#RioéRua: a agonia do bairro do craque da seleção

Crime e decadência ameaçam o Rocha de Philippe Coutinho

Por Oscar Valporto | ODS 11 • Publicada em 16 de julho de 2018 - 08:27 • Atualizada em 17 de julho de 2018 - 02:05

Vende-se: placas se espalham pelo bairro (Foto Oscar Valporto)
Vende-se: placas se espalham pelo bairro (Foto Oscar Valporto)

Foi um jovem leitor, de município vizinho, que me mandou a mensagem perguntando onde era o Rocha ao ver, no #RioéRua anterior, que o craque brasileiro na Copa do Mundo da Rússia era carioca de um bairro que nunca ouvira falar. Na minha resposta, fiz piada dizendo que nem Philippe Coutinho devia saber, hoje, como chegar lá – eu mesmo, na verdade, só sei bem onde é o Rocha porque faz divisa com o Riachuelo onde meus pais nasceram. E pergunta boa é essa que aguça a curiosidade, que abre novas possibilidades como aqueles passes do camisa 11 da seleção lá nos gramados russos, deixando Paulinho e Renato Augusto na cara do gol.

E lá fui eu de trem para o Rocha – mesmo já sabendo que a estação que deu nome ao bairro não existe mais. Inaugurada em 1885 no ramal Deodoro da então Estrada de Ferro Pedro II, depois Central do Brasil, a estação foi desativada em 1971, tempos em que a classe média ainda se orgulhava daquele trecho da Zona Norte entre o Maracanã e o Méier. Poucos anos antes, havia sido inaugurada a Avenida Marechal Rondon, o que provocou a demolição de algumas casas antigas em terrenos grandes e a construção de condomínios fechados de casas e apartamentos – para um deles, quase três décadas depois, mudou-se a família baiana de Philippe Coutinho.

A estação de trem do Rocha: desativada (Foto: Oscar Valporto)

Salto na estação Riachuelo e venho perambulando de volta entre as paralelas 24 de Maio, a rua da linha do trem, e Marechal Rondon e fica fácil imaginar que estou passando pelas mesmas calçadas e vendo a mesma paisagem porque o craque do Barcelona só tem 26 anos e morou no Rocha até os 17, quando saiu do Vasco para a Internazionale, de Milão. O Clube dos Subtenentes e Sargentos do Exército, primeiro a contar com o talento do então mirim Coutinho – 6 anos – em seu time de futebol de salão ainda está lá, continua com atividades esportivas para a garotada e tem, agora, parceria com o grande de São Januário, onde Philippe chegou aos 8 anos, depois de jogar um ano e ser artilheiro pelo time da Mangueira na liga carioca de futsal.

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Na caminhada pelas ruas do Rocha, é nítida a impressão de que o bairro deve ter mudado pouco, muito pouco, pouco mesmo neste pouco mais de um quarto de século de vida do jovem craque. Como no vizinho Riachuelo, ainda há muitas casas, muitos sobrados, prédios baixos, alguns poucos mais altos, quase todos na Marechal Rondon. “O bairro não mudou, as pessoas é que estão se mudando daqui” – é o que me diz o filósofo local que encontro no boteco em que paro para matar a sede e alimentar a conversar a caminho da estação São Francisco Xavier para pegar o trem de volta ao Centro. O cliente garante – e o dono do estabelecimento concorda – que a crise aqui chegou antes, a economia está parada desde que Coutinho era infantil do Vasco e que, nos últimos tempos, a criminalidade disparou.

Casas e sobrados na Marechal Rondon (Foto: Oscar Valporto)

Saio do bar com um novo olhar para a vizinhança e percebo que realmente as casas, os sobrados e os prédios no Rocha têm em comum algumas bandeiras do Brasil na janela e placas de vende-se este imóvel.  Na caminhada para São Francisco Xavier, paro na Travessia do Rocha – uma passagem subterrânea é o que restou da antiga estação. E não deve ser a maneira mais recomendável e segura de atravessar a linha do trem para chegar ao outro lado do bairro. A viagem de volta sobre trilhos fica carregada de melancolia: parece que estou deixando um bairro em extinção, com pouco mais de 8 mil habitantes, número que diminui a cada contagem. E diminuirá na próxima porque os pais de Philippe Coutinho, a maior estrela nascida no Rocha em décadas, trocaram a casa onde o craque nasceu por um apartamento na Zona Sul, no ano passado, após uma onda de assaltos na área.

#RioéRua

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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