O ar anda irrespirável na Amazônia. As queimadas associadas ao desmatamento estão intoxicando o ambiente. Bebês e idosos estão sofrendo com a poluição. Baseado em dados oficiais de saúde e de meio ambiente, o relatório “O Ar é Insuportável: Os impactos das queimadas associadas ao desmatamento da Amazônia brasileira na saúde” lançado, ontem, diagnostica um problema que pode ser ainda pior este ano, devido a pandemia do novo coronavírus. Vivendo simultaneamente uma crise sanitária e ambiental, os profissionais de saúde ouvidos para o relatório temem maior sobrecarga no sistema de saúde em 2020. Além do fato de a fumaça agravar os sintomas da Covid-19, resultando em mais casos graves e mortes; os meses de agosto e setembro são tradicionalmente os períodos mais críticos para as queimadas, devido o início da estação seca na região.
O relatório concluiu que 2.195 internações hospitalares por doenças respiratórias foram registradas no ano passado e todas elas foram atribuíveis às queimadas. Quase 500 internações envolveram crianças com menos de um ano de idade, o que representou 21% do total de internações, e mais de mil foram de pessoas com mais de 60 anos. Dado que milhões de pessoas foram expostas em 2019 a níveis nocivos de poluição do ar decorrentes das queimadas associadas ao desmatamento da Amazônia, essas internações representaram uma fração do impacto total das queimadas na saúde da população local. Pessoas atingidas pela fumaça tóxica, cujo estado de saúde poderia justificar a internação, sequer procuram o atendimento médico, o que configura subnotificação de casos. É que na Amazônia a infraestrutura de saúde é concentrada em algumas grandes cidades.
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Veja o que já enviamosO desmatamento ilegal e a queimada subsequente ocorrem, muitas vezes, em terras indígenas ou no seu entorno, e sua população costuma levar dias para chegar a um hospital, muitas vezes contando exclusivamente com o transporte fluvial. Segundo o levantamento, em 10% das aldeias indígenas do interior da Amazônia, a população precisa viajar entre 700 e 1.079 quilômetros para chegar a um hospital público. O estudo é fruto de uma parceria entre o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e a Human Rights Watch (WRI).
Em 2019, o primeiro ano do governo Bolsonaro, o desmatamento aumentou exponencialmente: 85%, segundo dados do Deter, o sistema brasileiro de alerta por satélites. O relatório traçou o nexo de causalidade entre a presença de poluentes fortemente associados às queimadas na região amazônica, passo seguinte ao desmatamento, e o agravamento da situação da saúde pública na região. As internações atribuíveis às queimadas no ano passado duraram, em média, três dias, e totalizaram quase sete mil dias nos hospitais.
[g1_quote author_name=”Maria Laura Canineu” author_description=”diretora da Human Rights Watch” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Até que o Brasil efetivamente controle o desmatamento, podemos esperar que as queimadas continuem a cada ano, impulsionando a destruição da Amazônia e intoxicando o ar
[/g1_quote]“Até que o Brasil efetivamente controle o desmatamento, podemos esperar que as queimadas continuem a cada ano, impulsionando a destruição da Amazônia e intoxicando o ar”, comentou Maria Laura Canineu, diretora da WRI no Brasil. “O fracasso do governo Bolsonaro em lidar com esta crise ambiental tem consequências imediatas para a saúde da população na Amazônia, e consequências de longo prazo para a mudança climática global”.
Em agosto do ano passado, mês tradicionalmente considerado o pico do período das queimadas na Amazônia, cerca de três milhões de pessoas em 90 municípios da região foram expostas a níveis de poluição atmosférica nocivos, com índice entre duas e cinco vezes acima do limite máximo de 25 microgramas estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para proteger a saúde humana. Em setembro, o número pulou para 4,5 milhões de pessoas em 168 municípios.
[g1_quote author_name=”Miguel Lago” author_image=”diretor-executivo do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]As autoridades deveriam fazer mais para enfrentar esta crise crônica e evitável de saúde pública
[/g1_quote]“As autoridades deveriam fazer mais para enfrentar esta crise crônica e evitável de saúde pública”, afirma Miguel Lago, diretor-executivo do IEPS. “Elas deveriam implementar um mecanismo eficaz de monitoramento da qualidade do ar e implementar padrões que protejam a saúde por meio de políticas preventivas e responsivas, com atenção especial aos grupos vulneráveis”.
De acordo com a Política Nacional de Mudanças do Clima, o governo Bolsonaro se comprometeu a reduzir a taxa geral de desmatamento anual para 3.925 quilômetros quadrados até 2020. Em vez disso, 4.700 quilômetros quadrados já haviam sido desmatados até o final de julho deste ano. Tudo indica, portanto, que as queimadas na Amazônia serão mais intensas este ano, até porque 34% da área de floresta derrubada ainda não foi queimada.
Assim como minimizou a pandemia, que chamou de “gripezinha”, o presidente Bolsonaro vem menosprezando a crise ambiental. No começo de agosto, durante uma reunião com líderes sul-americanos, disparou: “Eles não encontrarão nenhum foco de incêndio, nenhum quarto de hectare desmatado”. Os dados estatísticos mostram justamente o contrário. Em julho último, foram detectados 28% mais focos de calor do que no mesmo período de 2019. O envio das Forças Armadas à Amazônia parece estratégia para inglês ver, porque as operações têm sido incapazes de conter o desmatamento e o aumento das queimadas. A principal fonte de emissões de gases de efeito estuda no país é a mudança do uso da terra, via destruição da floresta e o reaproveitamento da área para pastagem.