Nem parecia o chefe do governo que permitiu o recorde de queimadas e desmatamento no Brasil; nem parecia o Jair Bolsonaro que reduziu o orçamento do Ministério do Meio Ambiente ao menor neste século 21 e está desmantelando os órgãos ambientais como Ibama e ICMBio. O presidente brasileiro apareceu na Cúpula de Líderes sobre o Clima com um discurso moderado e assumindo alguns novos compromissos. “Determinei que nossa neutralidade climática seja alcançada até 2050, antecipando em 10 anos a sinalização anterior”, disse Bolsonaro num dos mais longos discursos entre os 27 líderes que participaram da abertura do encontro convocado pelo americano Joe Biden.
Depois de seguidos cortes orçamentários na área ambiental, o presidente do Brasil anunciou que o governo vai andar em nova direção. “Apesar das limitações orçamentárias do Governo, determinei o fortalecimento dos órgãos ambientais, duplicando os recursos destinados a ações de fiscalização”, afirmou, na contramão das atitudes de seu governo até agora. Criou, entretanto, um índice a ser cobrado.
Bolsonaro repetiu alguns compromissos citados na carta ao presidente Joe Biden dias atrás como o fim do desmatamento e a redução das emissões. “Destaco aqui o compromisso de eliminar o desmatamento ilegal até 2030, com a plena e pronta aplicação do nosso Código Florestal. Com isso reduziremos em quase 50% nossas emissões até essa data”, acentuou.
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Veja o que já enviamosEle também repetiu as metas já assumidas pelo país, de cortar emissões em 37% até 2025 e em 43% até 2030 – o que deve ter frustrado os americanos que esperavam novas metas na novas NDCs Contribuição Nacionalmente Determinada, na sigla em inglês, meta de descarbonização assumida no âmbito do Acordo de Paris).
Os compromissos foram antecedidos por uma exaltação à preservação da natureza pelo Brasil, com Bolsonaro aproveitando resultados de governos anteriores. “Como detentor da maior biodiversidade do planeta e potência agroambiental, o Brasil está na linha de frente do enfrentamento ao aquecimento global”, afirmou, acrescentando que o país responde por menos de 3% das emissões globais anuais – órgãos internacionais apontam 5%.
Como costuma fazer ao ser cobrado pelos problemas ambientais, o presidente fez questão de lembrar que o Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas e falou em “renovados investimentos em energia solar, eólica, hidráulica e biomassa”, apesar de seu governo não ter feito qualquer ação para estimular essas matrizes.
Necessidade de recursos
De gravata verde, Bolsonaro evitou o tom de chantagem – usado pelo ministro Ricardo Salles – para reiterar a necessidade de recursos internacionais para os desafios ambientais brasileiros, principalmente na Amazônia. “Diante da magnitude dos obstáculos, inclusive financeiros, é fundamental podermos contar com a contribuição de países, empresas, entidades e pessoas dispostos a atuar de maneira imediata, real e construtiva na solução desses problemas”, disse.
O presidente defendeu “os mercados de carbono são cruciais como fonte de recursos e investimentos para impulsionar a ação climática, tanto na área florestal quanto em outros relevantes setores da economia, como indústria, geração de energia e manejo de resíduos”. Mas pediu educadamente recursos ao Brasil pela preservação ambiental. “E também é preciso haver justa remuneração pelos serviços ambientais prestados por nossos biomas ao planeta, como forma de reconhecer o caráter econômico das atividades de conservação”, argumentou.
Do rotineiro Bolsonaro, apareceu a antiga dicotomia entre crescimento econômico e preservação da floresta, classificado como “paradoxo amazônico” no discurso. “Devemos enfrentar o desafio de melhorar a vida dos mais de 23 milhões de brasileiros que vivem na Amazônia, região mais rica do país em recursos naturais, mas que apresenta os piores índices de desenvolvimento humano”, disse o presidente que, em dois anos de governo, só tem estimulado, na Amazônia, madeireiros, garimpeiros e grileiros, sem qualquer ação efetiva para melhor a qualidade de vida na região ou “tornar realidade a bioeconomia, valorizando efetivamente a floresta e a biodiversidade”, como discursou.
Ambientalistas destacam contradições
Como o discurso contrasta com a realidade, os compromissos de Bolsonaro na ONU foram recebidos com ceticismo. “As promessas colidem com a prática. Mostram-se dados passados, anteriores ao governo Bolsonaro, como um cenário de um país que se preocupa com a questão ambiental. O governo atual desconstruiu o que se fazia nesse sentido e demanda dinheiro para corrigir o que eles mesmo pioraram. Mais importante do que financiamento internacional, é a reversão do quadro de desmonte completo da política ambiental”, afirmou, em nota, Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima.
O secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, destacou que apesar da promessa de duplicar o orçamento para fiscalização ambiental, o governo federal cortou verbas do Ibama e ICMBio para 2021. “Ele mesmo [Bolsonaro] colocou a fiscalização ambiental no orçamento para 2021 como o menor dos últimos 20 anos, então simplesmente não tem a menor noção da realidade”, apontou Astrini.
Coordenador do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o professor e pesquisador Raoni Rajão também questionou o compromisso de duplicação de serviços florestais em entrevista ao G1. “É importante Bolsonaro ter indicado mais recurso para ações de fiscalização. Mas hoje o Fundo Amazônia ainda tem dezenas de milhões de recursos que estão prontos para uso, inclusive para a Força Nacional. O mais urgente é contratação de fiscais e substituir Salles por um ministro efetivamente comprometido com a agenda ambiental”, disse Rajão.
O físico Ricardo Galvão, ex-presidente do Inpe, comentou que Bolsonaro fez um discurso para agradar seus ouvintes. “O governo tomou várias medidas para frear o controle do desmatamento da Amazônia e das queimadas. Ele realmente assumiu um compromisso claro. Mas não sei se vai cumprir. A perspectiva para esse ano é que o desmatamento vai crescer fortemente”, disse Galvão, demitido do Inpe após rebater críticas de Bolsonaro ao instituto, em entrevista à Globonews.