E o ouro olímpico, como sempre, vai para os ricos

Nos jogos da desigualdade, países com o PIB mais elevado ficam com quase 60% das medalhas

Por Agostinho Vieira | ODS 10 • Publicada em 9 de agosto de 2021 - 13:41 • Atualizada em 28 de agosto de 2024 - 12:44

Brittney Griner e A’ja Wilson posam para a foto com suas medalhas de ouro no basquete feminino. Os EUA, mais uma vez, ficaram em primeiro no quadro de medalhas. Foto Aris Messinis/AFP. Agosto/2021

Atenção, este texto contém spoiler. Em um esforço de reportagem, o #Colabora conseguiu identificar e divulga agora, em primeira mão, a relação de oito dos dez países que vão liderar o quadro de medalhas na Olimpíada de Paris, em 2024. São eles: Estados Unidos, China, Rússia, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Austrália. Existe uma chance grande e concreta de que Japão e Coreia do Sul completem a lista dos dez mais. Nossa bola de cristal também mostra que os EUA e a China seguirão disputando o primeiro lugar e que a França, país sede, terá mais medalhas do que teve em 2021.

Obviamente, não houve nenhum esforço de reportagem, bola de cristal e nem dá para considerar essa informação como spoiler. Basta observar as últimas dez edições dos Jogos Olímpicos para confirmar que esse grupo de países está sempre na parte mais alta do pódio, quem mais ganha o ouro olímpico. Mas, afinal, o que une essas nações? O que as faz brilhar tanto? A resposta é simples: dinheiro.

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Arte Fernando Alvarus
Arte Fernando Alvarus

Este ano, em Tóquio, não foi diferente. Das 1.080 medalhas de ouro, prata ou bronze que foram disputadas, nada menos do que 644 ou 59,62% ficaram com os 15 países mais ricos do mundo. O PIB (Produto Interno Bruto) segue sendo o principal indicador de sucesso na maior competição esportiva do planeta. Dos 220 países que mandaram representantes para o Japão, apenas 93 receberam alguma medalha. Os outros 127 precisam continuar acreditando na máxima do Barão de Coubertin, de que o importante mesmo é competir. Só os cinco mais ricos do mundo (EUA, China, Japão, Alemanha e Reino Unido) ficaram com 33,42% do total de medalhas e com 40% das medalhas de ouro.

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No artigo “Globalization, Inequality and Olympic Sports Successes”, apresentado no Congresso Pré-Olímpico em Tessalônica, na Grécia, Maarten van Bottenburg e Nico Wilterdink, da Universidade de Amsterdã, concluem que o processo de globalização contribuiu para reforçar a desigualdade na distribuição de medalhas, com uma clara supremacia dos mais ricos.  Os autores, que analisaram o período de 1952 a 2000, atestam que 10% dos países participantes ficam sempre com mais de 50% das medalhas. Quando o índice analisado chega a 20%, o volume de medalhas ultrapassa os 80%. A tese de Bottenburg e Wilterdink se confirmou em 2016: 21 países (10%) ficaram com 685 medalhas (70%) e 42 países (20%) receberam 866 premiações (89%) de um total de 974. Desta vez, em Tóquio, 22 países (10%) ficaram 776 medalhas (71,85%) e 44 países (20%) receberam 934 premiações (86,48%) de um total de 1080.

As delegações sem medalha também vêm crescendo – numericamente e percentualmente – ao longo do tempo: 22 (37%), em 1948; 26 (38%), em 1952;118 (60%), em 1996, e 113 (59%), em 2000. Este ano, os 127 zero medalha representaram 57,72% do total de participantes. Um percentual superior aos 50% se mantêm desde 1964.

Joshua Cheptegei, de Uganda, comemora com a bandeira nacional após vencer a final masculina dos 5.000m durante os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020. Foto Dylan Martinez/AFP. Agosto/2021

No artigo “Olympic Participation and Performance since 1896”, Gerard Kuper e Elmer Sterken, da Universidade de Gronigen, na Holanda, também concluíram que o PIB absoluto e o PIB per capita de um país são os maiores fatores de sucesso nas Olimpíadas. Em segundo lugar, estaria o tamanho da população, partindo da premissa que os talentos estão distribuídos igualmente pelo mundo. Os britânicos Mick Green e Bem Oakley, no texto “Elite sport development systems and playing to win: uniformity and diversity in international approaches”, publicado na revista Leisure Studies, citam que, além da economia e do tamanho da população, também é importante um plano estratégico de investimento em esportes de alta performance como fator de sucesso.

Como em toda a regra, também existem as exceções. A Índia talvez seja o exemplo mais gritante. Com a sexta maior economia do mundo e a segunda maior população, a delegação da Índia ficou apenas com o 48° lugar na competição, com 1 ouro, 2 pratas e 4 bronzes. O país do críquete, definitivamente, não prioriza as Olimpíadas. Exatamente oposto de Cuba, que é um exemplo à parte. Com uma economia modesta e uma população menor do que a do Estado do Rio de Janeiro, os cubanos sempre investem e se destacam nos Jogos Olímpicos, chegando a ficar entre os dez primeiros nas Olimpíadas de 1992, 1996 e 2000. Em Tóquio eles terminaram em 14º lugar.

Se a comparação entre o quadro de medalhas e o ranking mundial do PIB é mais ou menos óbvia, o mesmo não acontece quando se busca uma relação entre os vencedores olímpicos e os países com os melhores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH). Nações que tradicionalmente aparecem bem colocadas nestes rankings, como os países escandinavos, não são exatamente um destaque no pódio. Suécia e Dinamarca ficaram, respectivamente, em 23º e 25º lugares. Enquanto a Noruega, campeã mundial do IDH, terminou em 20º, uma posição muito melhor do que o 74º dos Jogos do Rio.

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No lado oposto, vencedores olímpicos como a China e a Rússia, que ficaram com o 2° e o 5° lugares, têm um desempenho medíocre no desenvolvimento humano e no progresso social. O mesmo vale para o Quênia, que teve seu hino tocado quatro vezes nos últimos 15 dias. A última delas com o bi olímpico na maratona. No entanto, o seu IDH patina em um lamentável 145º lugar.

E o Brasil? Seguindo o mesmo raciocínio, o Brasil tem a 12ª maior economia do mundo. Coincidentemente, o mesmo lugar que obteve nos Jogos de Tóquio. Tem a sexta maior população, o que ajuda muito. Cerca de 80% dos atletas brasileiros que estiveram no Japão foram beneficiados pelo programa Bolsa Atleta, criado em 2005, no Governo Lula. Os valores variam entre R$ 900 e R$ 15 mil. Sendo que este último é apenas para os que alcançam as primeiras colocações. O programa, no entanto, vive o seu pior momento, a começar pelo fato de que não tem o valor reajustado desde 2010. Além disso, o edital do Bolsa Atleta em 2020 não foi lançado e vários atletas ficaram sem receber por alguns meses.

No ranking do IDH, estamos abaixo de países como Cuba, Uruguai e Irã. Já no ranking dos mortos pela covid-19 estamos entre os cinco primeiros. Nos últimos anos, apesar dos pesares, investimos R$ 40 bilhões para sediar a Olimpíada do Rio e cerca de R$ 5 bilhões na formação de atletas. Será esse o único ou o melhor caminho? Nosso sonho de consumo envolve mais medalhas ou mais saneamento básico? Por que não as duas coisas?

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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Um comentário em “E o ouro olímpico, como sempre, vai para os ricos

  1. olavo disse:

    Áustria ganhou 1 medalha de ouro. Agora, compare o IDH da Áustria e do Brasil. Moral da história: olimpíadas não mostra nada a respeito das condições de vida do povo de um país. É provável que Brasil esteja investindo dinheiro em esportes tirando de outras áreas mais importantes.

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