O massacre das baleias

Além da gordura, a língua, os ossos e as barbatanas eram muito apreciadas na época.

Documentário mostra como a caça predatória iluminava as ruas e a economia do Rio

Por Lisia Palombini | ODS 11Vídeo • Publicada em 28 de setembro de 2016 - 06:09 • Atualizada em 28 de setembro de 2016 - 11:10

Além da gordura, a língua, os ossos e as barbatanas eram muito apreciadas na época.

Pouca gente sabe, mas o Rio de Janeiro foi um importante núcleo baleeiro do Brasil nos séculos XVII e XVIII. E se a exploração econômica da baleia contribuiu para a ocupação e o povoamento da costa fluminense também foi responsável por reduzir as populações de algumas espécies como a baleia franca-austral que não é avistada por aqui há pelo menos 10 anos. A violência era tanta que os moradores do Centro reclamavam do barulho que as baleias faziam antes de morrer. Em uma só temporada mais de duzentas foram abatidas na Ponta da Armação, em Niterói. Isso sem contar todas as outras que foram mortas nas armações de Búzios, Cabo Frio e Ilha da Gipóia, em Angra.

Os métodos utilizados para atrair os animais eram cruéis. Da Pedra do Arpoador alguém avistava a baleia. Em pouco tempo, um barco repleto de arpões cortava o mar de Ipanema e seguia para as Ilhas Cagarras. A ideia era capturar não a mãe, mas o filhote dela. Atordoada e acuada, a baleia seguia o barco até a praia. Era a sua hora de morrer. A agonia do animal arpoado contrastava com o motivo que o trazia para estas águas: procriar em território livre de predadores, mar calmo, morno e com farta alimentação. Para os homens, a pescaria havia sido um sucesso, mas era só o começo de um longo e lucrativo trabalho de retirada de tudo o que se podia aproveitar do animal.

Essa história – que já foi pesquisada por Myriam Ellis em “A Baleia no Brasil Colonial” (1969) – está registrada agora no documentário “Baleia a Óleo” (Buenas Produções, 2016), que dirigi e roteirizei. O filme traça um paralelo entre o passado e o presente para mostrar o que ainda resta da atividade baleeira no Rio de Janeiro. Uma história praticamente esquecida, mas que pode ser vista a olho nu quando visitamos prédios nas áreas centrais. As paredes da galeria Gentil Carioca e dos restaurantes Cais do Oriente e Trapiche Gamboa são alguns exemplos. Cada baleia produzia, em média, de 12 a 20 pipas de óleo (entre 5 e 8 mil litros) e o que não era aproveitado na iluminação das ruas servia para o preparo de uma argamassa usada nas construções. Curioso que muitas paredes foram cimentadas o que acaba mascarando a exata dimensão dos impactos negativos que essa atividade representou. Tão predatória a ponto de afetar todo o ecossistema da Baía de Guanabara e comprometer a reposição de algumas espécies de baleias.

Além da gordura, a língua, os ossos e as barbatanas eram muito apreciadas na época.
Além da gordura, a língua, os ossos e as barbatanas eram muito apreciadas na época.

São raros os registros da prática baleeira. Era considerada uma atividade menor na sociedade da época. Tudo isso agravado pelas condições precárias de trabalho, o uso de ferramentas quase rudimentares e o mau cheiro que o óleo deixava nas ruas. No fim do século XVIII a produção na indústria baleeira caiu drasticamente. Aos poucos, no Rio de Janeiro, São Paulo e em Santa Catarina, as armações foram sendo abandonadas. Restaram apenas duas armações na Bahia, que já não dependiam do monopólio da Coroa e continuaram uma pequena atividade até meados do século XX. A proibição permanente da caça de baleias só foi aprovada pelo governo brasileiro em 1987.

Preservar essa memória ganha ainda mais força no momento em que está sendo discutida a criação de um santuário de baleias do Atlântico Sul. A nossa política de conservação de baleias precisa dar esse salto também para reparar parte do que foi esse massacre nos tempos coloniais.

Lisia Palombini

É jornalista e pós-graduada em mídia-educação. É sócia da Buenas Produções, trabalhou no jornal Zero Hora e foi repórter e apresentadora na RBS TV. No Canal Futura apresentou, roteirizou e editou o Jornal Futura, Cine Conhecimento, Sala de Notícias, Conexão Futura. Desenvolve projetos para canais de TV paga e escreve roteiros. Está no ar com a quinta temporada do programa Revelando os Brasis.

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