O desperdício de alimentos no mundo vem contribuindo para o aumento das mudanças climáticas. Cálculos feitos pelos cientistas que assinaram o capítulo 5 do Relatório especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), que trata do tema segurança alimentar, concluíram que, no período de 2010 a 2016, do volume total de alimentos produzido mundialmente para consumo humano, entre 25% a 30% não chegaram à mesa do consumidor. Um terço da alimentação ou se perdeu ou foi desperdiçada. A comida que foi parar no lixo impactou entre 8% a 10% as emissões de gases de efeito estufa. Dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) indicam que a perda de alimentos chega a custar quase US$ 1 bilhão anuais.
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Veja o que já enviamosDe Genebra, na Suíça, onde passou as duas últimas semanas, envolvida com a aprovação e o texto final do relatório do IPCC, Joana Portugal Pereira, uma das autoras do relatório e professora do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ, falou, por telefone, sobre as diferentes formas de desperdício de comida no mundo. Ela faz parte ainda da unidade técnica do grupo de trabalho III (sobre desertificação), e é coautora do Sumário para Formuladores de Políticas e do Sumário Executivo.
[g1_quote author_name=”Joana Portugal Pereira” author_description=”Professora da Coppe” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Em países como o Brasil, que faz parte do bloco de países em desenvolvimento, a origem do problema está na cadeia produtiva. Do campo a mesa, os alimentos são desperdiçados porque foram acondicionados de forma incorreta ou porque se perderam na estrada
[/g1_quote]“As causas do desperdício variam muito dependendo do grau de desenvolvimento dos países”, explicou. Nos países desenvolvidos, como Estados Unidos e Europa, o fenômeno ocorre com mais frequência nos supermercados. Vegetais feios ou de tamanhos considerados pouco convidativos ao consumo vão parar na lata de lixo e não nas gôndolas. Em países como o Brasil, que faz parte do bloco de países em desenvolvimento, a origem do problema está na cadeia produtiva. Do campo a mesa, os alimentos são desperdiçados porque foram acondicionados de forma incorreta ou porque se perderam na estrada, devido a problemas de infraestrutura do país, como estradas esburacadas e mal sinalizadas, o que acaba provocando acidentes no trajeto provocando perda significativa da carga.
Antes da aprovação do texto final do último relatório do IPCC, o documento chegou a receber 28 mil contribuições do mundo todo. Cada um dos comentários foi avaliado e respondido. “Não fazemos recomendações, mas apresentamos evidências científicas, que ajudam os governantes a tomarem decisões políticas”, comentou Joana, acrescentando que, uma das sugestões apresentadas no relatório, foi a troca do uso intensivo de agrotóxicos por uma produção agroecológica. “Alguns agrotóxicos e pesticidas provocam um impacto no meio ambiente 298 vezes maior que o dióxido de carbono”. E complementou: “A adoção de práticas de manejo sustentáveis é uma solução essencial para proteção de ecossistemas e redução de emissões de gases de efeito estufa”.
[g1_quote author_name=”Joana Portugal” author_description=”professora da Coppe” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]O custo da inação é superior ao investimento que será necessário para promover a mitigação dos impactos da mudança climática
[/g1_quote]É a primeira que um relatório do IPCC trata da questão do uso do solo em meio as discussões sobre mudanças climáticas, além de debruçar-se, como sempre fez, sobre as emissões causadas pelos combustíveis fósseis. Atividades como agricultura, florestas e uso do solo responderam por 23% do total de emissões globais de gases de efeito estufa gerados entre 2007 e 2016.
Diz o relatório: “O nível de risco apresentado pelas alterações climáticas depende tanto do nível do aquecimento, como a população, o consumo, a produção, a tecnologia e os padrões de gestão da terra”. O relatório defende a diversificação de dietas alimentares, com base em maior consumo de vegetais, leguminosas e frutos, e redução de produtos processados e consumo moderado de carne. que tem um elevado potencial para reduzir nossos impactos nos ecossistemas. Mesmo não tocando na questão financeira, Joana ressalta que o “custo da inação é superior ao investimento que será necessário para promover a mitigação dos impactos da mudança climática”.
Ainda de acordo com o documento, uma ação coordenada para enfrentar as mudanças climáticas pode, simultaneamente, melhorar o solo, a segurança alimentar e a nutrição e ajudar a erradicar a fome. O relatório ressalta que as mudanças climáticas estão afetando todos os quatro pilares da segurança alimentar: disponibilidade (rendimento e produção), acesso (preços e capacidade de obter comida), utilização (nutrição e preparo dos alimentos) e estabilidade (rupturas na disponibilidade).