Paulistana do dedo verde

FOTO de divulgação

A nutricionista Neide Rigo leva grupos para passear nas ruas de São Paulo, colhendo hortaliças pelo caminho

Por Flávia G. Pinho | ODS 11ODS 15Vida Sustentável • Publicada em 30 de outubro de 2016 - 09:00 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 23:43

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Colheita de batata doce na horta comunitária: (Foto de divulgação)
Colheita de batata doce na horta comunitária: recorde de 35 quilos (Foto de divulgação)

Criada nas ruas da Brasilândia, bairro pobre da Zona Norte de São Paulo, a nutricionista Neide Rigo poderia ser mais uma paulistana típica, das que só conhecem as verduras e legumes das gôndolas dos supermercados. Mas decidiu fazer diferente. Depois de trabalhar em um hospital, em uma cozinha experimental e até na indústria alimentícia, ela deu uma guinada na carreira para se tornar uma das maiores referências em cozinha brasileira do país. Seu foco, porém, não são receitas típicas. Neide se debruça sobre a infinidade de plantas comestíveis que crescem Brasil afora e ninguém conhece, ou que já tiveram seu tempo e caíram no esquecimento, porque têm baixo valor comercial. Muitas delas, chega a ser difícil de acreditar, podem ser encontradas nas ruas movimentadas de São Paulo, espremidas entre as placas de asfalto.

Registradas há 10 anos no blog Come-se as descobertas de Neide são tantas que já viraram roteiro turístico, o projeto Panc na City –  sigla para “Plantas alimentícias não-convencionais” e City, em referência ao bairro onde Neide vive hoje, City Lapa. “Há alguns anos, comecei de brincadeira a fazer um passeio de reconhecimento e colheita de espécies comestíveis encontradas no espaço urbano.  Até que muita gente começou a se interessar pelo assunto e resolvi criar o roteiro profissionalmente”, ela conta.

Maria-pretinha, tansagem, guasca, bredo, major-gomes, dente-de-leão, almeirão-do-mato, serralha, beldroega, alho-silvestre, pepininho e endro silvestre são alguns desses ilustres desconhecidos que brotam espontaneamente por aí. As que não servem para cozinhar rendem chás de uso medicinal. “Vou mostrando tudo o que é comestível e nasce nos espaços verdes, até nas frestas de calçada”. Os passeios, em geral, acontecem duas vezes por mês. Cada participante paga R$ 150 para fazer o tour, que termina com um almoço na casa da nutricionista. “Usamos as plantas colhidas no caminho e outras que trago do meu sítio”, conta. Às vezes, Neide turbina o cardápio servindo formigas, um hábito antigo entre a população do interior paulista que também caiu em desuso.

Neide: almoço com temperos colhidos pelas ruas de São Paulo (Foto de divulgação)

De tanto esquadrinhar as ruas do bairro, e passar todo santo dia por um terreno abandonado repleto de entulho, Neide decidiu arregaçar as mangas e transformar o espaço em horta comunitária. Mal sabia que estava comprando uma briga daquelas. Depois que a subprefeitura, a seu pedido, removeu todo o entulho e o mato alto, Neide convocou a vizinhança para um mutirão – só uma vizinha apareceu no dia marcado.

Sozinhas, as duas encararam a empreitada. Finalizaram a limpeza, demarcaram canteiros com tijolos, plantaram mudas que Neide levou do próprio jardim e penduraram uma placa indicando que o espaço se tornara uma horta comunitária, aberta a quem quisesse chegar. Aí aconteceu o que ninguém esperava. “Alguns vizinhos de outras ruas reclamaram da iniciativa, usando argumentos os mais esdrúxulos:  que podemos colocar a comunidade em risco porque cachorros e gatos transitam por ali, que não entendemos de plantio, que é de mau gosto, que a horta atrai maconheiros… O engraçado é que, do lixo, ninguém reclamava”.

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Há várias espécies perenes e comestíveis, ideais para hortas urbanas, que crescem até em terrenos pedregosos e sem água para regar

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Sem dar ouvidos à grita mal-humorada, Neide e alguns poucos vizinhos resistiram e levaram o projeto adiante – a horta já tem até uma caixa de abelhas jataí produzindo mel. Conforme a época do ano, qualquer um pode aparecer e colher capim-santo, manjericão-cravo, manjericão-anis, manjericão-zátar, galangal, epazote, erva-doce asteca, hortelã-gorda, boldo, boldinho, cariru, bredo, almeirão roxo, huacatay e taioba. A colheita recorde foi a de batata-doce roxa. “Plantamos 7 m², em um canteiro ao longo da calçada, e colhemos 35 quilos de batatas. Algumas pesavam 2 quilos!”

Placa da horta comunitária, no City Lapa (Foto de divulgação)

A quem se sentir inspirado pela iniciativa, Neide dá um recado: qualquer cantinho serve. “Há várias espécies perenes e comestíveis, ideais para hortas urbanas, que crescem até em terrenos pedregosos e sem água para regar”. O mais importante, ela emenda, é haver entrosamento entre os vizinhos para a realização dos mutirões de limpeza, colheita e replantio. Também é fundamental que haja voluntários para o trabalho diário de manutenção, coordenados por alguém que tenha noções básicas sobre jardinagem.  “Todos os dias, saio para passear com minha cachorrinha e aproveito para retirar o mato, o lixo e trabalhos religiosos que aparecem durante a noite, fazer podas e regar alguma planta que esteja sofrendo mais com a seca do inverno”. Quando vem chegando a temporada de calor, a horta atinge o seu auge – e os arbustos de ervas exalam seu perfume só de bater um ventinho. “Muita gente das redondezas gosta de visitar a horta para mostrar as plantas e as borboletas aos filhos. É um espaço público e qualquer um é bem-vindo”.

Flávia G. Pinho

Carioca radicada em São Paulo desde 1999, Flávia G Pinho pode ter virado paulistana, mas cuida para não perder o sotaque. Depois de passar por grandes (e saudosas) redações, passou a atuar como freelancer em 2016. Comida é sua paixão e assunto predileto, mas ela não perde a chance de contar uma boa história, seja de que assunto for.

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3 comentários “Paulistana do dedo verde

  1. maria da graca de sordi disse:

    Parabens pela sua atitude maravilhosa ,repletos de bons exemplos ,cheios de ensinamentos saudaveis e de sustentabilidade….queremos participar com voces Como fazer?? Abracos da MARIA E MARIO.

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