O presidente Jair Bolsonaro e seus aliados nos setores mais atrasados do agronegócio costumam afirmar que falta terra para agricultura no Brasil, citando um suposto excesso de áreas de preservação. Levantamento do MapBiomas mostra que, ao contrário, a agricultura nacional ocupa cada vez mais terras e, neste crescimento, avança até sobre a vegetação nativa, principalmente no Cerrado. De acordo com o estudo, a área de lavouras anuais praticamente triplicou entre 1985 e 2020.
A área total de agricultura no Brasil mapeada pelo trabalho passou de 19 milhões de hectares em 1985 para 55 milhões de hectares em 2020. Desse total, 36 milhões são de lavoura de soja, que, sozinha, ocupa 4,3% do território nacional – área equivalente a todo a República do Congo e superior a países como Itália, Vietnã ou Malásia. Metade desse total está no Cerrado, onde a soja avançou sobre 16,8 milhões de hectares nos últimos 36 anos.
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O crescimento da área ocupada pelas lavouras pode ser observado em todos os biomas brasileiros, mas foi registrado de forma mais acentuada no Cerrado: o dado mais recente mostra que quase metade (43%) da agricultura do Brasil está no Cerrado. Entre 1985 e 2020, a área de agricultura no Cerrado cresceu 464%. O MapBiomas alerta que o Cerrado, bioma de maior crescimento da agricultura e com a maior área dedicada à atividade, é também um dos mais frágeis às alterações do regime pluviométrico causadas pelo desmatamento da Amazônia. É também uma das regiões de maior risco climático. O último relatório do IPCC prevê uma redução de 20% nas precipitações no Brasil Central e um aumento da temperatura de 4 ºC a 5ºC – cenário que irá comprometer as atuais atividades agrícolas na região.
Dentro do Cerrado, a dinâmica de ocupação da terra varia entre os estados com áreas consolidadas há mais tempo e o Matopiba, de ocupação mais recente, na divisa entre os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. O avanço das lavouras sobre vegetação nativa no Matopiba é mais intenso: entre 2000 e 2020, considerando intervalos de 5 anos, 76% da expansão da agricultura na região se deu sobre vegetação nativa; nos demais estados do bioma, esse percentual é inferior a 10% considerando o mesmo período. “De forma geral, o que se percebe em todos os biomas é que não há necessidade de converter vegetação natural em áreas lavráveis porque já há muita terra aberta com aptidão agrícola e o Cerrado não é exceção”, afirmou Moisés Salgado, coordenador técnico do MapBiomas e coordenador de tecnologia na Agrosatélite, instituição especializada em sensoriamento remoto agrícola.
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Veja o que já enviamosO pesquisador destaca a situação preocupante do Cerrado com o avanço das lavouras. “Com exceção da Amazônia e Mata Atlântica, os demais biomas possuem poucas unidades de conservação demarcadas, o que dificulta o trabalho de recuperação das paisagens. Isso reforça a necessidade de conservação das áreas de vegetação nativas restantes, especialmente do Cerrado, que já perdeu metade de sua cobertura original”, destacou Salgado.
A engenheira florestal Kênia Santos, também da Agrosatélite, mostrou, no lançamento do estudo ‘Brasil Revelado 1985-2020: As transformações na Agricultura, Silvicultura e Irrigação’, que o crescimento das áreas agrícolas sobre a vegetação nativa no Cerrado teve um avanço expressivo no começo do século e, na última década, vem recuando. “A pressão sobre a vegetação nativa está em queda. A agricultura agora vem avançando mais em áreas de pastagens e outros áreas antropizadas (já com intervenção humana)”, explicou Kênia Santos.
Depois do Cerrado, a Mata Atlântica é o bioma com área agrícola mais significativa – 34% da área de agricultura do Brasil: Amazônia e Pampa representam 11% cada. O Pampa é o bioma com a maior parcela de seu território (31%) ocupado pelas áreas de lavouras mapeadas. Na Amazônia, o crescimento da soja ocorreu a partir do início dos anos 2000 e chegou 5,2 milhões de hectares em 2020 – 14% do total nacional. No bioma amazônico, o recente avanço sobre vegetação nativa pode ser observado no lavrado – área com características de cerrado que existe dentro do bioma no estado de Roraima. Outros 26% da área de soja do país ficam na Mata Atlântica, onde a soja se expandiu por 7,9 milhões de hectares entre 1985 e 2020.
De acordo com o estudo, a evolução da área irrigada mapeada mostra um crescimento de 293%, passando de 819 mil hectares em 1985 para 3.217 mil hectares em 2020. A área de irrigação por pivôs centrais (sistema usando linhas suspensas por torres com rodas que giram), que respondia por apenas 8,5% do total de área irrigada em 1985, foi responsável por 45,7% em 2020. Nesse período, a superfície de água do país teve uma retração de 3,1 milhões de hectares. O MapBiomas lembra que, desde o começo dos anos 1990, o Brasil perdeu 15% de sua superfície de água.
As bacias hidrográficas com maior índice de uso de água por pivô central são Paracatu (MG), Alto São Francisco (BA) e Alto Paranapanema (SP), as três com retração da superfície de água nas últimas três décadas. “Embora a irrigação seja a alternativa para o agricultor quando há deficiência hídrica, ela não é autorizada em casos de crises, como a que o país enfrenta agora”, explicou Salgado. “A tendência é de diminuição da água no Brasil. Por isso, o uso mais conservador da água na agricultura é fundamental para o sucesso futuro da atividade”, acrescentou.
O levantamento do MapBiomas mostra que, no caso da cana de açúcar, o crescimento da área mapeada foi de 291% entre 1985 e 2020, ano em que as lavouras ocupavam 9 milhões de hectares – o equivalente a um quarto da área de soja. As áreas de café foram mapeadas nos estados com maior área plantada, como Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo, Bahia, Paraná e Goiás. No total, o crescimento da área mapeada foi de 43% nas últimas três décadas, alcançando 804 mil de hectares em 2020. O levantamento de citrus foi feito no estado de São Paulo e mostra um total de 31 mil hectares em 2020. A silvicultura, que teve um crescimento de cinco vezes na área mapeada, passou de 1,5 milhões de hectares em 1985 para 7,5 milhões de hectares em 2020. Os estados com maior área mapeada de silvicultura são Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina.