#RioéRua: São Sebastião e a Batalha de Uruçumirim

Dia do Padroeiro do Rio lembra combate sangrento com o santo, o fundador da cidade e de milhares de índios

Por Oscar Valporto | ODS 11 • Publicada em 21 de janeiro de 2019 - 12:18 • Atualizada em 19 de setembro de 2024 - 15:15

A imagem de São Sebastião em sua igreja no Rio: não foi o santo que deu nome à cidade (foto Oscar Valporto)

Quando fundou a cidade no dia 1º de março de 1565 – data em que o aniversário do Rio e Janeiro é celebrado -, na praia de Fora, entre os morros Cara de Cão e Pão de Açúcar, o capitão Estácio de Sá, enviado à Baía de Guanabara para barrar a ocupação francesa, deu ao incipiente vilarejo o nome de São Sebastião do Rio de Janeiro – não era homenagem ao santo; foi para puxar o saco do então Rei de Portugal, Dom Sebastião I, este sim nascido em 20 de janeiro e batizado em homenagem ao mártir católico. A missão de Estácio, primo do governador-geral Mem de Sá, não era fácil: os franceses estavam estabelecidos na Baía de Guanabara desde 1555, quando chegou a primeira missão comandada por Nicolas Durand de Villegagnon, e contavam com o apoio dos tupinambás, principal nação indígena da região, e de outras tribos.  Durante dois anos, Estácio de Sá e sua Rio de Janeiro, pouco mais que um acampamento, sofreram com ataques de franceses e índios.

A Baía de Guanabara, entretanto, era estratégica para os portugueses. Mem de Sá articulou para ajudar seu primo na expulsão dos franceses e teve o apoio dos líderes jesuítas Manoel da Nóbrega e José de Anchieta que já haviam ajudado os portugueses a selar a paz com os índios – da Confederação dos Tamoios, que reunia revoltosos tupinambás, tupiniquins, aimorés, goitacazes – em São Paulo. Naquele momento, os índios ofereciam mais resistência do que os franceses, envolvidos em disputas religiosas, Em janeiro de 1567, os portugueses prepararam o golpe decisivo: uma verdadeira esquadra – três galeões, dois navios, seis caravelas e muitas embarcações menores – zarpou da Bahia, comandada pelo próprio Mem de Sá e com a presença do padre José de Anchieta; de São Paulo, chegou uma tropa com uma maioria de índios temiminós, inimigos dos tupinambás e aliados dos portugueses.

Na igreja de São Sebatião, vitral mostra a batalha que fez dos portugueses o donos da cidade (Foto Oscar Valporto)
Batalha das Canoas retratada no vitral da igreja de São Sebastião (Foto Oscar Valporto)

A esquadra de Mem de Sá chegou ao Rio no dia 18 de janeiro e o próprio governador geral escolheu o dia 20 de janeiro, dia de São Sebastião, para o ataque final contra o principal bastião de resistência de franceses e tupinambás na Guanabara: o assalto à fortificação de Uruçumirim, a maior aldeia tupinambá do Rio, que começava perto da praia e ia até o sopé do Outeiro da Glória, foi liderado pelo próprio Estácio de Sá. O cacique da aldeia, Aimberê, era considerado o maior líder da Confederação dos Tamoios; Uruçumirim era um entricheiramento: a área do morro era cercada por estacas, para conter invasões; no alto do outeiro, onde hoje está a igreja, índios com flechas e franceses com seus mosquetes atacavam os inimigos.

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Como estamos aqui falando e escrevendo em português, sabemos quem ganhou a sangrenta batalha de Uruçumirim onde, de acordo com a história narrada pelos católicos vencedores, o próprio São Sebastião apareceu lutando ao lado de portugueses e temiminós – como aparecera um ano antes na Batalha das Canoas, em plena Baía de Guanabara, ajudando a salvar um dos homens de Estácio de Sá do cerco dos tamoios. Foi a vitória no dia 20 de janeiro que garantiu, definitivamente, o domínio português sobre a Baía de Guanabara, com a expulsão dos franceses, que ainda tentaram, com apoio dos tupinambás resistir em Cabo Frio; foi, com esta conquista, que consolidou-se a cidade do Rio de Janeiro, com Mem de Sá, no mesmo ano, transferindo a sede do povoado do Cara de Cão para o central Morro de São Januário, futuro Morro de Castelo; e, sim, a partir daquele dia 20, tornou-se São Sebastião padroeiro da futura capital da colônia, do Império e da República.

Túmulo do Estácio de Sá, fundador da cidade do Rio de Janeiro que se encontra na igreja São Sebastião dos Capuchinhos, zona norte da cidade (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Mas batalhas assim nunca têm este final feliz que aparecem na simplificação de alguns livros de história. Estácio de Sá levou uma flechada tupinambá no olho, padeceu por um mês e morreu em 20 de fevereiro de 1567 – tinha 47 anos. O próprio São Sebastião, aqui no Rio de Janeiro, não teve vida fácil durante séculos.  O corpo de Estácio de Sá foi sepultado na primeira capela de São Sebastião, próxima a área da fundação, na Praia Vermelha. A orientação de Mem de Sá, ao transferir a sede da cidade para o futuro Morro do Castelo em 1567, era construir ali uma igreja digna do agora padroeiro, com também digno túmulo para os restos mortais do fundador.  Passaram-se 16 anos e três governadores até que a Igreja de São Sebastião ficasse pronta – só foi concluída depois do Colégio dos Jesuítas, da Casa do Governador, da Casa da Câmara. Os restos mortais de Estácio de Sá e o marco de fundação da cidade foram, finalmente, transferidos para o templo do padroeiro, a primeira Sé (igreja sede) do Rio, em 1583.

Os registros históricos dão conta que o antigo templo já estava ameaçando desabar um século depois: os padres responsáveis queriam transferir a sede da Igreja Católica de lá. Aliás, os governantes também não queriam ficar no Morro do Castelo, cada vez mais abandonado. Em 1734, a Igreja de São Sebastião perdeu o status de Sé, transferida para a Santa Cruz dos Militares e, em seguida, para a Igreja do Rosário. Em 1743, inaugurou-se a Casa dos Governadores, hoje Paço Imperial, na Praça XV.  Com a expulsão dos jesuítas e o abandono do seu colégio no alto do Castelo em 1759, a Igreja de São Sebastião – ainda abrigando a mais antiga imagem do santo na cidade, os restos mortais de Estácio de Sá e o marco de fundação – ficou no meio de uma área cada vez mais degradada e virou alvo de saques e roubos.

Marco de fundação da cidade na igreja do padroeiro do Rio de Janeiro (Foto Oscar Valporto)

A igreja do padroeiro era praticamente uma ruína em 1842 quando foi cedida pelo governo imperial aos frades capuchinhos que levaram algumas décadas até conseguirem recuperar o antigo templo. Mas, como também todos sabemos, o Morro do Castelo já não existe: foi posto abaixo a partir de 1921. Em 20 janeiro de 1922, 355 anos depois da batalha de Uruçumirim, um multidão acompanhou a transferência das relíquias históricas – a imagem de São Sebastião, os restos mortais de Estácio de Sá, o marco de fundação da cidade – da antiga igreja até o convento temporário dos capuchinhos na Tijuca. Em 1931, os frades inauguraram sua rica Basílica de São Sebastião – com lugar para a imagem peregrina do santo, que circula pelas paróquias a cada ano, o túmulo do fundador em frente ao altar e o marco da cidade – na rua Haddock Lobo: a decoração inclui um vitral com a aparição de São Sebastião na batalha das Canoas.

O martírio de Estácio de Sá e os percalços da igreja do padroeiro não podem ser comparados ao que ocorreu com os tupinambás: só na batalha de Uruçumirim teriam morrido seis mil índios. Cabeças dos chefes foram cortadas e pregadas ao longo das praias – no que foi um dia a praia do Russel e no que ainda hoje é a praia do Flamengo. De acordo com o relato do próprio padre Anchieta, aliado dos portugueses, 160 aldeias tupinambás no Rio foram queimadas a partir daquele dia 20. Dias depois, sua última grande fortificação na cidade, na hoje Ilha do Governador, foi destruída e mais centenas de índios acabaram mortos. Os sobreviventes tupinambás fugiram para Cabo Frio onde ainda resistiriam ao lado dos franceses até 1575 quando foram definitivamente derrotados e dizimados. Aliados dos portugueses, os temiminós ganharam terras em Niterói, onde seu chefe na guerra contra os franceses, Araribóia, tem até estátua. Aliás, também tem estátua de São Sebastião, na Glória, bem perto de onde ficou um dia a grande aldeia fortificada de Uruçumirim. Dos tupinambás, talvez os mais antigos moradores dessas praias, entretanto, não há quase registro algum.

#RioéRua

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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5 comentários “#RioéRua: São Sebastião e a Batalha de Uruçumirim

  1. Eduardo H. Sabioni Ribeiro disse:

    Teria sido interessante se o autor tivesse indicado as fontes bibliográficas, porque o número de tupinambás mortos nessa batalha é geralmente contado como 600, e não 6 mil. Não parece grande coisa que os portugueses tenham empreendido uma batalha onde morreram muitos índios, como se a relação entre os franceses e os tupinambás fosse de respeito e como se, caso os franceses tivessem triunfado, os índios não seriam igualmente explorados. Além disso, os portugueses tiveram índios como aliados e honraram a promessa de recompensá-los dando a eles a propriedade de São Lourenço, em Niterói.

  2. Carlos Barbosa disse:

    A questão do Santo SAO Sebastião ele foi padroeiro na batalha mas não esteve nela isso? Ficou confuso isso do padre dizer que viram ele a batalha ?

  3. Valdeci de Oliveira Silva disse:

    Boa tarde meus caros comentaristas e estudiosos do assunto em questão, na verdade foram mais de 06 milhões DIZIMADOS por estes bandidos portugueses, que invadiram nossa terra aqual habitávamos a mais de 1500 anos antes desta chegada deste tal Pedro Álvares Cabral, os franceses eram aliados dos Tupinambás, porque viviam amistosamente conosco.

  4. Raquel disse:

    Antigamente, se dava o nome das crianças de acordo com o santo do dia. Sebastião, rei de Portugal, assim foi chamado pois dia 20 de janeiro, quando nasceu, era dia de São Sebastião. Falar que a cidade foi nomeada com o nome de São Sebastião pra puxar o saco do rei de Portugal, sendo que a batalha se deu no mesmo dia do santo, é desprezar a história.
    E o achismo dessa matéria é corroborada pelo fato de não trazer nenhuma fonte, como o próprio colega Eduardo já destacou acima o fato de terem aumentado de 600 para 6 mil o número de tupinambás mortos nessa batalha, pois no período (1550) se estimava que a população conhecida do Brasil era de cerca de 15.000 pessoas (https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20-%20RJ/seriesestatisticasrestrospectivas/Volume%203_Estatisticas%20historicas%20do%20Brasil_series%20economicas_demograficas%20e%20sociais%20de%201550%20a%201988.pdf).

  5. Alessandra disse:

    De todos que falam desta história, foi o que achei melhor… ninguém fala do mar de sangue cometido pelos portugueses…
    O autor falou do acordo de paz feito pelos padres jesuítas entre índios e portugueses, mais esqueceu de comentar que foram os portugueses que quebraram o pacto, pois voltaram a aprisionar os índios e escraviza-los. E os padres ainda deram de mentirosos pra que Men de Sá envia-se a esquadra com Estácio de Sá.
    E ainda tem os franceses que abandonaram os índios no dia do massacre.
    Dados no livro guerra dos Tamoios.
    Na minha opinião tem muita roupa suja escondida por trás desses eventos. Como toda a história do Brasil, a verdade foi escondida e eles desenham da forma fantasiosa como querem. Para colocar o colonizados com bonzinho e os índios como malvados. A mesma coisa como generalizam todas as etnias como canibais, adoradores de tupã, entre outras coisas.

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