A luta da Onça, a luta de Brasis

Acadêmicos do Grande Rio levam mito do Velho Onça dos Tupinambás para Marquês de Sapucaí

Por Thiago Camara | ODS 11ODS 15 • Publicada em 13 de fevereiro de 2024 - 12:13 • Atualizada em 9 de abril de 2024 - 15:50

A Onça celeste iluminada no desfile da Grande Rio: mito da criação do mundo, na crença tupinambá (Foto: Antonio Scorza / Riotur)

Vários Brasis desfilaram no Sambódromo da Marquês de Sapucaí, na madrugada de domingo (11) para segunda (12 de fevereiro). A Acadêmicos do Grande Rio fez jus ao seu enredo: “Nosso destino é ser Onça!” e entrou na Avenida para lutar. Não só pelo título do campeonato de 2024. A luta que a escola do município de Duque de Caxias mostrou é de um país diverso, plural, onde homem, mata e bichos se encontram no Carnaval. A Grande Rio ficou em terceiro lugar na disputa das escolas de samba do Carnaval 2024 e volta à Passarela neste sábado (17/02) para o Desfile das Campeãs.*

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“São diversos Brasis que a gente encontra entendendo a figura da onça como esse personagem central e a gente vai desde 15 mil anos atrás até o futuro, pensando que o futuro é ancestral. Para entendermos que o futuro é algo que a gente olha pra frente, vendo o que ficou para trás. É a mesma simbologia do Sankofa, que caminha pra frente olhando pra trás. Essa é a importância do enredo da Grande Rio”, disse ao #Colabora, o carnavalesco da escola, Gabriel Haddad, que assina o enredo junto com Leonardo Bora.

Temos que entender a importância da onça, que é símbolo de luta e é isso que a gente vai fazer na avenida: lutar

Gabriel Haddad
Carnavalesco da Grande Rio

O Salgueiro nem tinha 30 minutos do seu desfile e a concentração da Grande Rio já era um corre-corre, gritos e tensão. Os momentos que antecedem um desfile de uma escola no grupo especial do Rio de Janeiro é o mais aguardado pelo povo do samba. Nada pode dar errado. E a escola de Caxias apostou alto. Pela primeira vez usou a, tão criticada, nova iluminação do Sambódromo da Marquês de Sapucaí. E a distribuição de pulseiras de led, a la Coldplay, que podia dar muito errado, deu certo.

“Trovejou, escureceu”, começava o samba-enredo da Grande Rio. E a Marquês de Sapucaí ia ao delírio, com os efeitos luminosos das pulseiras e de uma alegoria de Onça gigante iluminada junto a uma Comissão de frente com fantasias neon. Era o mito da criação do mundo, que na crença tupinambá a humanidade é toda uma poeira cósmica que vagueia pelo infinito até a grande onça celeste.

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Como um livro a céu aberto que é a Marquês de Sapucaí, a Grande Rio escolheu contar sua história inspirada no livro “Meu destino é ser Onça”, de Alberto Mussa. Onça, florestas, povos indígenas: Brasil. O motivo dessa mistura estava na ponta da língua do carnavalesco Gabriel Haddad: “Temos que entender a importância da onça, que é símbolo de luta e é isso que a gente vai fazer na avenida: lutar”, disse ele.

Integrante da Ala das baiana, Bianca Roque chegou à Praça da Apoteose em êxtase, para ela a Grande Rio já é campeã por mostrar a luta de toda a comunidade e de todas as mulheres negras como ela. “Somos como a onça: lutadora, “trabalhadora”, que enfrenta tudo, sem medo. Para chegarmos até aqui hoje, só com muita garra”, contou Bianca.

Alegoria no desfile da Grande Rio: onça como personagem central da história de muitos Brasis (Foto: Marco Terranova / Riotur)
Alegoria no desfile da Grande Rio: onça como personagem central da história de muitos Brasis (Foto: Marco Terranova / Riotur)

Carnaval é político e a Grande Rio encerrou seu desfile com uma mensagem que ecoa desde antes de 1500, mas ultimamente com mais urgência: Brasil Terra indígena. Em seu desfile os mitos e histórias dos Tupinambás não passaram em vão. Esse povo indígena já habitava o Brasil, do Recôncavo Baiano até o Rio de Janeiro, quando os portugueses invadiram suas terras. Ao longo da Avenida, os animais com os quais convivem os Tupinambás, a antropofagia, característica desse povo e as matas das quais são guardiões e tiram seus sustentos.

Iguitto, estreando na Comissão de Frente da escola, disse ser importante enredos que tratam de política e da natureza. “O enredo da Grande Rio traz também a conservação da biodiversidade. É importante a gente guardar o que temos de valioso. Essa visibilidade que dão agora e cada vez mais para os povos indígenas é muito importante. Quanto mais tivermos enredos e debates dessa forma as pessoas vão se conscientizar sobre esses temas”, disse ele.

Desfile da Grande Rio na Sapucaí: enredo “Nosso destino é ser Onça!” empolgou componentes e público

No desfile da Grande Rio, a onça também caiu no samba. Uma das alegorias foi chamada de Onças Foliônicas que trazia O Carnaval como a grande catarse antropofágica, onde todos, todas e todes podem soltar suas feras. E a diversidade seguiu presente com a ala das Panteronas e Bichanas que representavam a luta contra a homofobia.

Na frisa de um camarote, John Lenon, empunhava a camisa da Grande Rio e se conectava com todos os integrantes da escola que passavam na sua frente. Alguns paravam para beijar a blusa. Outros acenavam e vibravam pela torcida. Ele fez seu julgamento, nada imparcial parcial. “Tudo perfeito, carros e fantasias perfeitas”.

Para ele, o enredo escolhido por Gabriel e Leonardo são um resumo do Brasil. “Todo mundo tem um pouco de onça. Somos lutadores e guerreiros. Ela vive na selva, lutando todos os dias. E nós também somos batalhadores, travando nossas lutas e guerras de todo dia”.

*Atualizado em 14/02 para adicionar a colocação da Grande Rio na disputa das escolas de samba do Carnaval 2024 no Rio de Janeiro

Thiago Camara

Thiago Camara é jornalista formado pela PUC-Rio, apaixonado por samba. Desde 2015 faz coberturas do Carnaval, nos desfiles das escolas de samba e nos blocos de rua do Rio. Já teve passagens pelo IG, UOL, revista Quem. No jornalismo ambiental trabalhou no Portal O Eco. Já coordenou a Comunicação da Anistia Internacional Brasil. Atualmente é Analista de Comunicação e Marketing no Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio).

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