#RioéRua – Uma crônica da cidade de Pixinguinha

Dia Nacional do Choro inspira um passeio histórico e geográfico pelo carioquíssimo maestro e compositor de Carinhoso

Por Oscar Valporto | ODS 11ODS 9 • Publicada em 29 de abril de 2019 - 08:00 • Atualizada em 29 de abril de 2019 - 21:32

Estátua de Pixinguinha perto da casa onde morou por 30 anos em Ramos: um carioca que marcou sua cidade (Foto: Oscar Valporto)
Estátua de Pixinguinha perto da casa onde morou por 30 anos em Ramos: um carioca que marcou sua cidade (Foto: Oscar Valporto)
Estátua de Pixinguinha perto da casa onde morou por 30 anos em Ramos: um carioca que marcou sua cidade (Foto: Oscar Valporto)

O Dia Nacional do Choro é comemorado em 23 de abril por conta do nascimento em, 1897, de Alfredo da Rocha Vianna Filho, Pixinguinha – apesar de haver registro em cartório com a data de 4 de maio. É certo que o maestro, multi-instrumentista, compositor e arranjador não podia ser mais carioca: nasceu em Piedade, foi batizado na Igreja de Santana, morou a vida inteira na Zona Norte, fez carreira dos blocos às casas de espetáculo mais conhecidas da cidade e morreu, dois sábados antes do Carnaval, dentro da Igreja de Nossa Senhora da Paz, em Ipanema.

A infância de Pixinguinha foi no Catumbi, num casarão de dois andares – na subida para Santa Teresa, perto do cemitério – onde morava com os pais e nove irmãos. Foi o velho Alfredo, funcionário dos Correios e músico amador, quem passou aos filhos o gosto musical através dos saraus que promovia em casa. Pixinguinha começou, como os irmãos, pelo violão e o cavaquinho até ganhar uma flauta, instrumento predileto do pai, com 11 anos. Com 14, já era profissional da música, de acordo com a biografia escrita por Sergio Cabral (o pai, naturalmente): flautista da orquestra do rancho carnavalesco Filhas das Jardineiras, onde conhece Donga e João da Baiana, lendas do samba brasileiro; flautista no conjunto Pádua Machado na choperia La Concha, na Lapa. Toca ainda no Cabaré Cassino, na Rua dos Arcos, também na Lapa; na boate O Ponto, na Praça Tiradentes, e no Teatro Rio Branco, na Rua Visconde do Rio Branco, no Centro.

O grupo Pixin Bodega se apresenta na Praça do Choro, em Laranjeiras: ritmo tem legião de seguidores (Foto: Oscar Valporto)

Quando o pai morre em 1917, Pixinguinha já é famoso nas rodas de samba e choro da cidade, frequenta a casa de Tia Ciata na Praça Onze, compõe chorinhos e sambas, apresenta-se como flautista no Cine Palais, na Avenida Rio Branco. Dinheiro no bolso, aluga uma casa na Rua Engenho da Pedra, em Olaria. Foi no Cine Palais, que se apresentou pela primeira vez, em 1919, o conjunto Oito Batutas – liderado por Pixinguinha e sua flauta, e com uma maioria de negros, entre eles, Donga e China, irmão mais velho do maestro, e seus violões. Os Oito Batutas fariam enorme sucesso, excursionando por outros estados e fazendo apresentações até na Argentina e na França.

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De volta ao Rio de Janeiro com o fim do grupo, Pixinguinha participou – como maestro da orquestra de 20 músicos – do lançamento do espetáculo de teatro de revista É Tudo Preto, idealizado pelo ator e cantor De Chocolat e o cenógrafo Jaime Silva, que estreou em 1926, no Teatro Rialto, na Rua da Ajuda, com elenco quase todo formado por artistas negros. Foi um escândalo e também um sucesso. Nos ensaios, o maestro conheceu Albertina (Betty) Nunes Pereira – a vedete Jandira Aimoré – com quem se casaria no começo do ano seguinte, quando os Oito Batutas voltam à ativa. Em 1928, eles viram atração fixa do bar e restaurante Assirius, ainda hoje no subsolo do Theatro Municipal.

Placa da Rua Pixinguinha: antiga Belarmino Barreto onde maestro e a mulher viveram por 30 anos foi batizada com seu nome em 1956 (Foto: Oscar Valporto)

Ficaram ali por três anos: foi a penúltima temporada de Pixinguinha como flautista. A última foi no Dancing Eldorado – hoje o Centro Cultural Carioca, na Praça Tiradentes com Rua do Teatro, ainda tocando música brasileira – em 1933. Nos anos seguintes, Pixinguinha se dedicaria mais à gravadora RCA Victor, onde era responsável pelos arranjos e orquestrações dos discos, às composições, e ao rádio.  Não sem antes fazer o curso completo de Teoria Musical, no Instituto Nacional de Música – ali, na Rua do Passeio, onde hoje é a Escola de Música da UFRJ.

A década de 1930 continua muito boa para Pixinguinha: em 1937, Orlando Silva, o cantor das multidões, grava Carinhoso, com letra de Braguinha (ou João de Barro), sucesso imediato e hoje um clássico da MPB. Em seguida, o maestro é contratado como arranjador e regente da orquestra da Rádio Mayrink Veiga. Em 1939, realiza o sonha da casa própria: ele e Betty, que já haviam adotado um menino, Alfredinho, compram à prestação, financiado por 25 anos, um imóvel de dois andares na pequena Rua Belarmino Barreto, em Ramos.

Os anos 40 começaram difíceis: excesso de bebida, demissão da rádio, prestações da casa atrasadas. Com dificuldade para tocar flauta, por problemas nas mãos e na boca causados pelo alcoolismo, Pixinguinha adotou o sax tenor. A carreira seria retomada com uma parceria com o flautista Benedito Lacerda e, mais tarde, como estrela central do programa O Pessoal da Velha Guarda, na Rádio Tupi. Funcionário da prefeitura do Distrito Federal, o maestro também dava aulas de música em escolas da Saúde e de Vila Isabel.

A birita – como a mulher Betty – foi uma companheira da vida inteira. No Centro, perto das rádios e da gravadora, Pixinguinha batia ponto, de segunda a sexta, das 10h às 13h, na Whiskeria Gouvea, na Galeria dos Empregados do Comércio – hoje, estátua de Otto Dumovich e painel lembram o maestro na Travessa do Ouvidor. O bar já não existe. Em Ramos, a menos de 100 metros de casa, ele e a mulher frequentavam a mistura de bar e armazém, onde, na esquina, há outra estátua de Pixinguinha, esta do cartunista e escultor Ique Woitschach. inaugurada em 2016.  O bar – hoje chamado A Portuguesa – segue firme e agora serve o melhor torresmo da cidade e outros ótimos petiscos. Em 1956, a Berlamino Barreto virou Rua Pixinguinha – como tantas vias da Zona Norte, tem acesso fechado por um portão.

Estátua de Pixinguinha com seu sax perto do seu ‘escritório’ a whiskeria Gouvea, no Centro do Rio: alcoolismo fez músico deixar a flauta (Foto: Oscar Valporto)

O compositor de Carinhoso teve a primeira séria crise cardíaca aos 61 anos. Ele, que tinha flertado com o candomblé e a umbanda na juventude e tornara-se católico na vida adulta, se converteu ao protestantismo, seguindo a mulher. Deu sua imagem de São Jorge – seu santo padroeiro, que tem seu dia comemorado no mesmo dia 23 de abril – para a Igreja de São Geraldo, que costumava frequentar em Ramos. Pixinguinha chegou aos 70 anos com muitas homenagens e pouco dinheiro. Em 1969, vendeu a casa em Ramos e voltou a morar de aluguel, primeiro em Jacarepaguá, depois em Inhaúma. Betty morreu em junho de 1972; Pixinguinha, como já contei, partiu sete meses depois: ataque cardíaco fulminante, no altar da igreja, quando ia batizar o filho de um amigo, em 17 de fevereiro, pouco antes da passagem da Banda de Ipanema que estaciona e termina seu desfile em frente ao templo. A Estação do Metrô de Ipanema homenageia o maestro com uma painel de azulejos com o sax e a partitura de Carinhoso ao lado da imagem da igreja.

Painel de azulejos na estação do metrô em Ipanema; Pixinguinha morreu dentro da Igreja de Nossa Senhora da Paz, dois sábados antes do Carnaval (Foto: Divulgação)

Instituído no ano 2000, o Dia Nacional do Choro é comemorado no dia 23 de abril, mas tem choro quase todo dia pelas ruas deste Rio de Janeiro onde ele nasceu e virou sucesso pelas artes de Pixinguinha: tem choro todo sábado com o Pixin Bodega, na Rua General Glicério, onde a pracinha Jardim Laranjeiras já foi rebatizada como Praça do Choro; o Arruma Meu Coreto garante o choro aos domingos na São Salvador; tem o Choro na Esquina às segundas no Rio Soccer, no Flamengo; rodas de choro segunda e terça no Bip Bip, em Copacabana; e o Choro da Glória, às quartas, na Benjamim Constant. Nesta terça de São Jorge, teve muito mais em homenagem ao choro e ao maestro e sua vida, como parte da história e da geografia do Rio de Janeiro: teve festa na rua de Vista Alegre a Barra da Tijuca, de Olaria à Ouvidor, sempre com uma plateia com Carinhoso na ponta da língua e a reunião dos melhores músicos.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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