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Coluna | Comunicação climática e multipoder no Brasil

ODS 10ODS 13 • Publicada em 24 de agosto de 2022 - 09:49 • Atualizada em 24 de agosto de 2022 - 20:10

Recentemente, celebramos o ineditismo de que, pela primeira vez na história do Brasil, o Censo 2022 vai contabilizar a população quilombola. Longe dessa notícia, que dias atrás foi manchete digital de diversos portais brasileiros, ser um mérito do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), fico me perguntando sobre as cicatrizes geracionais da invisibilidade das histórias, dados e lutas dos quilombos em todo o território brasileiro. Comunicação é poder! 

Estudei Jornalismo em uma das melhores escolas de comunicação do país, a PUC-Rio. Tive incontáveis aulas obrigatórias e opcionais sobre a estética da comunicação, por exemplo. E algo que era bastante repetitivo em sala era o lema que afirma que a “comunicação é poder”. No entanto, quando afirmamos isso, é preciso  ir além de jargões e frases de efeito. Nesse percurso provocativo, é bem possível que encontremos mais perguntas do que respostas que confrontam tal sentença. Poder para quem? Para quê? A custo de quantos e quantas? De que tipo de comunicação estamos falando?

Leu essa? Injustiça climática tem gênero, cor e CEP

Foram essas mesmas interrogativas que guiaram uma aula que dei poucos meses atrás sobre comunicação climática, ao lado do jornalista Pedro Borges, do Alma Preta Jornalismo. A formação intitulada Racismo Ambiental e Emergência Climática foi uma iniciativa do Instituto Peregum, que formou e utilizou dezenas de lideranças do movimento negro sobre o tema. Foram duas aulas, e novamente saí com a certeza de que aprendo muito mais do que contribuo em espaços como aqueles.

Arte feita por Patrícia Nardini após a aula sobre comunicação na formação Racismo Ambiental e Emergência Climática, do Instituto Peregum.
Arte feita por Patrícia Nardini após a aula sobre comunicação na formação Racismo Ambiental e Emergência Climática, do Instituto Peregum.

Dito isso, podemos retornar às respostas. Para encontrá-las, antes de mais nada, precisamos de um profundo diagnóstico prático e teórico da comunicação climática. Na formação, vimos que ele pode ser destrinchado em três grandes eixos: 1) linguagem; 2) porta-vozes; e 3) lugar de fala e de escuta das populações que, de forma extremamente desigual, são afetadas pela crise climática.

Linguagem também é poder, pois é ela quem nos abre caminhos para compreender os problemas e soluções da emergência climática. Ela é capaz de levar leitores/as, ouvintes, espectadores/as, colaboradores/as e tomadores/as de decisão à ação política. Uma linguagem acessível é a chave para que mais pessoas, famílias e comunidades estejam conscientes de onde estamos em relação à mudança do clima no nível local, regional, nacional e global. Nomear conceitos de forma tecnicista ameaça a legitimidade de experiências e vivências territoriais que estão longe de serem reduzidas à citações acadêmicas.

Existe um fio narrativo de que a crise climática pode se tornar irreversível na próxima década, porque é uma verdade científica e com muitas consequências para todos e todas nós. Contudo, falar de gênero, raça, classe e geração ainda não entra nessas manchetes que mais viralizam, porque ainda há uma invisibilização dessa informação, dessa construção narrativa e desse conhecimento.

Nesse sentido, quem são nossos principais porta-vozes no Brasil hoje? Eles detém o poder de influenciar a formação de opiniões, o imaginário dos cenários da crise climática e de prover dados, evidências e exemplificações que contemplem os múltiplos desafios sociais, raciais, de gênero e classe no Brasil. Vale sempre lembrar que, sim, valorizamos e reconhecemos o valor da contribuição da comunidade científica, mas há uma contradição se ela seguir majoritariamente branca, masculina, de meia-idade e heteressosexual, por exemplo. Tais interlocutores sempre terão lacunas em seus olhares, análises e recortes dos muitos Brasis que existem no Brasil. Portanto, seja pela imprensa ou para produção de conhecimentos e saberes, a escolha de porta-vozes pode ser fatal.

Líderes quilombolas e do Movimento Negro na COP26: comunicação climática e racismo ambiental em foco (Foto: Conaq – 04/11/2021)

Por fim, a compreensão não-rasa do que é lugar de fala e de escuta é o cerne da disputa de narrativas. Uma vez que posicionamos as contribuições de quem está na linha de frente da crise climática – seja na atuação, sobrevivência ou enfrentamento direto -, comunicamos com força e legitimidade os desafios atuais. Um dos pontos mais marcantes da formação foi, a partir de um exercício reflexivo, ouvir de algumas lideranças quais títulos de manchetes elas gostariam de ler sobre suas realidades e quais as fariam se sentirem verdadeiramente representadas. Eis alguns exemplos:

1- Área de risco tem cor?

2- Cadê as 72 etnias nas terras das maravilhas? O racismo ambiental comeu

3- Quilombolas denunciam: “até quando só seremos pauta de desastre? ”

4- Qual ambiente sobra para os povos tradicionais e para os povos periféricos?

5- Quilombolas querem voz! Já nos calaram por muito tempo.

6- Economia verde. Como medir em líquidos de emissão?

Por mais comunicadores e comunicadoras negras, quilombolas, indígenas, favelados, periféricos, portadores de deficiência, LGBTQI+ e pertencentes a tantas outras interseccionalidades para exercerem seus poderes de comunicar ações e desafiar as soluções climáticas do tempo presente. Por mais vozes plurais para pautar o jornalismo e a mídia tradicional. Que os nossos corpos ocupem posições de especialistas em questões que são tão inegociáveis para nós, e não de vítimas afetadas por desastres e tragédias ambientais. Talvez em 2022 ainda não possível, mas sejamos otimistas: #forabolsonaro em 2023 para, enfim, escrevermos um novo capítulo na política climática no Brasil.

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