O Grande Mestre do Nordeste no tabuleiro do xadrez mundial

O pernambucano Yago Moura na Copa do Mundo de Xadrez, em Baku (Azerbaijão): das praças de Recife a Grande Mestre Internacional (Foto: Arquivo Pessoal)

Pernambucano Yago Santiago dá xeque-mate na baixa popularidade do esporte e na falta de investimentos na região e brilha no cenário internacional

Por Adriana Amâncio | ODS 10 • Publicada em 4 de agosto de 2023 - 09:37 • Atualizada em 21 de novembro de 2023 - 19:46

O pernambucano Yago Moura na Copa do Mundo de Xadrez, em Baku (Azerbaijão): das praças de Recife a Grande Mestre Internacional (Foto: Arquivo Pessoal)

Sabe o que impressiona quando um Moura vence um Shabalov em partida oficial, num torneio internacional de xadrez? Esses sobrenomes representam a disputa entre o Nordeste do Brasil, região historicamente sem tradição e sem investimento no esporte, e a Letônia, país do norte da Europa, um dos berços do xadrez e que investe nos atletas ainda na adolescência.

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Por essa razão, a trajetória do pernambucano Yago Santiago Moura, enxadrista de 31 anos, é fora da curva. “Esse jogador vivia na Letônia, mas passou a viver nos Estados Unidos, após a União das Repúblicas Socialistas se dissolver. Foi uma grande conquista”, explica o enxadrista. A partida contra Alexander Shabalov, 25 anos mais velho que o brasileiro, aconteceu pela XVI edição do Campeonato Continental das Américas Absoluto, realizado, em maio deste ano, em Juan Dolio, na República Dominicana.

Hoje, as pessoas veem em mim uma referência. Quando comecei, não tinha um enxadrista de referência na Região Nordeste

Yago Santiago Moura
Grande Mestre Internacional de xadrez

A competição reuniu grandes mestres e mestres de 25 países das Américas como Estados Unidos, Cuba e Argentina. A boa participação no Campeonato Continental rendeu a Yago a classificação para a Copa do Mundo de Xadrez, que está sendo disputado, em Baku, no Azerbaijão, até 24 de agosto. O pernambucano é um dos seis enxadristas a representar o Brasil na competição.

Combinando paixão e autodidatismo, no início da carreira, e muito estudo, disciplina e um estilo agressivo, na fase profissional, o jovem não cansa de acumular títulos. A primeira classificação para uma final do Campeonato Brasileiro de Xadrez veio aos 15 anos, em 2007. “Essa foi a virada de chave na minha cabeça. Foi essa conquista que fez com que eu enxergasse o meu potencial competitivo e investisse em alçar voos mais altos”, recorda Yago. Dez anos depois, em 2017, veio o título de Grande Mestre Internacional de xadrez. Naquele ano, ele consagrou-se como o 13º Grande Mestre Internacional do Brasil, segundo na região Nordeste.

Yago tem estilo surpreendente e agressivo. O adversário nunca sabe o que se passa na cabeça dele. Ele tem paixão pelo xadrez e reflete isso no jogo

Krikor Sevag Mekhitarian
Grande Mestre Internacional de xadrez

Os títulos de Mestre Internacional e Grande Mestre, concedidos pela Federação Internacional de Xadrez (Fide) são vitalícios e representam o ponto mais alto o qual um jogador pode alcançar. Para isso, é necessário atingir pontuações pré-estabelecidas de rating, um indicador que mede o desempenho de um enxadrista. Para Grande Mestre, é preciso atingir 2.500 de rating. Já para Mestre Internacional, o rating mínimo é de 2.400. Também é considerada a trajetória de sucesso em disputas contra grandes mestres internacionais; só jogadores muito fortes alcançam esse posto.

Se, em 2007, a classificação para a final do Brasileiro foi um grande salto na carreira, em 2022,  Yago alcançou o título de de vice-campeão brasileiro, na competição disputada em Recife, sua cidade natal: foi o único pernambucano a alcançar tal feito no século 21. Ainda no século 20, o jogador Eduardo Asfora foi vice em 1950, 1962 e 1971, e Luiz Tavares, campeão em 1957.

Para manter essa trajetória de competições e vitórias, que, além de agitada e intensa, exige muito vigor e concentração, (uma partida oficial de xadrez dura, em média, até 4 horas), o jovem tem uma rotina disciplinada, com muito treino teórico e prático. Além disso, Yago, que hoje vive na capital paulista, compete em torneios locais por Campo Limpo, cidade do interior de São Paulo.

Grande Mestre e jogador com muito experiência, o enxadrista Krikor Sevag Mekhitarian, brasileiro de descendência armênia, conhece bem a carreira de Yago e considera a sua trajetória competitiva e corajosa. “Yago tem estilo surpreendente e agressivo. O adversário nunca sabe o que se passa na cabeça dele e sempre vem uma jogada surpreendente. Ele tem paixão pelo xadrez e reflete isso no jogo”, comenta.

Yago com o troféu de campeão da Copa Mercosur, na Argentina, em 2014: finalista no Brasileiro com 15 anos, Grande Mestre com 25)
Yago com o troféu de campeão da Copa Mercosur, na Argentina, em 2014: finalista no Brasileiro com 15 anos, Grande Mestre com 25)

Primeiro contato com o xadrez

Yago conheceu o xadrez, aos oito anos, pelas mãos do seu pai, o jornalista Vandeck Santiago, apaixonado pelo jogo. Aos dez, o menino já disputava partidas com adultos para elevar o nível competitivo. Em seguida, passou a percorrer praças de Recife e outros pontos onde passava o dia disputando partidas com jogadores de diversos níveis de habilidade.

O gosto pelo xadrez foi ocupando cada vez mais espaço na vida de Yago ao ponto do jovem esquecer do tempo, enquanto jogava. “Ele saia para o Parque 13 de Maio e ficava o dia todo jogando, era tão focado que comia algo simples e só pensava em jogar. Recebia um colega em casa e ficava jogando até duas horas da madrugada, sem demonstrar cansaço. Era muito amor pelo jogo”, relembra o pai.

A conquista dele é algo extraordinário! Fora da curva! Na época que apresentei o xadrez a ele nunca imaginei que ele iria se tornar Mestre Internacional

Vandeck Santiago
Jornalista e pai de Yago

Em 2006, aos 14 anos, Yago já disputava provas como jogador estadual. “Ele participou de um dos maiores torneios de xadrez do Brasil, a Copa Mercosul, com 200 participantes, realizada em São Paulo”, pontua Vandeck. Aos 16 anos, Yago passou a participar de competições regionais por conta própria.

De forma autodidata, ele disputava torneios em busca de aperfeiçoar o conhecimento e o nível competitivo. “Ele começou a participar de competições regionais por conta própria, eu apoiava com os custos financeiros de transporte e alimentação. Ele viajava para Barbalha, Petrolina para participar de competições; era fase dele como autodidata”, completa Vandeck.

O pequeno Yago no tabuleiro com o pai que o ensinou a jogar: estudo e competições regionais para evoluir no xadrez (Foto: Arquivo Pessoal)

Quando pergunto ao pai o que passa na cabeça dele ao ver que aquela criança a quem ele apresentou o xadrez rompeu barreiras, ele responde sem titubear. “A conquista dele é algo extraordinário! Fora da curva! Na época que apresentei o xadrez a ele, nunca imaginei que ele iria se tornar Mestre Internacional”, avalia entusiasmado.

Neste caso, as dificuldades envolvem especialmente reconhecimento e investimento no xadrez. Ele afirma que na Europa, por exemplo, quando o talento de uma criança é identificado, logo ela passa a contar com um professor de alto nível, além de ter acesso aos conteúdos acadêmicos de referência no assunto.

No Brasil e na Região Nordeste, a realidade é bem diferente. Não são realizados investimentos financeiros suficientes e, apesar dos avanços, o esporte ainda está restrito às camadas mais altas. “Como eu jogo xadrez, eu sei das dificuldades. Ele [Yago] não teve Grandes Mestres como professores, nem acessou [no início da carreira] conteúdos de alto nível. Por isso, chegar onde ele chegou é totalmente fora da curva,” reforça Vandeck.

A história de Yago se assemelha aquela contada na série O Gambito da Rainha, exibida pela Netflix. Na trama, uma garota aprende a jogar xadrez no porão do orfanato onde está abrigada, ao lado de um homem mais velho. Com o passar do tempo, ela avança em competições, derrotando grandes jogadores. Para a personagem, o xadrez era uma forma de passar o tempo, em uma infância destroçada pelo trauma da perda da família e sem muitas perspectivas. Para Yago, o xadrez é uma paixão, que foi perseguida como um propósito de vida.

Yago em competição internacional de xadrez: esperança de popularização com ensino nas escolas (Foto: Federação Internacional de Xadrez / Reprodução)

Impacto das conquistas

A história do xadrez competitivo no Brasil é curta. Enquanto no mundo, o jogo surgiu no século VI, na Índia, avançou à China, Japão, Pérsia e, em seguida, Itália; por aqui, as primeiras competições só ocorreram em 1927, três anos após a criação da Confederação Brasileira de Xadrez, criada em 1924. Ao longo desse pouco mais de um século, foram formados 15 Grandes Mestres, dos quais apenas dois são do Nordeste. Como se vê, a história do xadrez no Brasil é recente e parte dela está sendo escrita com a participação desse pernambucano “fora da curva”, como diz o pai.

Na avaliação de Yago, desde a sua projeção no xadrez mundial, ocorreram mudanças na forma como o xadrez é tratado no Brasil. “Hoje, as pessoas veem em mim uma referência. Quando comecei, não tinha um enxadrista de referência na Região Nordeste”, destaca. Além disso, o atleta acredita que o esporte se tornou mais popular, especialmente na internet. Ele também observa que, hoje, as escolas têm mostrado interesse em inserir o esporte na grade curricular, facilitando o acesso de crianças e adolescentes. Enquanto se divertem, elas têm o desenvolvimento cognitivo, intelectual e a concentração estimulados pelo jogo.

Se mais do que auxiliar no aprendizado das crianças, a popularização do xadrez revelar novos talentos, é válido que o Brasil esteja atento a isso e invista na formação de novos atletas. De acordo com Yago, a carreira competitiva de um jogador de xadrez dura, em média, até os 40 anos (dos 10 primeiros do ranking mundial, apenas um tem mais de 40). Se esse pernambucano, de 31 anos, tem como especialidade intensidade, que leva a grandes resultados, superando adversidade e curso natural do tempo, até ele completar quatro décadas de vida, certamente, o Brasil ainda irá celebrar muitas vitórias com gostinho especial de cuscuz com carne de sol.

Adriana Amâncio

Jornalista, nordestina do Recife. Tem experiência na cobertura de pautas investigativas, nas áreas de Direitos Humanos, segurança alimentar, meio ambiente e gênero. Foi assessora de comunicação de parlamentares na Câmara Municipal do Recife e na Assembleia Legislativa de Pernambuco. Foi assessora da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e, como freelancer, contribuiu com veículos como O Joio e O Trigo, Gênero e Número, Marco Zero Conteúdo e The Brazilian Report.

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