O século XXI será marcado por um enorme envelhecimento populacional. Pela primeira vez na história da humanidade teremos uma dinâmica demográfica global com mais idosos do que crianças e jovens. Este nova realidade traz desafios, mas também oportunidades.
A razão de suporte potencial (RSP) é um indicador demográfico que relaciona o número de pessoas em idade produtiva (geralmente entre 15 e 64 anos) com o número de idosos (pessoas com 65 anos ou mais). Ela representa a disponibilidade potencial de suporte econômico para a população idosa por meio da força de trabalho. Uma razão de suporte potencial decrescente indica que há menos pessoas em idade produtiva para cada idoso, o que pode gerar desafios para os sistemas de previdência, saúde, cuidado e assistência social.
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Tanto no Brasil quanto no mundo, a razão de suporte potencial está em declínio devido ao aumento da longevidade e à queda das taxas de natalidade, fenômeno conhecido como transição demográfica (TD). A TD gera, deterministicamente, uma mudança na estrutura etária, alterando a relação quantitativa entre as gerações no longo prazo, com a diminuição da proporção de jovens e adultos e o aumento da proporção de idosos. Esse processo – conhecido como envelhecimento populacional – é uma tendência global com profundas implicações para o bem-estar das pessoas e a sustentabilidade do progresso social.
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Veja o que já enviamosO gráfico abaixo, com dados da Divisão de População da ONU (revisão 2024), mostra a razão de suporte potencial para o Brasil e o mundo entre 1950 e 2100. Em 1950, a RSP indicava 23 pessoas de 15-64 anos para cada idoso de 65 anos e mais no Brasil e uma RSP de 12 pessoas no mundo. Em 2025, a RSP ficou em 6 pessoas tanto no Brasil, quanto no mundo. Mas em 2100, a RSP será de apenas 1,6 pessoas em idade de trabalhar para cada idoso no Brasil e de 2,5 pessoas no mundo.
A diminuição da RSP ocorrerá de forma mais acelerada e mais profunda no Brasil, refletindo a maior velocidade do envelhecimento populacional brasileiro. Essa mudança demográfica representa um desafio para o mundo, mas especialmente para o maior país da América Latina.
A proporção de pessoas em idade de trabalhar (15-64 anos) no Brasil já está diminuindo desde 2017, mas o número absoluto de brasileiros de 15 a 64 anos atingirá o montante máximo em 2033 com 147,8 milhões de pessoas e deve cair para 88,3 milhões em 2100. Já o número de brasileiros de 65 anos e mais deve crescer de 32,5 milhões em 2033 para 54,8 milhões de pessoas em 2100. Esta situação apresenta desafios complexos para a economia, o sistema de saúde e o sistema de proteção social.
Desafios para a Economia Brasileira
- Com menos pessoas em idade produtiva, haverá uma pressão para baixo no crescimento econômico, a menos que haja ganhos significativos na formalização do trabalho e na produtividade por trabalhador.
- Um número maior de idosos em relação à população economicamente ativa implica em uma maior razão de dependência, exercendo pressão sobre os sistemas de previdência e assistência social, que precisarão sustentar um número crescente de beneficiários com uma base menor de contribuintes.
- As necessidades e os padrões de consumo da população idosa são diferentes dos da população mais jovem, o que pode levar a mudanças na demanda por bens e serviços, exigindo adaptações nos setores produtivos.
- O aumento dos gastos com saúde e previdência para a população idosa pode gerar um grande impacto nas contas públicas, exigindo reformas fiscais e uma gestão mais eficiente dos recursos.
- Será crucial combater o etarismo e adaptar o mercado de trabalho para reter trabalhadores mais velhos por mais tempo, investir em requalificação profissional e promover a inovação tecnológica para aumentar a produtividade da força de trabalho remanescente.
Desafios para o Sistema de Saúde
- A população idosa tende a ter maiores necessidades de cuidados de saúde, especialmente em relação a doenças crônicas e cuidados de longo prazo, o que aumentará a demanda por serviços de saúde em todos os níveis de atenção.
- O sistema de saúde precisará investir em infraestrutura, equipamentos e na formação de profissionais especializados no atendimento à saúde do idoso, incluindo geriatras, cuidadores e serviços de reabilitação.
- O aumento da demanda e da complexidade dos cuidados de saúde para a população idosa exigirá um financiamento robusto e sustentável do Sistema Único de Saúde (SUS) e dos planos de saúde privados.
- Será essencial investir em programas de prevenção de doenças e promoção da saúde voltados para a população idosa, visando manter a sua autonomia e qualidade de vida por mais tempo, reduzindo a pressão sobre os serviços de saúde de alta complexidade.
- A coordenação e a integração dos diferentes níveis de atenção à saúde e dos serviços sociais serão fundamentais para garantir um cuidado contínuo e eficiente para a população idosa.
Desafios para o Sistema de Proteção Social
- O aumento do número de aposentados e pensionistas em relação ao número de contribuintes exigirá reformas no sistema previdenciário para garantir sua sustentabilidade a longo prazo, o que pode envolver o aumento da idade mínima para aposentadoria, o ajuste das regras de cálculo dos benefícios e a busca por novas fontes de financiamento.
- Uma parcela da população idosa deve necessitar de assistência social, especialmente aqueles em situação de vulnerabilidade, com baixa renda ou com dependência para atividades da vida diária, o que exigirá o fortalecimento dos programas de assistência social.
- Haverá uma crescente demanda por serviços de cuidados de longo prazo para idosos dependentes, incluindo instituições de longa permanência, serviços de apoio domiciliar e cuidadores informais, exigindo a regulamentação e o financiamento adequados desses serviços.
- É importante promover políticas que incentivem o envelhecimento ativo, com oportunidades de participação social, educação continuada, atividades físicas e culturais para a população idosa, contribuindo para a sua autonomia, bem-estar e potencial de continuar contribuindo para a sociedade.
- É fundamental combater o preconceito e a discriminação contra pessoas idosas em todas as esferas da sociedade, garantindo seus direitos e oportunidades.
Os desafios são grandes, mas há também enormes oportunidades. A redução do número de pessoas em idade produtiva pode ser compensada por um melhor aproveitamento da força de trabalho brasileira. Segundo dados da PNAD contínua do IBGE, no primeiro semestre de 2025, o Brasil tinha cerca de 7,5 milhões de pessoas desempregadas e procurando emprego (desemprego aberto), 18 milhões de pessoas subutilizadas, cerca de 10 milhões de jovens de 15 a 29 anos que nem estudam e nem trabalham (geração nem-nem) e cerca de 40 milhões de pessoas ocupadas na informalidade, que poderiam conquistar a formalidade do emprego e contribuir com o sistema de proteção social.
Além disto existe um desperdício em termos de gênero e geração. O nível de atividade das mulheres que estava crescendo desde 1970 até 2015, estagnou na última década. Combater a segregação ocupacional e a discriminação salarial pode incluir milhões de mulheres no mercado de trabalho.
Por fim, mas não menos importante, o Brasil tem uma pequena presença da população madura no mercado de trabalho, pois existe um grande desperdício do potencial produtivo das gerações prateadas (50 anos e +). Os idosos não são, necessariamente, um ônus. Seria um erro subestimar o talento das pessoas do topo da pirâmide etária e desperdiçar o bônus da longevidade. E um erro maior seria manter as práticas etaristas que discriminam a população madura.
Diante do grande crescimento da população idosa é imprescindível realizar campanhas de conscientização e treinamentos em empresas para combater estereótipos e preconceitos relacionados à idade, mostrando os benefícios da diversidade geracional. O governo e a iniciativa privada podem criar ou utilizar bancos de talentos específicos para profissionais experientes, implementando programas com metas de contratação para profissionais 50+, avaliando candidatos com base em suas habilidades, experiência e potencial, em vez de focar na idade.
Oferecer programas de requalificação e atualização em novas tecnologias e metodologias para profissionais mais experientes. Implementar programas de mentoria reversa, onde profissionais mais jovens compartilham conhecimentos tecnológicos com os mais experientes, promovendo a troca de saberes. Incentivar e apoiar a busca por educação continuada, como cursos de idiomas, graduações e pós-graduações.
Oferecer opções de trabalho com horários flexíveis, meio período ou trabalho remoto, que podem ser mais atrativas para profissionais mais velhos. Utilizar a experiência de profissionais 50+ para projetos específicos ou como consultores. Valorizar a experiência, a maturidade, a estabilidade e a capacidade de resolução de problemas que possuem os profissionais mais velhos, incentivando a diversidade etária. O envelhecimento saudável, ativo e colaborativo é a resposta para o presente e para o futuro.
O Brasil precisa repensar suas políticas públicas e fazer uma reforma inclusiva. Ao adotar estratégias que promovam o aumento do nível ocupacional, o pleno emprego e o trabalho decente para todas as pessoas em todas as idades, o país poderá transformar o envelhecimento populacional em uma oportunidade. Isso permitirá um melhor aproveitamento do potencial das gerações mais velhas no mercado de trabalho e na sociedade, impulsionando a Economia Prateada e trazendo benefícios para a felicidade e o bem-estar geral da população.
Simplesmente aumentar a idade de aposentadoria gera resistência generalizada. Políticas que visam aumentar as taxas de fecundidade são caras e têm efeitos relativamente modestos, pois vão contra as preferências individuais. A imigração generalizada traz desafios políticos. Desta forma, investir no capital humano e social da velhice é a única solução sustentável para os desafios de uma sociedade com inversão da pirâmide etária.
Pesquisas sobre desenvolvimento humano revelam que a qualidade dos relacionamentos é o principal fator associado a uma longevidade saudável. Mais do que a quantidade de amigos, é a profundidade dos vínculos e o apoio emocional que realmente fazem diferença. Amizade, afeto e propósito de vida são pilares do bem-estar na velhice. Pessoas socialmente conectadas tendem a ser mais felizes, viver mais e desfrutar de melhor saúde física e mental.
Em contrapartida, a solidão e o isolamento social configuram riscos comparáveis ao tabagismo ou à hipertensão. Indivíduos solitários apresentam maior probabilidade de declínio precoce da saúde e redução da expectativa de vida. Já relações estáveis e de apoio estão associadas à preservação da função cognitiva e à menor incidência de doenças degenerativas.
Nesse contexto, as iniciativas da sociedade civil e as políticas públicas são indispensáveis para assegurar não apenas uma velhice digna, mas também a sustentabilidade social diante do envelhecimento populacional. Ainda assim, a felicidade tem um papel insubstituível: é ela que permite enfrentar adversidades e transformar os anos adicionais em qualidade de vida.
Envelhecer, afinal, é uma conquista e além de adicionar anos à vida, precisamos acrescentar vida aos anos extras. Existe um bônus da longevidade que se bem aproveitado pode garantir avanço da qualidade de vida. Como nos inspira Gonzaguinha, o desafio maior é: “envelhecer e não ter a vergonha de ser feliz”.
Referência:
ALVES, JED. As lições do Japão para lidar com o envelhecimento populacional, # Colabora, 28/10/2024 https://projetocolabora.com.br/ods11/as-licoes-do-japao-para-lidar-com-o-envelhecimento-populacional/