Festas de dia das mães e dos pais, protocolares no calendário escolar, não são mais celebradas em colégios de Brumadinho (MG). Viraram sinônimo de dor – praticamente todas as instituições de ensino têm crianças que perderam um ou dois (ou tios, avós, padrinhos, madrinhas) no rompimento da barragem de Córrego do Feijão. Quase cinco anos após a tragédia que vitimou 272 pessoas (ainda há três desaparecidos), a morte está tatuada na alma da população – e assim será para sempre.
Leu essa? O terrorismo de barragem
Autora da barbaridade, a Vale (dona da mineração na cidade) segue com suas atividades, agora com vergonha. Tapumes emolduram as estradas próximas às montanhas de onde a companhia arranca o minério – e sua riqueza. A estratégia, aliás, se espalha por Minas Gerais. Os rombos na massacrada Mata Atlântica e os imensos buracos nas colinas profanam a paisagem na progressão geométrica de sempre, mas agora no armário.
A mineração prospera, enquanto a tristeza está sedimentada em Brumadinho. Os 38.915 habitantes aferidos no Censo 2022 convivem o tempo todo com os fantasmas da tragédia do rompimento da barragem que arrasou o distrito de Córrego do Feijão num apocalipse de lama e dejetos tóxicos produzido pela Vale.
Um pórtico na chegada à cidade – e bem no acesso ao local da catástrofe – piora o cenário, ao exibir fotos dos mortos e o número 272, numa construção que muita gente considera de mau gosto, além de usar a imagem das vítimas. Entre os moradores, a tragédia evoca uma mistura de sentimentos. Há os que se constrangem diante de qualquer pergunta; lembram habitantes de Medellín, quando ouviam referências a Pablo Escobar. Outros desfilam revolta diante da ausência de punições e lentidão no pagamento de indenizações.
Faixas no portal sublinham, além dos desaparecidos, a impunidade dos responsáveis pelo rompimento – a tragédia subsequente, na qual a mineradora (a quarta maior do mundo, com valor de US$ 62 bilhões e operação em mais de 30 países) usa todos os instrumentos, artimanhas e atalhos para não ressarcir famílias pela dor irreparável.
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Veja o que já enviamosA renda emergencial prometida pela corporação também não chega a pelo menos 30 mil pessoas atropeladas pelos 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos, que devastaram rios, florestas, arrasaram casas, empreendimentos e comunidades inteiras. Ao todo, 26 municípios e 297 hectares (quase 300 campos de futebol) de Mata Atlântica foram atingidos. A água de rios e nascentes continua marrom, fedorenta, ainda contaminada pelo minério de ferro.
A esmagadora maioria dos mortos era de funcionários da própria Vale, o que faz da catástrofe o maior acidente de trabalho da história do Brasil – disparado. Mas poucas indenizações foram pagas, acentuando a indignação. Um memorial às vítimas está em fase final de construção, e ainda envolto nos mesmos tapumes que escondem a mineração. Brumadinho (cidade das mais antigas de Minas, anterior à Ouro Preto, por exemplo) receberá ainda dois pórticos, projetados pelo escritório de Oscar Niemeyer, na entrada pela Rodovia Fernão Dias e no Parque do Rola Moça. As obras seguem em ritmo lento.
Uma mobilização tenta alterar a legislação que rege as mineradoras, buscando valorizar a vida no lugar do lucro. As chances de sucesso são, claro, invisíveis, por certeza desesperadora: Brumadinho, como todas as outras cidades do estado, depende da mineração para sobreviver. É perturbador conversar com empreendedores locais, e constatar a resignação de quem precisa de algo tão odioso. O estupro à terra para a extração de riquezas está no alicerce econômico de Minas Gerais. Realidade que nenhum tapume consegue esconder.
Jamais por acaso, outdoors pelas ruas e estradas de Brumadinho informam que os postos de saúde municipais oferecem psicólogo de graça à população. “Saúde mental é para todo mundo”, convocam os reclames. Serviço essencial, diante de tantos paradoxos, tristezas, mortes.