Nas últimas semanas, a morte de George Floyd, um homem negro assassinado por um policial americano, deu origem a uma avalanche de protestos antirracistas nos Estados Unidos. Por aqui, onde o extermínio de jovens negros por policiais é ainda mais comum, a indignação reverberou. Protestos nas ruas e hashtags nas redes sociais abriram uma discussão (há muito necessária e urgente) sobre o racismo sofrido pela população negra – mais do que nunca evidente em tempos de pandemia, que expõe, de maneira mais intensa, a enorme desigualdade na qual estamos mergulhados.
Muita gente tem replicado a famosa frase de Angela Davis: “Não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”. Assim, na tentativa de que a indignação provocada por esses assassinatos não morra como mais uma moda da internet, é vital descobrir maneiras para colocar o antirracismo em prática. Tem muita gente ensinando por aí: olhar para o lado, para as pessoas com quem você trabalha, seus amigos próximos, até sua lista de ex-namoradxs, e pensar: “Por que não há mais pessoas negras aqui?” é um bom começo.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Consumir conteúdos produzidos por pessoas negras é outra iniciativa essencial: a diversidade de pontos de vista é decisiva para ampliar nossa visão de mundo. Como a minha praia é cultura, separei aqui uma lista de séries, filmes, livros e discos produzidos por pessoas negras.
[/g1_quote]Consumir conteúdos produzidos por pessoas negras é outra iniciativa essencial: a diversidade de pontos de vista é decisiva para ampliar nossa visão de mundo. Como a minha praia é cultura, separei aqui uma lista de séries, filmes, livros e discos produzidos por pessoas negras. São coisas das quais gostei muito ou que me foram muito bem recomendadas e estão na lista. Pode mergulhar com vontade porque há opções para todos os gostos, das mais cabeçudas às mais leves e divertidas. Porque isso é bem importante: preto não fala só de racismo! Também podemos produzir histórias de amor, de terror, de ficção científica… Aproveite!
SÉRIES
“Insecure” é uma série criada, roteirizada e protagonizada pela maravilhosa chamada Issa Rae. É sobre uma mulher negra de 30 e poucos anos, com a vida amorosa toda problemática, e que anda meio perdida, tentando se encontrar (Oi, Issa Rae, tudo bem? Você se inspirou na minha vida? Risos nervosos). Brincadeiras à parte, é engraçada, é emocionante, é 100% contemporânea e é boa demais. Tem na HBO.
“RuPaul’s drag race” é um reality show de competição de drag queens mas é tão TÃO mais do que isso. Além de ser muito divertido, engraçado e artístico, tem momentos de verdadeiras aulas sobre racismo, LGBTfobia, culturas negra e LGBT, além de um potencial imenso para o desenvolvimento de empatia. Para quem não sabe, é idealizado por um homem negro gay e drag queen que atende pelo nome de RuPaul Charles. Procure saber. Tem na Netflix.
“Dear white people” é uma série criada por Justin Simien (ele já tinha dirigido um longa homônimo) que discute o racismo pelos mais variados aspectos, colocando muitos dedos nas feridas – dos negros inclusive. Para além disso é também uma série jovem com muitos triângulos amorosos, intrigas, traições e outras bobagens do tipo porque, adivinha só?, isso também acontece com pessoas negras! Nossa vida não é só sofrer racismo, ainda bem. Vale muito, dá pra rir, pra chorar, pra pensar, pra ter crush nos personagens, tudo na mesma série. Tem na Netflix.
“Atlanta” é uma série idealizada pelo Donald Glover (ele é também o músico Childish Gambino, mas para mim será eternamente o Troy de “Community” ❤) e acompanha a vida de um jovem negro periférico no universo do hip hop – essa é uma descrição bem superficial da série, mas é melhor assistir. Eu confesso que hoje em dia acho a trama um pouco masculina demais (desculpem admitir isso, mas eu me interesso cada vez menos por esta temática em séries/filmes/livros – na vida real continuo interessada porque a deusa me amaldiçoou com a heterossexualidade… risos) mas vale a pena assim mesmo! Tem na Netflix.
“How to get away with murder” é uma série produzida pela Shonda Rhimes (ela não é a idealizadora, mas tem dedo dela em tudo ali) e é minha dica pra quem curte um estilo mais novelesco. A coisa mais incrível aqui é que a protagonista é uma mulher, negra, de uns 50 anos, que faz o quer, pega todo mundo, é fora da lei e toca o terror geral – e isso é coisa pra caramba pra uma série americana de TV aberta. Tem assassinato, intriga, muita pegação, tramas que não fazem o menor sentido, é diversão pura. E tem Viola Davis, essa maravilha da natureza. Tem na Netflix e é exibida no canal Sony.
“A black lady sketch show” é uma série da HBO que tô doida pra assistir. Criada pela Robin Thede, é, basicamente, uma sequência de esquetes de comédia protagonizados por comediantes negras, com temas que vão de sexo e relacionamentos até religião. Absolutamente todas as roteiristas e atrizes são mulheres negras – e isso é inédito. Será minha próxima empreitada.
“Greenleaf” é outra série estilo novelão que já me foi recomendada e acompanha a rotina de uma família que administra uma igreja em Memphis. É aquela clássica série de familia, tipo “Party of five”, “Parenthood” e muitas outras que conhecemos bem, com a diferença de ser uma família negra, vejam só. Parece ter aquilo tudo que faz uma boa série novelesca: muita traição, muita reviravolta, muita intriga e muita choradeira. Também está na Netflix.
LIVROS
Tem que começar cedo para criar pequenos antirracistas, e sugiro dois que livros tratam do assunto de forma muito lúdica e linda. O “Amoras“, do Emicida, é inspirado numa conversa que ele teve com a filha, e que primeiro virou música, depois livro. Já o “Da minha janela“, do Otávio Júnior, apresentas as belezas – e as tristezas – de uma favela do Rio pelo olhar infantil. As ilustrações dos dois são maravilhosas também.
Eu sou verdadeiramente obcecada por esse romance e falo dele toda hora, mas é porque “Americanah“, da Chimamanda Ngozie Adichie, é um dos meus livros favoritos da vida. A protagonista é uma mulher nigeriana que “descobre” o racismo quando vai morar nos EUA, mas o livro é sobre muito mais do que isso. É também uma trama envolvente, uma história de amor, uma reflexão sobre feminismo. Apenas leia.
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Veja o que já enviamosNa seara dos livros juvenis, eu gosto muito do “O ódio que você semeia“, da Angie Thomas. A história é super contemporânea: a protagonista é uma adolescente que vê o melhor amigo – negro – ser morto por um policial – branco. É um livro sobre uma espécie de tomada de consciência da menina, mas também explora sua relação com os amigos brancos, com a família e com sua própria identidade. Já tem filme também.
Jarid Arraes é uma autora maravilhosa de vários livros incríveis que valem a pena ler, mas escolhi esse “Heroínas negras brasileiras em 15 cordéis” porque foi como a conheci e porque é uma joia de tão lindo. O título é super autoexplicativo: são as trajetórias de mulheres negras importantes da história do Brasil contadas em cordéis lindíssimos. E as ilustrações são arrasadoras – a ilustradora também é uma mulher negra, aliás.
Eu já citei Shonda Rhimes na lista de séries, e aqui está ela novamente, porque essa mulher é um fenômeno. “O ano em que disse sim” é basicamente um livro de autoajuda e é bem legal. Pra quem não a conhece, a Shonda é uma executiva de TV poderosíssima e, neste livro, ela conta que costumava ser uma pessoa bem carrancuda e negativa, até o dia que embarcou num projeto: dizer “sim” para tudo durante um ano. Ela não é gênia à toa, e conta de maneira super divertida e envolvente como essa ideia mudou a sua vida.
Djamila Ribeiro dispensa apresentações e também tem muita coisa escrita por ela que precisa ser lida, mas esse “Pequeno manual antirracista” devia ser leitura obrigatória pra todo mundo. O que mais admiro na Djamila é a clareza e o didatismo com os quais ela fala sobre conceitos complexos. Mais mastigado do que tá aqui é impossível, amigos. Só continua sendo racista se quiser.
Eu não sou muito de ficção científica, mas até fiquei curiosa sobre a trilogia A Terra Prometida, da N.K. Jemisin, depois de ler um ensaio da autora. Ela foi a primeira mulher negra a vencer o prêmio Hugo, o mais famoso de literatura fantástica – e inclusive ganhou três vezes seguidas com esta trilogia. A ficção especulativa (que é o termo guarda-chuva usado para falar de fantasia, ficção científica, terror etc.) é historicamente bastante branca e eurocentrada, então ler a perspectiva de uma mulher negra me parece uma ideia bem interessante. Tá na minha lista!
Eu comecei a ler “O crime do Cais do Valongo“, da Eliana Alves Cruz, hoje, no dia em que escrevo este texto! Já me foi muito bem recomendado, e o que eu sei é que se trata de um romance policial e histórico, que começa na África e vem até o Rio de Janeiro, mesclando as pistas e a trama envolvente de uma boa investigação policial com um retrato histórico da cidade.
FILMES
Quando se fala em cineasta negro, o primeiro nome que me vem à mente é Spike Lee. Recomendo fazer uma busca na Netflix e no Telecine Play, onde estão disponíveis vários filmes dele. Escolhi esse “Infiltrado na Klan” porque me parece uma boa introdução à obra dele. O filme conta a história real e maravilhosa de um policial negro que, nos anos 70, conseguiu se infiltrar e denunciar uma célula da Ku Klux Klan. O filme tem momentos muito pesados e outros bem engraçados – é meio a vibe dele -, além de dialogar muito com nossos tempos.
Glenda Nicácio e Ary Rosa são dois cineastas baianos e os responsáveis por um dos meus filmes favoritos de 2018, “Ilha“. Infelizmente, ele passou apenas no Festival do Rio e até hoje não entrou em circuito, mas felizmente a produtora deles, a Rosza Filmes, disponibilizou esse e os outros dois filmes da dupla no canal do YouTube deles até o dia 2 de julho. Corram! “Ilha” é um filme bem lindo e forte sobre o próprio cinema e o poder da arte. Os outros dois filmes são “Café com canela” e “Até o fim”.
Eu não sou nada fã de filmes de terror mas, sendo do Jordan Peele, eu vejo – morrendo de medo – mas vejo. Os dois longas dele, “Corra!” (tem na Netflix) e “Nós” (Telecine) são incríveis: são filmes de gênero bem eficientes – o suspense deixa nervoso mesmo e o terror dá medo sim – e usam isso pra discutir temas complexos e essenciais. Tenho dúvida sobre qual dos dois é o meu favorito, mas o “Nós” ficou gerando discussão num grupo de amigos fãs durante meses, de tanta coisa que ele aborda. Vale muito a pena.
Existe uma cena de cinema nacional contemporânea muito forte rolando em Contagem, Minas Gerais. Um dos cineastas de lá é o André Novais Oliveira, diretor do “Temporada” (tem na Netflix). O filme é protagonizado por Grace Passô, atriz, diretora e escritora maravilhosa que também vale dar um google, e a sinopse é bem simples: conta a história de uma mulher que muda de cidade, de trabalho e se adapta à nova rotina. Não é o tipo de filme para quem gosta de grandes suspenses e reviravoltas, mas é lindíssimo e delicado.
“Atlantique” (Netflix) é um longa da diretora Mati Diop, francesa de ascendência senegalesa, que ganhou o Grande Prêmio no Festival de Cannes de 2019. É um filme que me deixou muito impactada quando vi. A trama fala de temas superurgentes e contemporâneos como refúgio, desigualdade, machismo, mas tem também fantasmas e uma aura quase etérea. É difícil de explicar, e é muito surpreendente. Juro que vale a pena assistir.
A americana Ava DuVernay é diretora de filmes importantes como “A 13ª emenda” e “Selma”, mas vou indicar aqui um filme para a toda a família, porque acho que está faltando um desses: “Uma dobra no tempo“. É uma história fantástica de uma menina que conta com a ajuda de três… entidades? femininas para tentar encontrar o pai desaparecido. É fofo, tem mulheres maravilhosas e é bom para ver com as crianças. Está no Telecine Play.
“Moonlight“, de Barry Jenkins é um filme lindo que acompanha a trajetória do protagonista ao longo da infância, adolescência e idade adulta. Sua relação difícil com a família, com a sexualidade e sua própria identidade é retratada de forma muito delicada pelo diretor. Um detalhe: em pleno 2016, “Moonlight” foi o primeiro filme com elenco todo negro a vencer o Oscar de melhor filme. Tem na Netflix.
DISCOS
“AmarElo“, o álbum mais recente do Emicida é uma coisa linda: mesmo que você não goste de rap (não é muito a minha também), vale a pena, porque ele é bem mais que isso. Tem participações especiais bem bacanas que vão de Pablo Vittar a Fernanda Montenegro, de Mc Tha a Pastor Henrique Vieira. Minhas favoritas são a canção-título (com um sampler maravilhoso de Belchior), “Ismália”, “A ordem natural das coisas” e “Principia”. “80 tiros te lembram que existe pele alva e pele alvo”.
Eu conheci a Doralyce na primeira vez que fui num evento do Slam das Minas (procure saber também, mas isso é assunto pra outro momento… risos). Depois, comecei a ouvir a música “Miss Beleza Universal” em tudo que é lugar, até em bloco de carnaval. Eu ainda não conheço muito mais dela do que isso, mas só esse hit já vale o confere: é um hino e é 100% rebolativo. Ela também canta “Cota não é esmola” com a Bia Ferreira (elas são um casal) e lançou este ano um single com o Digitaldubs, um reggae chamado “Jah Wanna Know”.
Teve uma época que ouvi TANTO o “Channel orange” que, se ainda fosse LP, tinha furado. Esse disco do Frank Ocean foi muito incensado na época do seu lançamento (2012), e com toda razão. Eu não entendo de música o suficiente pra explicar porque ele é tão revolucionário, mas é uma mistura maravilhosa de R&B, música eletrônica, um toque meio psicodélico… Que músicas deliciosas! É difícil destacar uma. Mas “Thinking about you”, “Sierra Leone” e “Pyramids” merecem atenção. O álbum inteiro merece!
Tenho certeza que não preciso apresentar Beyoncé pra ninguém, mas talvez nem todo mundo saiba que ela tem uma irmã que também é bem maravilhosa. Eu gosto especialmente de um álbum da Solange chamado “True“, de 2012. “Losing you” é uma das minhas musiquinhas de pista favoritas. O álbum que vem depois, “A seat in the table“, tem uma vibe menos pop e também é muito incrível. Ouçam!
Outro álbum que eu ouvi quase até furar (essa gíria que denuncia idade) foi o “Remonta“, da Liniker com os Caramelows. Vi o show da banda umas três ou quatro vezes – quando pudermos voltar a frequentar shows, aliás, vá! É um showzaço. “Zero” é o hit absoluto, mas outras das minhas músicas favoritas do disco são a canção-título, “Caeu”, “Tua” e “Você fez merda”. O disco que veio depois, “Goela abaixo”, eu não ouvi tanto, mas também vale a pena.
Eu fiquei em dúvida se incluía o Alabama Shakes nessa lista, afinal a banda tem três caras brancos e uma mulher negra. Porém, essa mulher, Brittany Howard, não é qualquer coisa. Ela é a líder, vocalista, compositora de todas as músicas da banda e dona da porra toda, então acho que ela merece. Só pela voz maravilhosa dessa mulher já valeria você ir procurar a banda, mas que discos, senhoras e senhores! “Girls and boys” e “Sound and color“. Apenas vá atrás. E procure o show também quando as aglomerações estiverem liberadas. Pura catarse maravilhosa.
Luedji Luna é uma cantora baiana que lançou seu primeiro disco, “Um corpo no mundo“, em 2017, mas eu só descobri recentemente. As músicas são delicadas, leves, mas falam de temas fortes: o lugar do corpo negro no mundo, a ancestralidade, a força das mulheres. É lindo demais, tem cara de tarde de domingo.
Quem não está acompanhando as lives de Teresa Cristina no Instagram nesta quarentena está perdendo alguns dos melhores momentos dos últimos meses. Ela parece ter sido redescoberta pelo público não apenas pelo talento como cantora e compositora, mas pelo carisma e o conhecimento enorme sobre a música brasileira! Eu sou muito fã do “Teresa Cristina + Os outros = Roberto Carlos“, disco que ela gravou em 2012 com a banda Os outros cantando as músicas do Rei. O disco dela cantando Cartola é uma lindeza também.