Na clássica trilogia das cores, do cineasta polonês Krzysztof Kieslowski, lançada no início dos anos 1990, a liberdade era azul, a igualdade branca e a fraternidade vermelha. No Rio do século XXI, com sensação de térmica de quase 60 graus, a desigualdade tem muitas cores, mas uma delas, sem dúvida é o verde. Basta olhar esse mapa aí embaixo, feito pela Fundação Parques e Jardins, da Prefeitura do Rio, em 2021, e atualizado em setembro deste ano, para identificar claramente onde vivem os contemplados por uma boa cobertura vegetal e onde está a população desprovida de quase qualquer verde.

Segundo a prefeitura, os bairros mais prejudicados são Cordovil, Santa Cruz, Cachambi, Bangu, Honório Gurgel, Acari, Vila da Penha, Osvaldo Cruz, Cidade de Deus e Marechal Hermes. Todos na Zona Norte e Oeste da cidade. Do outro lado, com diferentes matizes de verde, sombra e ar fresco aparecem a Gávea, o Jardim Botânico e o Grajaú.
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Alguém pode argumentar que não há novidade nisso, que sempre foi assim. É verdade. O crescimento da cidade em direção às zonas Norte e Oeste jamais considerou detalhes como a importância da cobertura das árvores, as sombras que elas oferecem e o conforto térmico. A diferença é que hoje, com o agravamento da crise climática, cidades como o Rio de Janeiro sofrem com um “calor da porra”, como diria um amigo. Também é possível dizer que não é novidade a falta de luz em alguns bairros. Sempre foi assim. Só que com os termômetros girando com mais frequência em torno dos 40 graus, as pessoas usam mais ar-condicionado, o sistema fica mais sobrecarregado e falta mais luz.
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Veja o que já enviamosAlguns bairros de Niterói acabaram de ficar até cinco dias sem energia. Ficar sem luz significa não ter ar-condicionado, não ter ventilador e não ter nem água gelada. Em sua coluna na Folha de S. Paulo, no último dia 15, o advogado Thiago Amparo, foi preciso: “Está calor? Sim. Para todo mundo de forma igual? Não. Quantos aparelhos de ar-condicionado ou umidificador de ar você tem em casa? Em São Paulo, apenas 210 das 5.600 escolas da rede estadual possuem sistema de refrigeração (3,7%), segundo dados oficiais; em 12 escolas em Guarulhos as paredes e telhas são de chapa de aço, superaquecidas”.
O problema é que a diferença térmica entre um bairro arborizado da Zona Sul e um bairro árido da Zona Oeste do Rio pode variar entre cinco e dez graus Celsius. Dados do Plano Diretor de Arborização Urbana (PDAU Rio) indicam um déficit de cerca de 1 milhão de árvores nos bairros mais desassistidos. Não é de hoje que a Prefeitura promete investir em cobertura vegetal. No projeto da candidatura do Rio para sediar os Jogos Olímpicos de 2016, chegou-se a prometer o plantio de 24 milhões de árvores. Mas um relatório do Instituto Pereira Passos (IPP) mostrou que o número de árvores na cidade, entre 2009 e 2015, não só não subiu como caiu em cerca de 700 mil unidades. No mesmo período, a cidade havia ganho mais de 10 km² de área construída. Ou seja, mais concreto e menos área verde.
O Rio poderia seguir o exemplo do Quênia, que neste mês de novembro decretou um dia de feriado nacional para encorajar os moradores a plantar 100 milhões de árvores. O objetivo, declarado pelo governo, é combater as mudanças climáticas. Com uma população de 50 milhões de habitantes, cada queniano foi incentivado a plantar pelo menos duas mudas para que se alcance a meta. Na verdade o objetivo ambicioso do país da África Oriental é ter 15 bilhões de árvores plantadas nos próximos dez anos. Enquanto isso, por aqui, seguimos plantando marketing e deixando de investir em uma cidade que poderia respirar muito melhor.