A eletrificação de ônibus urbanos é importante no enfrentamento das mudanças climáticas, mas está longe de ser suficiente para o combate às emissões de carbono no transporte. Tão ou mais importante do que a transição energética é reduzir o uso de automóveis e motos e priorizar o transporte coletivo. Esta foi uma das principais conclusões de especialistas presentes à 9ª Conferência Cidades Verdes, realizada pelo Instituto Onda Azul em parceria com a Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro). “A transição energética e as cidades” foi o tema deste ano. O “abandono urgente” do combustível fóssil também foi defendido por especialistas presentes ao evento, nos dias 16 e 17 de setembro.
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No painel “Transportes sem emissões”, Andrea Souza, coordenadora do Programa de Engenharia de Transportes da Coppe/UFRJ, disse que as mudanças climáticas assumiram uma velocidade “que pode comprometer a nossa existência”. Segundo ela, o transporte de passageiros foi responsável por 47% das emissões de carbono do setor, mas uma pesquisa da Confederação Nacional de Transporte concluiu que a demanda pelo ônibus vem caindo vertiginosamente: de 2017 a 2024, o índice de brasileiros que se deslocam por este modal se reduziu de 45% para 30,9%. Já o uso do carro subiu de 22% para 29%, especialmente por conta dos aplicativos.
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Veja o que já enviamosMudar a lógica do deslocamento
“Não adianta ter ônibus elétrico se as pessoas ainda preferem o automóvel”, diz Guilherme Wilson, gerente de Planejamento e Controle da Semove (Federação das Empresas de Mobilidade do Estado do Rio de Janeiro). A queda na demanda e a ampliação do uso de biocombustíveis, segundo ele, levaram os ônibus a reduzirem as emissões de CO2 em 52% em dez anos.
Para reverter a perda de passageiros, segundo Isaque Ouverney, gerente de Infraestrutura da Firjan, é preciso repensar o desenvolvimento das cidades como um todo. “Não há como falar em mobilidade sustentável sem abordar a necessidade da alteração da lógica do deslocamento”, acredita. “Se uma pessoa mora em Campo Grande e trabalha no Centro, leva duas horas para chegar, acaba fazendo escolhas como comprar uma moto ou um carro”, diz Ouverney. Transição energética, segundo ele, “diz respeito a planejar o território”.
O combate aos combustíveis fósseis
A necessidade de investimento em energias renováveis foi um consenso na Conferência Cidades Verdes. Para Andrea Souza, “é preciso que a gente se afaste de forma definitiva” dos combustíveis fósseis. “O Brasil tem matriz com participação hídrica, eólica, solar e outras renováveis que vêm despontando, e o país pode se destacar na liderança dessa transição justa para uma economia verde com transporte público eficiente”, acredita. O biogás, para Wilson, da Semove, precisa ser mais explorado. “Com o potencial que temos, daria para substituir 70% do diesel usado”, garante ele.
O economista Sérgio Besserman, presidente do Instituto de Pesquisa Jardim Botânico do Rio de Janeiro, foi também peremptório: “Temos que abandonar definitivamente os fósseis.” No painel “A era dos combustíveis fósseis está mesmo no fim?”, Besserman disse que “o carro está nos levando para um aumento de 2,7 graus, se as missões (do Acordo) forem cumpridas. Mas, e se não forem cumpridas?”, questiona. “A probabilidade da extinção da espécie humana, embora pequena, existe.”
Hidrogênio na transição energética
Diante do cenário de calamidade climática vivida por vários países, inclusive o Brasil, a transição para outras fontes de energia limpa é urgente, ressaltaram os debatedores. “A gente vive neste momento um desafio inédito na história da humanidade”, disse Amanda Ohara, coordenadora da Iniciativa Energia e Amazônia do iCS (Instituto Clima e Sociedade). Andrea, da Coppe/UFRJ, sugeriu mais pressão sobre os governos pelo abandono dos fósseis: “Precisamos usar a COP30 para pressionar no sentido de acelerar o fim do uso dos combustíveis fósseis. A comunidade científica está muito preocupada”, disse ela. A 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas acontecerá em novembro de 2025, em Belém.
O Brasil tem potencial técnico para a produção de 1,8 bilhão de toneladas de hidrogênio por ano, e este pode ser um caminho estratégico para a transição energética no país. A conclusão foi dos especialistas do painel “O presente e o futuro do hidrogênio de baixa emissão de carbono”. Para Danielle Valois, da Associação Brasileira de Hidrogênio, diversos segmentos podem ser beneficiados pelo hidrogênio, como empresas de mineração e de transportes pesados. “Precisamos colocar a mão na massa para termos energia mais limpa, e o Brasil tem um potencial enorme para a produção de hidrogênio”, disse Danielle Valois.
Para Carlos Peixoto, cofundador e CEO da H2hellium, a diversificação da oferta de energia é urgente, mas deve ser feita de maneira justa. “Há 50 milhões de brasileiros que não consomem energia digna. Eu me preocupo mais com estas pessoas”, afirma Peixoto, para quem a captação de hidrogênio natural é uma possibilidade futura, mas é preciso investimento em tecnologia para que aconteça. “Nós precisamos ser conscientes do que é possível fazer. Nosso objetivo é descarbonizar”, conclui.
Resíduos não são mais problema, diz Eletronuclear
A conferência também discutiu “O impacto socioambiental das diversas formas energéticas”, abordando questões delicadas como o desmatamento promovido pelos biocombustíveis, os prejuízos sociais e ambientais das hidrelétricas e a preocupação com resíduos de usinas nucleares.
O chefe de gabinete da presidência da Eletronuclear, André Osório, disse que “a questão do armazenamento já foi um problema muito sério, complexo e de difícil solução, mas hoje não é mais”. Segundo ele, os depósitos das centrais estão “quase lotados”, mas a instalação do Centro Tecnológico Nuclear e Ambiental, o Centena, será importante para dar sobrevida de cerca de 20 anos às geradoras de energia, além de suprir a necessidade de espaço de armazenamento de resíduos que, no futuro, devem ser produzidos por Angra 3.
Planejado pelo governo federal para abrigar os resíduos de forma definitiva, o Centena deve ocupar uma área de cerca de 40 hectares em São Paulo, Minas Gerais ou Rio de Janeiro. “Este repositório não atenderia apenas às usinas, mas a outros produtores de resíduos nucleares”, explicou Osório. Ele espera que até 2030, com o início das operações de Angra 3 (atualmente com 65% das obras civis prontas), o Centena esteja em funcionamento. A gestão do espaço ficará a cargo do CNEN, autarquia federal do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação.
Reuso de água e segurança hídrica
O Brasil está muito atrasado no reuso de água, uma ação estratégica para a segurança hídrica das populações e da economia. Foi o que apontaram os especialistas do painel “Reuso da Água e as Cidades Inteligentes”. A vice-diretora do Instituto de Reuso da Água, Maíra Lima, apresentou o caso de Singapura, onde 40% do esgoto tratado são reutilizados. Em Israel, o índice vai a 85%, na Austrália a 15%, mas no Brasil não chega a 1%.
“Cidades inteligentes reusam a água, e ela se reverte em energia, transporte e mobilidade, segurança hídrica, qualidade do ambiente, qualidade de habitações, saúde, iluminação pública, agricultura inteligente, comunicação, educação”, explica Maíra. “Não há uma regulamentação em nível federal nem municipal”, lamenta.
O Estado do Rio de Janeiro está criando uma norma técnica para o reúso de água na indústria, informou a subsecretária de Recursos Hídricos e Sustentabilidade do Estado, Ana Asti. “Estamos vivendo uma escassez hídrica, e a água de reúso é um alicerce importante deste programa estadual”, afirmou.
Cidades precisam ser inteligentes
Ana Asti anunciou a divulgação, no fim de outubro, de um estudo encomendado pelo governo à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que apontará recomendações e diretrizes para que o Rio de Janeiro se torne uma metrópole inteligente – e azul, segundo a sua definição – do ponto de vista dos recursos hídricos, além de sugerir meios de financiamento para tal. “É complexo porque são atores de diferentes níveis envolvidos, porque a água não conhece fronteiras. Bebemos aqui uma água que nasce em São Paulo”, exemplifica.
O gerente de sustentabilidade da Firjan, Jorge Peron, defendeu que as cidades invistam mais em transformações. O conceito de cidade-esponja, em sua opinião, é um dos mais interessantes. “São cidades permeáveis, com soluções que permitem o fluxo e o escoamento naturais da água. Precisamos trazer urgentemente para a nossa realidade urbana soluções como tetos verdes, paredes verdes, pisos e concretos permeáveis, revestimentos porosos, ampliação de parques urbanos etc.”
Para Leonardo Soares, diretor de Assuntos Corporativos da Iguá Saneamentos, “o Rio vive uma falsa sensação de disponibilidade contínua e abundante de água”. Segundo ele, “nosso sistema de estações de tratamento de esgoto não é desenhado com a coformação necessária para que seja produzida água de reuso”. Peron concorda: “Sabemos que vai acontecer (a falta de água). A questão é saber quando e nos prepararmos para isso.”
Municípios campeões em preservação
Secretários de Meio Ambiente de oito municípios fluminenses receberam na Conferência Cidades Verdes moções de reconhecimento do programa ICMS Ecológico. Dez cidades integram o ranking 2024 das que mais preservam o meio ambiente. Criado em 2007, o ICMS Ecológico estabelece critérios de conservação ambiental para o aumento do repasse de recursos aos municípios.
No cálculo, entram índices como conservação de mananciais e das áreas protegidas, tratamento de esgoto, destinação de resíduos, remediação de vazadouro e qualidade do sistema municipal de meio ambiente. Cumpridos os requisitos, as cidades recebem 2,5% do total de ICMS arrecadado pelo Estado.
No ano passado, o grande vencedor foi o município de Cachoeiras de Macacu, seguido de Rio Claro e Silva Jardim. As cidades de Mesquita, Nova Iguaçu, Mangaratiba, Niterói, Paraty, Sapucaia e Nova Friburgo, nesta ordem, completam o IFCA, Índice Final de Conservação Ambiental. Participam das análises de reconhecimento a Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade (SEAS), o Instituto Estadual do Ambiente (INEA) e a Fundação Ceperj.
No Índice de Mananciais, Rio Claro saiu vencedora. Armação de Búzios liderou em Tratamento de Esgoto, enquanto em Gestão de Resíduos o destaque ficou com Barra Mansa, que também venceu o ranking de Remediação de Vazadouro. Paraty liderou em Área Protegida, Mesquita venceu o Índice de Área Protegida Municipal, e Arraial do Cabo, o Índice de Qualidade do Sistema Municipal de Meio Ambiente. Confira os rankings do ICMS Ecológico 2024 em cada índice aqui – https://www.rj.gov.br/ceperj/ranking.