Cercado de polêmicas, mercado de alimentos plant based não para de crescer

Embalagens de sanduíches e nuggets de frango à base de planta em restaurante da rede KFC, em Changsha, na China: críticos dizem que alimentos plant-based são ultraprocessados e não necessariamente saudáveis (Foto: Zheng Tingting/Imaginechin/ AFP – 14/12/2020)

Produtos são vendidos como saudáveis e sustentáveis, mas críticos da indústria alegam que nem tudo o que é feito de planta faz bem à saúde e ao planeta

Por Flávia G. Pinho | ODS 12 • Publicada em 25 de fevereiro de 2021 - 13:14 • Atualizada em 4 de março de 2021 - 13:04

Embalagens de sanduíches e nuggets de frango à base de planta em restaurante da rede KFC, em Changsha, na China: críticos dizem que alimentos plant-based são ultraprocessados e não necessariamente saudáveis (Foto: Zheng Tingting/Imaginechin/ AFP – 14/12/2020)

Os alimentos plant based, produzidos à base apenas de vegetais, mas com sabor e textura que simulam carne de verdade, são a bola da vez. Segundo a plataforma Euromonitor, o faturamento global desse nicho de mercado cresceu 69,6% entre 2015 e 2020. Pesquisa realizada no ano passado pelo Ibope, sob coordenação do The Good Food Institute (GFI), entidade norte-americana que fomenta a pesquisa de alimentos alternativos à carne – e já tem um braço aqui no país –, constatou que metade dos 2000 brasileiros entrevistados reduziu o consumo de carne no último ano e 39% já lançam mão de alimentos substitutos à base de plantas pelo menos três vezes por semana.

Por enquanto, são produtos caros destinados a uma faixa restrita de público. Nas grandes redes varejistas, uma unidade de hambúrguer convencional custa cerca de R$ 1,60, enquanto um similar plant based sai por quase R$ 10. Desde que chegou às lanchonetes fast food, porém, as carnes plant based ganharam visibilidade e entraram no centro de uma polêmica longe de ter fim. Assim que o hambúrguer à base de plantas da Marfrig chegou à rede de fast food Burger King, com o costumeiro estardalhaço publicitário, defensores da alimentação saudável dispararam críticas. A chef Paola Carosella, que deixou há pouco o posto de jurada do MasterChef, postou no Twitter: “Não é hambúrguer, não tem gosto de carne, nem textura de carne, o que é óbvio, pois não é carne. Gorduroso, pastoso, desagradável. Uma b… ultraprocessada.”

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Chamamos de produto porque nem alimento é. Trata-se de uma comida artificial, de mentira, tanto faz se feita de carne ou de planta. Ambos são ultraprocessados e têm efeitos negativos para a saúde

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Rita Lobo, outra estrela da culinária brasileira, usou a mesma rede social para apoiar a colega: “O legal dessa onda de produtos plant-based é que, por serem novos, fazem com que consumidores atentos enxerguem a mecânica da indústria de ultraprocessados. Caldos, biscoitos, refris estão aí há tanto tempo que muitos não conseguem mais diferenciá-los de comida de verdade”. O termo “ultraprocessado” a que Rita e Paola se referem foi sacramentado pelo Guia Alimentar para a População Brasileira, elaborado pelo Ministério da Saúde em parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Universidade de São Paulo (USP). De acordo com a publicação, que contém diretrizes para uma alimentação saudável, produtos à base de ingredientes de uso industrial, cuja produção depende de tecnologias exclusivamente industriais, devem ser evitados.

O nutrólogo Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), compartilha dessa opinião. “Ainda não avaliamos estudos científicos sobre os produtos plant based e não temos um posicionamento oficial. Mas eu, pessoalmente, não vejo diferença entre o hambúrguer de plantas e o tradicional, do ponto de vista da saudabilidade”, afirma. Consultora da ACT Promoção da Saúde, ONG que atua na defesa de políticas públicas de saúde, a nutricionista Bruna Hassan é ainda mais categórica. “Chamamos de produto porque nem alimento é. Trata-se de uma comida artificial, de mentira, tanto faz se feita de carne ou de planta. Ambos são ultraprocessados e têm efeitos negativos para a saúde”.

O próprio termo plant based ainda gera muita confusão. Ele define produtos e dietas alimentares à base de plantas, mas não é o mesmo que veganismo. De acordo Katherine McManus, diretora do Departamento de Nutrição de um dos hospitais universitários da Escola de Medicina de Harvard, nos Estados Unidos, a dieta plant based não exclui inteiramente a ingestão de carnes e laticínios – tanto que, diz McManus, a dieta mediterrânea pode ser classificada como plant based.

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O marketing da indústria alimentícia induz o público facilmente ao erro. Por isso, o Idec sempre convida o consumidor a ler as informações da embalagem. A presença de ingredientes desconhecidos é um forte indício de que se trata de ultraprocessado

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Quando se digita o termo (em inglês mesmo, como foi adotado pelos brasileiros) no Google, é impressionante a enxurrada de definições conflitantes. A turma moderada, que se aproxima do conceito defendido por Harvard, acha que tudo bem um adepto do plant based comer carne de vez em quando – essa tribo, que simplesmente privilegia os vegetais e só reduz o consumo de produtos de origem animal, vem sendo classificada como flexitariana. Na outra ponta, há quem explique o plant based como uma filosofia de vida mais radical, que prega o consumo exclusivo de vegetais, de preferência em sua forma integral, com o objetivo de manter a saúde, preservar o meio ambiente e garantir o bem-estar dos animais. Para esse time, proteínas de origem animal e alimentos industrializados não têm vez.

Anúncio na Califórnia de tradicional sanduíche da rede Burger King, sem carne e plant based: indústria de alimentos aposta no marketing de produtos vendidos como saudáveis e sustentáveis (Foto: Yichuan Cao/NurPhoto/AFP - 20/11/2019)
Anúncio na Califórnia de tradicional sanduíche da rede Burger King, sem carne e plant based: indústria de alimentos aposta no marketing de produtos vendidos como saudáveis e sustentáveis (Foto: Yichuan Cao/NurPhoto/AFP – 20/11/2019)

Aposta da indústria

A despeito das discussões acaloradas, a indústria não perde tempo. As primeiras a apostar na novidade foram as foodtechs, como são chamadas as startups do setor de alimentação. Por aqui, a primeira a colocar hambúrgueres plant based nas redes de varejo, em 2019, foi a Fazenda Futuro – e o brasileiro comprou a ideia com entusiasmo. Em menos de dois anos, a empresa recebeu aportes no valor total de R$ 145 milhões e fincou o pé na Europa e nos Estados Unidos. O portfólio já inclui carne moída, almôndegas, linguiça e frango “com a mesma textura, suculência e gosto de carne”. Na carona surgiram outras marcas, até que, vejam só, os grandes frigoríficos – leia-se Marfrig, BRF (com a marca Sadia Veg & Tal) e JBS (com a marca Incrível Seara) – decidiram que não ficariam de fora e correram para lançar seus produtos de proteína alternativa.

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Por ser uma categoria nova de alimentos, há muita desinformação. Alegam excesso de aditivos químicos, mas os produtos da Fazenda Futuro só levam ingredientes naturais e não-transgênicos. Não se deve colocar nosso produto no mesmo bolo de todos os plant based

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Em seu consultório paulistano, a nutricionista francesa Sophie Deram, especializada em transtornos alimentares, diz que os pacientes andam bem confusos a respeito da novidade. “Eles compram os produtos plant based achando que vão comer algo saudável, mas basta mostrar a lista de ingredientes para que percebam se tratar simplesmente de um produto ultraprocessado. Vejo muita gente eliminando a proteína animal da dieta por modismo, mas nenhuma dieta restritiva é saudável”, dispara.

Analisar o rótulo antes de comprar é também a recomendação de Rafael Rioja, analista de regulação do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Segundo ele, a chancela plant based não é suficiente para que um alimento seja saudável. “O marketing da indústria alimentícia induz o público facilmente ao erro. Por isso, o Idec sempre convida o consumidor a ler as informações da embalagem. A presença de ingredientes desconhecidos é um forte indício de que se trata de ultraprocessado”, explica. Integrante do núcleo gestor da Associação Slow Food do Brasil, Glenn Makuta também rebate os argumentos da indústria plant based relativos à sustentabilidade. O impacto ambiental, ele defende, é tão grande quanto o provocado pela indústria da carne. “Esses fabricantes trocam a pecuária intensiva pela monocultura intensiva, dependente de volumes massivos de defensivos agrícolas, que destrói a biodiversidade da mesma forma”.

Para Marcos Leta, fundador da Fazenda Futuro, boa parte das críticas dirigidas aos produtos plant based é fruto de desconhecimento. Embora admita que a entrada dos grandes frigoríficos no segmento não contribui para a boa imagem do setor. “Não adianta ter uma linha de produtos vegetais e continuar matando boi”, argumenta. Ele afirma que tem investido no aprimoramento das fórmulas. Recém-lançada, a terceira geração de hambúrgueres tem 178 miligramas de sódio por porção, enquanto o produto lançado em 2019 chegava a 476 miligramas. “Por ser uma categoria nova de alimentos, há muita desinformação. Alegam excesso de aditivos químicos, mas os produtos da Fazenda Futuro só levam ingredientes naturais e não-transgênicos. Não se deve colocar nosso produto no mesmo bolo de todos os plant based”, avisa.

Produtos plant based da brasileira Fazenda Futuro em supermercado na Holanda: empresa com crescimento acelerado e exportação para EUA e Europa (Foto: Divulgaçã/Fazenda Futuro)

Diretora do Departamento de Saúde e Nutrição da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), a nutricionista Alessandra Luglio se diz uma grande entusiasta dos produtos plant based. Vegana há cinco anos, ela argumenta que sentir o gostinho da carne ajuda na hora de abrir mão da proteína animal. “As carnes à base de plantas simplificam a transição para as dietas vegetariana ou vegana. Todo mundo tem um apego cultural aos sanduíches, ao churrasco e à lasanha, que não desaparece de repente”, acredita. Não deixa de ser um bom argumento – mas é preciso deixar claro que Luglio trabalha como consultora no desenvolvimento de produtos da Fazenda Futuro e, naturalmente, defende o que faz. “Acho utópico pregar que só devemos comer comida natural. O mundo inteiro come ultraprocessados; o melhor que temos a fazer é aprimorá-los.”

Para Gustavo Guadagnini, diretor do The Good Food Institute no Brasil, é preciso dar tempo ao tempo. “Há dois anos, esse mercado sequer existia. Já temos muitas linhas de pesquisa em curso e a indústria está conseguindo melhorar muito as formulações”, pondera. Com base na pesquisa realizada pelo instituto, ele confia que o mercado brasileiro vai crescer, seguindo a tendência mundial. Aposta, inclusive, que logo surgirão produtos plant based com gosto de Brasil. “Nossa indústria virou um player global, já exportamos para Estados Unidos, Europa, Oriente Médio e Ásia e logo teremos produtos autorais, adaptados ao mercado local, com ingredientes amazônicos, óleos e castanhas brasileiros”, adianta. Como Alessandra Luglio, Guadagnini não dá muita bola para os detratores dos ultraprocessados. “Se você já estava comendo um hambúrguer feito com restos de carne, já será um ganho trocá-lo por um hambúrguer de plantas. E, cá entre nós, convencer as pessoas a trocarem a carne pelo hambúrguer de grão-de-bico não funcionou, né?”

Flávia G. Pinho

Carioca radicada em São Paulo desde 1999, Flávia G Pinho pode ter virado paulistana, mas cuida para não perder o sotaque. Depois de passar por grandes (e saudosas) redações, passou a atuar como freelancer em 2016. Comida é sua paixão e assunto predileto, mas ela não perde a chance de contar uma boa história, seja de que assunto for.

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