Entre o ter o ter mais

Chineses, indianos e turcos são os que mais valorizam o consumo. Os brasileiros vêm logo atrás nesse ranking

Pesquisa mostra que brasileiros avaliam o sucesso pelo número de bens que possuem

Por Agostinho Vieira | ODS 12ODS 17 • Publicada em 15 de outubro de 2015 - 21:49 • Atualizada em 2 de novembro de 2015 - 15:10

Chineses, indianos e turcos são os que mais valorizam o consumo. Os brasileiros vêm logo atrás nesse ranking
Chineses, indianos e turcos são os que mais valorizam o consumo. Os brasileiros vêm logo atrás nesse ranking
Chineses, indianos e turcos são os que mais valorizam o consumo. Os brasileiros vêm logo atrás nesse ranking

Foram mais de 100 milhões de bilhetes vendidos. Como se um em cada dois brasileiros resolvesse apostar na sorte grande. O prêmio da Mega-Sena da Virada superou a marca dos R$ 220 milhões. O que fazer com tanto dinheiro? Há quem diga que vai ajudar os amigos ou doar para instituições de caridade. Mas, de um modo geral, as respostas não variam muito: comprar casas bacanas, carros de luxo, barcos, viagens.

Até aí, nada demais, esse tipo de loteria faz sucesso no mundo todo e as expectativas são parecidas. Sonhar não custa nada. O problema é quando a necessidade de ter, ter mais ou ter muito vira objetivo de vida. Uma pesquisa divulgada há alguns dias pelo Instituto IPSOS mostrou que os brasileiros estão entre os povos mais materialistas do planeta. Quase 50% disseram concordar com a afirmação “Eu meço o meu sucesso pelas coisas que possuo”. A média mundial é de 34%.

Curiosamente, quem mais valoriza os bens materiais são os chineses, apesar de viverem numa nação supostamente comunista. Nada menos que 71% responderam sim para a mesma questão. Eles são seguidos pelos indianos, com 58%, pelos turcos, com 57% e pelos brasileiros, com 48%. Em contrapartida, apenas 21% dos americanos disseram que medem o sucesso pelos bens que possuem. O levantamento ouviu mais de 16 mil pessoas espalhadas por 20 países.

Os chineses também são os que afirmam sentir-se mais pressionados para atingirem o sucesso profissional e ganhar dinheiro. O índice de respostas sim para esta pergunta chegou a 68%, contra 66% dos russos e sul-africanos e 60% dos indianos. Já o percentual de brasileiros que dizem sofrer muita pressão para ganhar dinheiro ficou em 44%. Abaixo da média mundial. De acordo com a consultoria Brain&Co, os chineses já são os maiores compradores de itens de luxo no mundo. Eles respondem por quase um terço do consumo mundial destes produtos. Há cinco anos era 10%.

Uma conclusão relativamente óbvia deste estudo é a relação entre o nível de crescimento de um país e a necessidade do seu povo de ganhar dinheiro, comprar bens materiais e obter reconhecimento profissional. Por isso, as nações mais materialistas do planeta seriam aquelas em processo de desenvolvimento.  Na outra ponta do ranking aparece a desenvolvida Suécia. Apenas 7% dos moradores do país dizem medir o seu sucesso pelos bens que possuem.

Os suecos seriam menos materialistas por que já são ricos ou por que encontraram outra forma de felicidade? Talvez as duas coisas. O Instituto Gallup-Healthways fez certa vez um estudo de observação diária com mil americanos e concluiu que o nível de renda familiar a partir do qual o bem-estar deixa de ter relação com o aumento da renda é de aproximadamente US$ 75 mil por ano. Cerca de R$ 180 mil ou R$ 15 mil por mês. Dependendo do custo de vida, o valor é menor.

Claro que esse número é discutível. Alguns podem achá-lo alto demais. Outros, baixo. O fato é que a partir de um determinado valor que satisfaça as necessidades básicas da família, não existe uma relação clara de causa e efeito entre ganhar dinheiro, comprar coisas e ser feliz. Pesquisas sobre bem-estar feitas regularmente em mais de 150 países chegam quase sempre ao mesmo resultado: as pessoas são mais alegres, sentem-se melhor quando estão com os parentes e os amigos.  Mesmo que seja para discutir o que fariam se ganhassem a Mega-Sena da Virada.

E aí fica a pergunta: se o indivíduo, de um modo geral, se sente bem ou se sente melhor quando está com aquele que ama, por que não criar mais oportunidades para essa socialização? Na sociedade do eu, do aqui e do agora, fazemos exatamente o oposto disso. Passamos horas em engarrafamentos. Presos dentro de carros que levam apenas uma pessoa. Nossos prédios não favorecem o convívio. As praças, ou não existem ou estão abandonadas demais para que alguém queira estar ali.

Ao mesmo tempo, é possível que nunca na história da humanidade tenha havido tanta socialização como hoje. O problema é que ela se dá através das redes sociais, na velocidade dos dedos que operam os descartáveis smartphones. Quem quiser pode ter um milhão de amigos. Não precisa nem sair de casa.

De todos os desafios que o homem enfrentará nos próximos anos, nenhum se compara com o descontrole nos níveis de consumo. Ele é potencializado pelo tamanho da população e pressiona, irresponsavelmente, os limites físicos do planeta. Se você ainda não concluiu a sua lista de resoluções para 2014, fica a sugestão: passe mais tempo com os seus amigos reais e menos tempo carregando sacolas.

*Artigo publico, originalmente, no jornal O GLOBO, em janeiro de 2014

 

 

 

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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