Rodrigo Tremembé é um jovem estilista do povo Tremembé, mais especificamente, da Aldeia Córrego João Pereira, em Itarema, no Ceará. Sua escolha pela moda se deu quando em 2021, ainda durante a pandemia, teve a identidade indígena questionada por conta da sua pele clara. Esse episódio o levou a compreender que as suas criações poderiam resultar num movimento de resiliência, se usasse a moda como ferramenta, o que lhe pareceu também a oportunidade de fortalecer a sua cultura.
“A moda para mim, acima de qualquer coisa, é um espaço político onde o vestir me possibilita questionar padrões estéticos e sobre o quanto nossas roupas também podem ser arcos e flechas, que se mirando corretamente, encontram os alvos de forma assertiva”, explica o estilista.
Na sua cultura, os grafismos têm grande representação e as pinturas corporais são maneiras de vestir o corpo historicamente. “Nossas primeiras vestimentas já mantinham relações com a natureza em nossa volta. Adornos de penas, ossos de peixes e sementes fizeram e fazem parte da nossa estética ancestral. Com a colonização, as vestimentas em tecidos vieram para nos distanciar da forma que nossos ancestrais viviam. Nossos adornos tradicionais continuaram a fazer parte dos nossos corpos, mas agora, junto das vestimentas provenientes dos colonizadores”, afirma Tremembé.
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Veja o que já enviamosO estilista se reconhece como um dos precursores do seu povo a transpor a arte dos grafismos e pinturas originárias para os tecidos, e fazer disso, um movimento político e cultural. As pinturas para o povo Tremembé têm simbolismos próprios, sendo consideradas como uma escrita de forte relação com a sua espiritualidade, sobretudo, por retratar elementos da natureza.
“Quando estamos pintados, o encantado presente no grafismo manifesta sua simbologia no nosso plano espiritual. Pensando por essa perspectiva, decidi trazer as pinturas para os tecidos com o intuito de levar a pajelança também para a moda. Nossas roupas podem curar, proteger e regenerar”, contextualiza o jovem.
Além do aspecto espiritual, ele acredita que ao levar as pinturas para os tecidos, está também demarcando espaços ainda pouco ocupados por povos indígenas. Esse é um papel fundamental porque dentro da lógica convencional, ele se sente pouco representado, ou quando o é, percebe a carga de estereótipos. Dessa forma, defende a ideia de que fazer moda, sendo indígena, é ser protagonista das suas próprias histórias.
“A moda convencional reforça padrões estéticos baseados no consumismo, onde as pessoas não têm identidade e se transformam em coisas e fotocópias. Desde pequeno eu folheava as revistas e não via corpos indígenas. Sempre senti que a sociedade nos impõe um espaço de apagamento e silenciamento. Até quando havia um ‘indígena’ nesses espaços, era uma pessoa branca ‘homenageando’ os povos originários. E isso tem nome: apropriação cultural”.
O estilista enfatiza que essa é uma prática que foi muito reforçada pela colonização, mas defende que os povos originários podem e querem mostrar seu potencial criativo, para que, dessa forma, seus conhecimentos ancestrais não sejam mais representados pelos outros. “Desse modo e com a ideia de romper preconceitos, racismo e estereótipos, vi na moda a chance de mudar o sistema, usando-a para questionar a ausência de indígenas em todos os espaços da indústria criativa”, observa.
Com o mesmo cuidado da nova geração de estilistas indígenas que vem ganhando visibilidade na indústria da moda no Brasil, Tremembé se preocupa com a relação entre as suas criações e a proteção ambiental. Seu intuito é garantir um futuro digno para as próximas gerações.
“Venho trabalhando com o slow fashion e com a proposta de moda verde, mantendo conexão com as boas práticas de consumo e de preservação da natureza. Chamo de resiliência na moda, a capacidade de enxergar nos processos criativos formas mais ecoeficientes e gerando o mínimo de impacto possível. Por isso, trabalho em pequena escala, priorizando a escolha de matérias-primas a partir da sua procedência, utilidade, durabilidade e qualidade”, conclui.
Tremembé tem produzido mais kimonos e ponchos recentemente, já que essas peças lhe permitem criar várias artes, ampliando dessa forma, a sua capacidade de mostrar as pinturas do seu povo. Entre as matérias-primas usadas, opta sempre pelas naturais, como sementes, o linho de birreiro, que é produzido a partir de uma palmeira da sua região e os bilros. Na cartela de cores, usa as que estão disponíveis na sua cidade. E nos seus croquis, busca representar a diversidade de corpos e estéticas indígenas.
Suas conquistas nesse universo da moda têm levado o estilista a refletir também sobre o que tudo isso representa em termos de espiritualidade, considerando seus avanços como coletivos. Sua voz tem sido ampliada à medida que o seu trabalho chega por meio de reportagens, exposições e produções audiovisuais. Essa é uma forma de reverenciar a sua ancestralidade.
“Sendo assim, a espiritualidade também ganha quando levo a voz de meus antepassados, pois, a ancestralidade é a água que molha minhas raízes. É dela que vem a minha inspiração para criar”.
O protagonismo de outros criativos indígenas na moda também colabora para o fortalecimento do jovem estilista. “Estar ao lado de outros indígenas nesses espaços de moda é ter a certeza de que estou no caminho certo. Um galho só quebra fácil, mas um feixe dificilmente quebra. Nós somos como um formigueiro, onde todos trabalham pelo bem comum”, conclui Tremembé.