#RioéRua: sem chororô, a Carioca e o Bar Luiz precisam resistir

O Bar Luiz não vai fechar e anda bem cheio no almoço (Foto Oscar Valporto)

Um pouco da história, e uma receita de sobrevivência de uma via com crise de identidade

Por Oscar Valporto | ODS 11 • Publicada em 30 de maio de 2018 - 08:42 • Atualizada em 30 de maio de 2018 - 14:22

O Bar Luiz não vai fechar e anda bem cheio no almoço (Foto Oscar Valporto)
O Bar Luiz não vai fechar e anda bem cheio no almoço (Foto Oscar Valporto)
O Bar Luiz não vai fechar e anda bem cheio no almoço (Foto Oscar Valporto)

Desde que voltei da Bahia, em 2016, a cada três meses aparece um boato nas redes sociais de que o Bar Luiz vai fechar. O rumor, sempre desmentido, é seguido invariavelmente por um chororô dos proprietários do restaurante e de outros estabelecimentos da Rua da Carioca sobre a crise, a alta dos aluguéis, a criminalidade, a desordem urbana do Centro e outras mazelas do Rio de Janeiro e da maior parte do Brasil. Esses constantes boatos me levaram a voltar ao Bar Luiz com alguma frequência para uma despedida dos chopes – o escuro talvez seja o melhor da cidade -, o que não deixa de ser um bom efeito colateral.

Na última edição desta novela, há duas semanas, a caminhada pela Carioca me levou à convicção que há, pelo menos, um pouco de exagero nas lamúrias, e que os comerciantes da rua acabaram contaminados pelo excesso de autopromoção: o exemplo maior é o repetido slogan de “a mais carioca das ruas”.  Seu Ouvidor e Dona Alfândega, certamente, contestariam esse título. A Rua do Ouvidor, aberta ainda no Século XVI, ganhou este nome em 1780 e já foi a mais importante da cidade – ainda hoje mereceria o título de a mais carioca. A Rua da Alfândega ganhou seu nome no começo do século XVIII – em 1716 – e já existia no século anterior: tornou-se o centro do comércio do Rio e entrou no século XXI como referência para moradores de todos os bairros: poderia, certamente, atribuir o tal título.

As lojas do lado par da Rua da Carioca: casario resiste (Foto Oscar Valporto)

A Rua da Carioca, aberta na década final do Século XVII, era um caminho entre a Praça Tiradentes e Largo da Carioca, onde muitos buscavam água em seu chafariz. Virou Rua da Carioca, na aba do largo, pela primeira vez em 1848 – 170 anos em novembro. E só ganhou importância no final do século quando começaram a subir os sobrados e foram abertos estabelecimentos como o próprio Bar Luiz e a Guitarra de Prata, ambos inaugurados em 1887. Mas nem se chamava Carioca: por iniciativa da Câmara Municipal tinha sido batizada São Francisco de Assis, em 1882. Voltou a ser Carioca em 1898, mudou para Presidente Wilson 20 anos depois, e ficou Carioca em definitivo só em 1919 – vai completar 100 anos.

A diferença da rua para outras vias do Centro do Rio é que seus comerciantes têm um vilão de estimação: o Banco Opportunity, que comprou 18 imóveis do lado ímpar – com o casario mais antigo – e aumentou os aluguéis. No chororô em seguida aos boatos, o banco sempre está no centro das queixas como se também fosse o responsável pela crise econômica do país, a insegurança, a desordem urbana. O Opportunity comprou os imóveis da Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, que, por sua vez, reclamava dos inquilinos, É triste ver que fecharam a Guitarra de Prata, a Padaria Nova Carioca e o Bar Flora, este último do lado par, sem culpa do vilão. Mas ainda é possível comprar, por exemplo, troféus para campeonatos de pelada ou de futebol de botão na Mariu’s Sport como eu fazia há quase meio século. E escolher entre a óbvia variedade do Rei das Facas ou comprar as mais tradicionais roupas para homem no Ponto Masculino, que também lá resistem há décadas.

Lojas fechadas na Rua da Carioca: colunista contou 22 antes do Bar Luiz (Foto Oscar Valporto)

Voltei à Rua da Carioca três vezes em maio, e estou com a certeza de que resistir é preciso e possível. Há, se acreditar em reportagens entre 2015 e 2017, 28 imóveis fechados por lá; na quarta, 16 de maio, contei 22 lojas fechadas – antes dos chopes no Bar Luiz, que, aliás, estava quase cheio na hora do almoço. De 2016 para cá, a Rua Carioca ganhou a Casa do Choro, estabelecida em casarão do começo do século passado – como a maioria do lado par. Prédio reformado com financiamento do BNDES e patrocínio da Petrobras pela Lei Rouanet: o imóvel de três andares guarda 16 mil partituras, dois mil discos de vinil, livros e fotos, tudo ligado ao chorinho. E tem auditório para shows que acontecem, religiosamente, três dias na semana – apesar da crise.  Metros adiante, o prédio do Cine Ideal, jóia arquitetônica de 1919, abriu, no fim de 2017, como a Maison Leffié, casa para eventos. E, logo ali, no mês passado, a Maison instalou um charmoso bistrô, com boa comida e preço acessível – apesar da crise. Fico imaginando como ficaria o Cine Iris – erguido em 1909 com sua arquitetura art-noveau semelhante ao Ideal – se ganhasse um financiamento para ser transformado em centro cultural com direito até a sala de memória da pornografia.

Cine Íris: um museu ao filme pornô? (Foto Oscar Valporto)

Na minha andarilha percepção, o maior problema desta rua carioca está na calçada – ou na falta delas, tão estreitas para a largura do asfalto que não cabem nem camelôs. Sim: desordem urbana é um problema do Centro do Rio; na Carioca, especificamente, faz parte do chororô. O inimigo está sobre rodas: são os carros e ônibus que circulam por aqueles 300 metros. Eles impedem que os bares – como o Café do Bom, Cachaça da Boa, mistura de boteco com sebo de livros em outro prédio preservado, de 1910 – ponham mesas do lado de fora; que as lojas de instrumentos (são oito) promovam eventos musicais na rua; que os comerciantes reunidos criem atividades variadas como fazem em outros pontos do próprio Centro e em boa parte da cidade. A Carioca precisa tomar conta da rua para enfrentar a crise sem lamúria e recuperar sua alma carioca. #RioéRua

Café do Bom, Cachaça da Boa, outra das atrações da Rua da Carioca (Foto Oscar Valporto)
Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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