Crianças na era do ‘capitalismo de vigilância’

O aplicativo do Facebook Messenger para crianças. Foto Jaap Arriens/NurPhoto

Vontade dos pais de exibir filhos não leva em conta uso dos dados por plataformas digitais

Por The Conversation | ODS 12ODS 4 • Publicada em 24 de abril de 2019 - 13:42 • Atualizada em 24 de abril de 2019 - 18:44

O aplicativo do Facebook Messenger para crianças. Foto Jaap Arriens/NurPhoto
O aplicativo do Facebook Messenger para crianças. Foto Jaap Arriens/NurPhoto
O aplicativo do Facebook Messenger para crianças. Foto Jaap Arriens/NurPhoto

(Artigo de Priya C. Kumar*) – O jornal americano “The Washington Post” publicou um ensaio em que uma mulher explicava sua decisão de postar sobre sua filha nas redes sociais, apesar de a garota ter protestado. Ela disse que, embora se sentisse mal, “ainda não tinha acabado de explorar” sua maternidade. As reações não tardaram. Um analista criticou o fato de ela ter “transformado os dramas diários de sua família em conteúdo”. Outro argumentou que a mãe expôs uma questão incômoda para os pais na era do Instagram: “os posts nas redes sociais vão atormentar nossos filhos no futuro?”

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A Kodak processava milhões de fotos, mas não compartilhava essas informações com anunciantes em troca de acesso a seus clientes. Em outras palavras, a Kodak não transformava os dados em commodities

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Concordo com quem acusou a mãe de não dar bola às preocupações da filha. Publiquei pesquisas sobre a necessidade de os pais administrarem a privacidade online das crianças. Estudei isso durante seis anos. No entanto, acho que a crítica ampla aos pais e a seu comportamento nas mídias sociais é equivocada. Ela encobre um problema maior: a lógica econômica das plataformas que exploram os dados dos usuários para obter lucro.

As redes sociais são relativamente novas, mas o ato de registrar a vida cotidiana é antigo. Há muito tempo as pessoas “postam” minúcias cotidianas em diários e álbuns de recortes. Produtos como livros infantis convidam os pais a registrar informações sobre seus filhos. A especialista em comunicação Lee Humphreys vê o impulso dos pais para documentar e compartilhar informações sobre seus filhos como uma forma de “contabilidade”. Ao longo da vida, as pessoas ocupam muitos papéis – filho, cônjuge, pai, amigo, colega. Humphreys argumenta que uma maneira de desempenhar esses papéis é documentá-los. Voltar a esses registros pode ajudar as pessoas a moldar sua identidade, construir uma história de vida coerente e sentir-se conectado aos outros. Escrever online sobre a vida familiar pode ajudar os pais a se expressar de forma criativa e a se conectar a outros pais.

Visto dessa maneira, fica claro por que dizer aos pais para parar de postar sobre seus filhos é um desafio. A “contabilidade” é fundamental para a vida social das pessoas e acontece há muito tempo. Mas o fato de os pais atualmente fazerem isso em blogs e redes sociais levanta problemas únicos. Os debates sobre privacidade geralmente concentram-se nos seguidores dos pais ou em amigos que vejam o conteúdo. Eles tendem a ignorar o que as corporações fazem com esses dados. As mídias sociais não inventaram o fato de os pais gostarem de exibir os filhos, mas alteraram profundamente seus termos. As fotos do Instagram, por exemplo, ficam em servidores de propriedade do Facebook e são visíveis para qualquer pessoa que explore seu perfil.

Essas plataformas operam cada vez mais de acordo com uma lógica econômica que a especialista Shoshana Zuboff chama de “capitalismo de vigilância”. Elas produzem bens e serviços projetados para extrair enormes quantidades de dados de indivíduos, coletar dados para padrões e usá-los para influenciar o comportamento das pessoas.

Não tem que ser assim. Em seu livro sobre redes sociais, Lee Humphreys mencionou que, em seus primórdios, a Kodak revelava exclusivamente o filme de seus clientes.

“A Kodak processava milhões de fotos, mas não compartilhava essas informações com anunciantes em troca de acesso a seus clientes. Em outras palavras, a Kodak não transformava os dados em commodities”, escreveu.

*Priya C. Kumar, College of Information Studies, Universidade de Maryland, EUA.

(Tradução: Trajano de Moraes)

The Conversation

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