A estudante Simone Didrichsen Knudsen resolveu visitar, na última semana, um novo estabelecimento cuja inauguração movimentou o bairro de Amager, onde mora, na região central de Copenhagen. O supermercado Wefood vem despertando o interesse do público por ser o primeiro no país, e um dos poucos no mundo, a vender exclusivamente alimentos com prazo de validade vencido, como forma de combater o desperdício.
— Ele é muito bem decorado e cheio de plantas — comenta Simone, que, quando foi ao local, no entanto, encontrou-o com poucos produtos. — Soube que eles venderam muito na primeira semana.
Com 250 metros quadrados, o mercado vem recebendo uma média de 500 visitantes por dia, e em alguns momentos até mesmo filas se formam na entrada. Seus idealizadores explicam que, por conta do sucesso, estão buscando novos fornecedores e tentando otimizar a logística. O Wefood recebe doações de supermercados e pequenas lojas, cujos produtos são recolhidos por voluntários diariamente.
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Veja o que já enviamosAssim como outros países da União Europeia, a Dinamarca reformulou há cerca de um ano seu sistema de rotulagem de alimentos com o objetivo de reduzir o desperdício. Antes de 2015, não era permitido vender qualquer produto fora do prazo. Agora, há duas etiquetas: “Consuma até” é usada em alimentos perecíveis como carne e peixe, cujo desrespeito ao prazo de validade põe em risco a saúde; e o “Melhor antes de”, destinado a produtos como pães, grãos e massa. Essa data é apenas uma indicação, e os produtos geralmente ainda podem ser consumidos após o prazo.
— Embora seja legal vender produtos que passaram desta data, a maioria dos supermercados ainda prefere não fazer essa venda. Então estes alimentos são destinados ao Wefood – explica Jutta Weinkouff, da organização DanChurchAid, uma das responsáveis pelo projeto. — Mas não vendemos peixe e carne fora do prazo, por exemplo.
Nas prateleiras, há frutas e vegetais que não estão 100% frescos, mas aceitáveis ao consumo, além de laticínios e carnes próximos ao prazo, e pães, grãos e alimentos que já passaram da validade recomendada. Há ainda produtos industrializados, como bebidas e barras de cereais.
Outros mercados no mundo, por exemplo na Áustria e nos Estados Unidos, vendem alimentos fora do prazo. Têm geralmente um cunho social e são destinados a populações mais pobres. A diferença desse, segundo Jutta Weinkouff, é abri-lo numa região central e a qualquer consumidor. Continua tendo por trás uma campanha social, mas reforçando que consumir alimentos fora do prazo pode ser uma boa ideia também para quem tem recursos. Mesmo assim, eles são mais baratos lá.
— Os produtos estavam pela metade do preço – comenta Simone, que também elogiou uma regra: cada consumidor pode comprar até cinco itens de cada fruta ou vegetal. — Isto é bem interessante, porque bloqueia a cultura do consumo desenfreado.
Duas organizações, a Fundação Raskilde e a DanChurchAid, desembolsaram 500 mil coroas dinamarquesas (R$ 280 mil) cada uma para dar início ao projeto. Além disso, uma campanha de crowdfunding levantou mais 1 milhão de coroas (R$ 550 mil) em apenas três semanas. A DanChurchAid continua sendo a responsável pelo investimento financeiro e pela direção do estabelecimento, mas a expectativa é que, em breve, ele dê algum lucro, o qual seria destinado aos projetos da organização junto a populações pobres de outros países.
Com 5,6 milhões de habitantes, a Dinamarca já esteve entre as nações com altos índices de desperdício, mas há alguns anos vem mudando esta cultura. Embora 700 mil toneladas de comida ainda sejam destinadas ao lixo todo ano no país, campanhas e projetos já conseguiram reduzir em 25% o desperdício nos últimos cinco anos, segundo dados do Conselho Dinamarquês de Alimento e Agricultura.
No mundo, 1,3 bilhão de toneladas de alimentos – um terço do total produzido, que seria suficiente para alimentar três bilhões de pessoas – é desperdiçada anualmente, segundo Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Enquanto isto, 800 milhões de pessoas no mundo ainda passam fome. No Brasil, 26,3 milhões de toneladas têm o lixo como destino, sendo que 10% desse desperdício têm como responsáveis os mercados e os consumidores finais.