermelho sobre o descasamento entre promessas e necessidade. A ciência é clara, para limitar o aumento da temperatura global a 1,5 ° C, devemos cortar as emissões globais em 45% até 2030 em relação aos níveis de 2010. As nações terão de redobrar os esforços e apresentar planos de ação mais ambiciosos em 2021.

Dois fatores devem contribuir para uma mudança radical ao longo desta década: a volta dos Estados Unidos ao Acordo de Paris, e consequentemente à corrida climática; e a integração dos riscos climáticos pelos mercados financeiros, e a consequente realocação de investimentos.

A saída dos Estados Unidos da América – segundo maior emissor de gases de efeito estufa da atualidade e maior emissor histórico – se efetivou em 04 de Novembro de 2020 e poderia ter colocado parte do mundo em compasso de espera e não de ação climática por mais quatro anos.

Mas a situação logo se inverteu com a vitória de Joe Biden nas eleições gerais Americanas, confirmada em meados de novembro,, recolocando os Estados Unidos na diplomacia climática e fortalecendo a corrida por emissões zero.

Joe Biden cumpriu sua promessa de retornar ao Acordo apenas 107 dias após a efetivação da saída por seu antecessor na Casa Branca.

Estes dois fatores devem impactar também a agenda no Brasil, especialmente a agenda privada. Investidores e empresas que quiserem ter sucesso ao longo desta década precisam correr para incorporar os riscos climáticos e construir seus planos de transição para um futuro livre de emissões de gases de efeito estufa – condições para participar da corrida tecnológica.

Queimada para ampliar fronteira agrícola no norte de Mato Grosso: desmatamento e incêndios florestais fizeram Brasil ser única grande nação a ter aumento de emissões no ano da pandemia (Foto: Carl de Souza/AFP - 06/08/2021)
Queimada para ampliar fronteira agrícola no norte de Mato Grosso: desmatamento e incêndios florestais fizeram Brasil ser única grande nação a ter aumento de emissões no ano da pandemia (Foto: Carl de Souza/AFP – 06/08/2021)

Somos a única das grandes nações onde as emissões de gases de efeito estufa aumentaram em 2020, apesar da retração econômica causada pela pandemia. O aumento ocorreu em função do desmatamento e das queimadas no país.

Não apenas a Amazônia sofreu com o revés na gestão ambiental brasileira. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Pantanal teve 30% de sua área devastada pelo fogo durante o ano de 2020, algo inédito em toda a série histórica.

Não faltaram tentativas do governo federal de “passar a boiada” com altas emissões, como anunciado pelo Ministro do Meio Ambiente na fatídica reunião de 22 de Abril de 2020. Segundo as pesquisadoras da UFRJ, Mariana Vale e Rita Portela, foram 57 os atos federais de “desregulação” e “flexibilização”, enfraquecendo regulações com efeito potencial sobre a economia do clima, com base  nos dados organizados pelo projeto Política Por Inteiro.

Como consequência disso e da omissão do poder público federal quanto à agenda, o Brasil logrou o não atingimento da meta de redução de emissões de gases de efeito estufa para o ano de 2020, que fora sancionada 11 anos antes via lei 12.187/2009.

A redução mínima esperada era de 36,1% nas emissões projetadas para 2020. Vale lembrar que esse era um número que em tese seria muito fácil de se alcançar, pois suas premissas superestimaram o crescimento da economia. O Brasil não cresceu 5% ao ano entre 2009 e 2020, como considerado no cálculo da meta. Ainda assim, não se conseguiu cumprir a meta estabelecida em lei, mesmo durante um ano de pandemia, onde as atividades econômicas foram largamente diminuídas.

Além disso, o Ministério das Relações Exteriores submeteu à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima uma revisão da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC na sigla em inglês) na contramão do planeta e dos próprios termos do Acordo.

A NDC revisada propõe que o Brasil possa ampliar em 1⁄3 suas emissões em 2025 – de 1,2 para 1,8 bilhões de toneladas de CO2 equivalente – e elimina detalhes sobre as ações a serem tomadas pelo Brasil. O ato firmou o Brasil como membro do clube dos vilões globais e nos afastou da corrida por emissões zero.

Esse enorme constrangimento impossibilitou a participação do Brasil na prestigiosa Conferência por Mais Ambição, realizada em dezembro, que reuniu países que ampliaram seus compromissos de ação climática.

O desastre só não foi pior devido à mobilização estratégica da sociedade e do setor privado.

Em plena pandemia, investidores, líderes empresariais, pesquisadores, artistas, povos tradicionais, políticos e diversos grupos sociais se mobilizaram para impedir danos maiores.

Mar calmo nunca fez bons marinheiros. E a sociedade fez a diferença ao longo do ano, inclusive apontando caminhos para superar as múltiplas crises que ameaçam nossa saúde, economia e ambiente.

Investidores cobraram do governo a redução do desmatamento desenfreado.

Líderes empresariais pediram providências no combate inflexível e abrangente à destruição dos biomas brasileiros.

Até mesmo Ministros da Fazenda e Banqueiros Centrais de governos anteriores, que normalmente divergem publicamente em matéria econômica, convergiram para uma posição uníssona em defesa da proteção ambiental, apontando que a saída da crise passa por uma retomada verde, em direção à economia carbono zero até a metade deste século.

2021 é o ano da largada desta década de rápidas transformações, ao longo da qual vamos evoluir para um modelo econômico 3D: Digital, Distribuído e Descarbonizado. Quem não se preparar vai tropeçar nos riscos da transição e não conseguirá aproveitar as grandes oportunidades. Os investidores, gestores e empreendedores brasileiros terão a importante missão de liderar essas mudanças independentemente de quem ocupar a cadeira de Presidente da República.

*Coordenador do Portfólio de Economia de Baixo Carbono do Instituto Clima e Sociedade

Instituto Clima e Sociedade

O Instituto Clima e Sociedade (iCS) é uma organização filantrópica que promove prosperidade, justiça e desenvolvimento de baixo carbono no Brasil, funcionando como uma ponte entre financiadores internacionais e nacionais e parceiros locais.

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