População da Índia ultrapassará a da China em meados de abril de 2023

Iniciadas em 1960, políticas chinesas de controle da natalidade são a principal causa da mudança no ranking demográfico mundial

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 11 • Publicada em 27 de março de 2023 - 09:47 • Atualizada em 25 de novembro de 2023 - 13:56

Em Mumbai, pessoas caminham por um mercado para fazer compras de última hora antes do Diwali, festa religiosa hindu. Foto Indranil Mucherjee/AFP

A demografia mundial terá uma data marcante em abril de 2023, quando a Índia superará a China e se tornará o país mais populoso do mundo pela primeira vez em milhares de anos. Enquanto a população chinesa já começou a encolher, estima-se que a Índia continue a crescer nas próximas quatro décadas. A discrepância entre os dois gigantes asiáticos vai aumentar ao longo do atual século, com o número de indianos ampliando a diferença sobre o total de chineses.

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O gráfico abaixo, com dados da Divisão de População da ONU (revisão 2022), mostra que a população da China deve diminuir ligeiramente de 1.425.849.000 em 01 de janeiro para 1.425.671.000 em 01 julho de 2023, enquanto a população da Índia que era de 1,422 bilhão de habitantes em 01 de janeiro deve chegar a 1,429 bilhão em 01 de julho de 2023. A mudança de bastão no topo do ranking populacional deve ocorrer no dia 13 de abril de 2023, com uma população ao redor de 1.425.783.000 habitantes. A Índia ultrapassará a China e abrirá uma diferença cada vez maior nos próximos anos.

O gráfico abaixo mostra a evolução das populações da China e da Índia entre 1950 e 2023, segundo a projeção média (a mais provável) da Divisão de População da ONU até 2100. A China tinha uma população de 544 milhões de habitantes em 01 de julho de 1950, ultrapassou 1 bilhão de habitantes em 1982, alcançou 1,426 bilhão em 01 de janeiro de 2023 e deve cair para 767 milhões de habitantes em 2100. A Índia tinha 357 milhões de habitantes em 1950, ultrapassou 1 bilhão em 1997, deve chegar a 1,429 bilhão em 01 de julho de 2023, pode atingir o pico populacional em 2063, com 1,697 bilhão, devendo iniciar um período de decrescimento até 1,530 bilhão de habitantes em 2100.

A China acrescentou cerca de 900 milhões de habitantes desde a Revolução, liderada por Mao Tsé-tung (em 1949) e a Índia acrescentou mais de 1 bilhão de habitantes desde a Independência, liderada por Mahatma Gandhi (em 1947). Mas o cenário vai se inverter no século XXI, já que a China deve perder 659 milhões de habitantes entre 2023 e 2100 e a Índia deve perder 167 milhões de habitantes entre 2063 e 2100. A principal explicação para as diferentes dinâmicas demográficas entre as duas nações está na discrepância do ritmo de queda da taxa de fecundidade total (TFT). A taxa de fecundidade da Índia caiu de forma consistente, mas em ritmo lento, e só ficou abaixo do nível de reposição em 2022. A TFT de reposição é de 2,1 filhos por mulher e abaixo deste valor, no longo prazo, a população começa a diminuir.

Na China a queda foi rápida. O governo lançou a política “Mais Tarde, Mais Tempo e em Menor Número” (em chinês: “Wan, Xi, Shao” e em inglês: “later, longer, fewer”) que, de forma voluntária, incentivava as mulheres a terem o primeiro filho em idades mais avançadas, que mantivessem um espaçamento maior entre os filhos e que limitasse o tamanho da prole, adotando um padrão pequeno de família. A política “Wan, Xi, Shao” foi um sucesso e, em um decênio, a taxa de fecundidade caiu de pouco mais de 6 filhos por mulher no final da década de 1960 para cerca de 3 filhos por mulher no final da década de 1970. Porém, no bojo das reformas implementadas por Deng Xiaoping em dezembro de 1978, foi instituída a “Política de filho único”, a iniciativa de controle mais draconiana da história da humanidade.

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Assim, a TFT chinesa ficou abaixo do nível de reposição no final da década de 1980, pré-anunciando o decrescimento populacional atual. Presentemente, o governo chinês tem tentado incentivar o aumento da fecundidade, mas sem muito sucesso, pois o custo dos filhos é elevado e as mulheres chinesas possuem outras prioridades além da maternidade.

O fato é que a transição demográfica (queda das taxas de mortalidade e natalidade) se espalhou pelo mundo, pelos países em desenvolvimento e de forma mais rápida na China. Desta forma, nenhum país deixará de vivenciar a transição demográfica, a mudança na estrutura etária, o envelhecimento populacional e o decrescimento demográfico. Em consequência, não será diferente nos dois países mais populosos do mundo que vão envelhecer e começar a decrescer, de forma inexorável, em diferentes momentos do século XXI.

A transição demográfica é a passagem de altas para baixas taxas de mortalidade e natalidade. Quando a teoria foi formulada, em meados do século passado, se imaginava que o antigo equilíbrio, em patamares elevados, das Taxas Brutas de Mortalidade (TBM) e das Taxas Bruta de Natalidade (TBN) iria ser substituído por um novo equilíbrio, em patamares baixos. Mas o que tem acontecido na maioria dos países é a inversão das duas curvas e a substituição do crescimento pelo decrescimento demográfico.

O gráfico abaixo mostra a transição demográfica da China e da Índia entre 1950 e 2100. Nota-se que as taxas de mortalidade caíram primeiro do que as taxas de natalidade, sendo que as duas curvas se encontraram em 2022 na China e vão se encontrar em 2063 na Índia. Mas ao invés de se estabilizarem, ambas irão se inverter e gerar um decrescimento, cada um a seu tempo.

Evidentemente, a Índia vai ultrapassar a China também em termos de densidade demográfica. A China tem uma área de 9,6 milhões de km2, sendo o quarto país em tamanho de território (atrás apenas da Rússia, Canadá e EUA). A densidade demográfica da China era de 57 habitantes por km2 em 1950, chegou ao máximo de 149 hab/km2, em 2023, e deve ficar em 80 hab/km2 em 2100. A Índia tem uma área geográfica de 3,29 milhões de km2 (menor do que o tamanho da região Norte do Brasil). A densidade demográfica da Índia era de 120 habitantes por km2 em 1950, deve chegar ao máximo em 2063, com 571 hab/km2 e apresentar um declínio para 515 hab/km2 em 2100. Portanto, a densidade da Índia era pouco mais do dobro da densidade da China em 1950 e será mais de 7 vezes superior em 2100.

Isto quer dizer também que os dois gigantes da demografia mundial terão que enfrentar desafios consideráveis, mas opostos, no futuro próximo. Nos próximos anos, a China terá que lidar com uma população menor, uma força de trabalho em declínio e um aumento do envelhecimento populacional acelerado, enquanto a Índia terá de gerar empregos para uma crescente população em idade ativa.

O gráfico abaixo, mostra que a população em idade ativa (PIA) da China era de 311 milhões em 1950 e atingiu o pico em 2011 com 928 milhões de pessoas. Mas desde 2012 a PIA chinesa começou a cair e deve retornar ao patamar de meados do século passado, com 330 milhões em 2100. Já a Índia tinha uma PIA de 203 milhões de pessoas em 1950, passando para 920 milhões em 2023, devendo chegar ao pico de 1,03 bilhão em 2044 e diminuindo para 765 milhões em 2100.

Alguns analistas dizem que a China terá um colapso demográfico com o decrescimento populacional e elogiam o crescimento demográfico da Índia. Mas outros analistas pensam exatamente o contrário. De fato, tanto o crescimento, quanto o decrescimento trazem vantagens e desafios.

Uma redução da PIA chinesa poderá ser compensada por meio da robotização, informatização e do avanço da infraestrutura nacional e da maior escolaridade e produtividade da mão de obra. Ou seja, com uma população menor e com maiores níveis de “capital humano” a economia da China pode ser tornar mais saudável e mais rica. A China é o maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, além de grande consumidor de serviços ecossistêmicos, gerando grande degradação ecológica. Com uma população menor, com avanços na produção mais sustentável e com o fim do crescimento desregrado do PIB, a China poderá dar uma grande contribuição para o mundo na proteção da natureza, evitando um colapso ambiental global cada vez mais provável no ritmo atual. Portanto, o decrescimento, ao invés de uma danação, pode ser uma salvação.

Por outro lado, um aumento da PIA indiana poderá incentivar o crescimento do PIB e facilitar a luta pela redução da pobreza. Porém, a Índia já tem uma grande oferta de força de trabalho não aproveitada (especialmente entre as mulheres) e se o crescimento da população em idade ativa não for acompanhado de um grande crescimento do emprego, pode gerar uma “bolha de jovens” sem emprego e sem oportunidades na vida, gerando uma crise social e aumento dos conflitos intergeracionais. Além disto, a Índia já é o terceiro país com maior volume de emissão de gases de efeito estufa (atrás apenas da China e dos EUA) e concentra as maiores cidades com os piores índices de qualidade do ar, além da degradação de seus ecossistemas e enorme poluição dos rios, lagos e deltas. Portanto, o crescimento, ao invés de uma salvação, pode se tornar uma danação.

Não é demais ressaltar que desafios comuns aos dois países advêm do envelhecimento populacional e da mudança da estrutura etária, o que colocará fim ao 1º bônus demográfico, mesmo que em períodos temporais diferentes. O gráfico abaixo mostra a idade mediana do mundo, China e Índia, entre 1950 e 2100. Nota-se que entre 1950 e 1980 a idade mediana da China e da Índia estava abaixo da idade mediana da população mundial e abaixo de 20 anos. Isto quer dizer que metade da população, aproximadamente, estava abaixo de 20 anos e a outra metade acima de 20 anos. Contudo, com o avanço da transição demográfica a idade mediana sobe de maneira implacável. Para complementar, ambos os países possuem um saldo migratório negativo, isto é, saem mais nativos do que entram estrangeiros, o que tende a acelerar o envelhecimento.

A elevação mais rápida já acontece na China, mas também a Índia tem trilhado o caminho do envelhecimento e vai superar a mediana global em breve. Em 2023, a China já tinha uma idade mediana de 39 anos, a Índia de 28 anos e o mundo de 31 anos. Mas em 2100 os números vão subir para 57 anos na China, 48 anos na Índia e 42 anos para a mediana mundial. O futuro das populações no século XXI, sem dúvida, será grisalho.

As figuras abaixo apresentam as pirâmides populacionais (por sexo e idade) da China e da Índia, para os anos de 1950, 2022 e 2100. Nota-se que, em 1950, as duas pirâmides eram parecidas e tinham uma base larga e um topo estreito, caracterizando uma população com muitas crianças e jovens e com pouquíssimos idosos. Mas em 2023, as duas pirâmides já tinham começado a estreitar a base e a engrossar o meio da distribuição (especialmente na China), mostrando uma alta proporção de pessoas em idade ativa e ainda uma baixa presença de idosos.

Mas para o ano de 2100, as duas pirâmides vão apresentar um topo mais alargado, indicando uma grande presença de idosos. As cores, verde e amarela, das pirâmides representam as diferentes projeções populacionais no final do atual século. A diferença entre os extremos etários das pirâmides será mais acentuada na China, que terá o topo muito mais largo do que a base, refletindo a permanência de taxas de fecundidade abaixo do nível de reposição por muitas décadas. Na Índia essa relação entre o topo e a base também se fará presente, mas em menor proporção.

Inquestionavelmente, tanto a China quanto a Índia enfrentarão novos desafios, mas também terão novas oportunidades ao longo das próximas décadas. O elevadíssimo crescimento do PIB chinês continuará apenas nas páginas dos livros de história econômica. A tendência é de menor crescimento econômico à medida em que a população em idade ativa diminui. No entanto, a China pode obter um crescimento de maior qualidade se investir no 2º bônus demográfico, também conhecido como bônus da produtividade. Isso significa produzir mais bens e serviços com menos insumos produtivos, como energia, matéria-prima e mão-de-obra. Essa estratégia pode aumentar a renda per capita com menor degradação ecológica, o que seria fundamental para cumprir a meta de emissão zero de carbono.

A Índia, preliminarmente, terá a tarefa de aproveitar os momentos finais do seu 1º bônus demográfico, que ocorre quando há uma maior proporção de pessoas em idade de trabalhar. O país do sul asiático terá o desafio de enriquecer antes de envelhecer e garantir o progresso do bem-estar humano sem o retrocesso do bem-estar ambiental. No entanto, na segunda metade do atual século, os problemas do envelhecimento populacional indiano serão semelhantes aos da China. Ambos os países terão que aproveitar o 3º bônus demográfico, também conhecido como bônus da longevidade, para isso, será preciso investir no envelhecimento ativo e saudável das pessoas.

Em resumo, a Índia deve ultrapassar a China em tamanho da população por volta de meados de abril de 2023, encerrando a liderança da China que durou milhares de anos. Nas próximas quatro décadas, a população da China irá diminuir, enquanto a da Índia continuará crescendo. No entanto, a partir de 2063, o número de indianos também começará a encolher. Em ritmos diferenciados, ambos os países enfrentarão desafios relacionados ao declínio no volume da força de trabalho, mudanças na estrutura etária e envelhecimento da população, em um contexto de significativas desigualdades sociais e crises globais relacionadas à ecologia e ao clima.

Embora possa ser considerado um título de prestígio, o posto de país mais populoso do mundo não traz necessariamente benefícios. A corrida que realmente importa não é pelo pódio da quantidade de habitantes, mas sim pela conquista de uma maior qualidade de vida humana e ambiental. Tanto a China quanto a Índia devem se concentrar em abordar questões relacionadas à equidade social e à mitigação das crises globais, a fim de melhorar a vida de seus cidadãos e proteger o meio ambiente.

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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