‘Não rezem, vivam Paris!’

Ex-cartunista do Charlie Hebdo critica hashtag #prayforParis e provoca polêmica

Por Adriana Barsotti | ODS 1 • Publicada em 17 de novembro de 2015 - 08:00 • Atualizada em 17 de novembro de 2015 - 12:34

JoannApós os ataques terroristas da última sexta-feira (13/11), em Paris, Joann Sfar, ex-cartunista do jornal Charlie Hebdo, resolveu utilizar sua conta no Instagram para estimular a celebração da vida, e não para protestar.  Diretor dos premiados filmes “Gainsbourg: o homem que amava as mulheres” e de “O gato do rabino”, Sfar publicou no sábado um desenho com a seguinte mensagem: “Aos amigos de todo mundo, obrigado pela #prayforParis (reze por Paris), mas nós não precisamos de mais religião. Nossa fé vai para a música! Beijos! Vida! Champanhe e alegria! E no mesmo post lançou a hashtag #parisisaboutlife. A polêmica foi tanta que nesta manhã (17/11) o cartunista publicou uma série de 12 desenhos (veja a galeria abaixo) lamentando que tenha sido mal interpretado e xingado no Twitter. “Eu não acho que rezar é uma hashtag adequada quando pessoas foram mortas por não terem rezado o suficiente”.

No comunicado em que assumiu a autoria dos atentados em Paris, o grupo extremista Estado Islâmico afirmou que a cidade era a “capital do adultério e do vício”. Depois que publicou o primeiro post criticando a hashtag #prayforParis, Sfar começou a postar desenhos de músicos em cena, pessoas lendo e celebrando a vida. A mensagem do ex-cartunista do Charlie Hebdo, jornal que foi vítima de um ataque terrorista que deixou 12 mortos em janeiro deste ano, dividiu opiniões. O usuário do Instagram junimond 111 classificou a publicação de Sfar  como “a mais racional reação de um dia tão irracional”. Outro membro da rede social, nabbyws, acrescentou: “Obrigado. Sem palavras”.

[g1_quote author_name=”Joann Sfar” author_description=”Cartunista e cineasta” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Aos amigos de todo mundo, obrigado pela #prayforParis (reze por Paris), mas nós não precisamos de mais religião. Nossa fé vai para a música! Beijos! Vida! Champanhe e alegria!

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Já Lucian Vinatoriu afirmou que o post de Sfar era ótimo, exceto pelo fato de a hashtag #prayforParis se referir à compaixão, não à religião. A usuária blan_dine_b declarou ser um grande fã do cartunista, mas disse pensar “ser muito irrelevante” associar os atentados a religião. “Esse é o pior erro que as pessoas cometem”, afirmou. “Temos que tomar cuidado com essa perigosa confusão entre religião e fanatismo”, ela prosseguiu. “O surgimento desses terroristas fanáticos na França tem a ver com nossa desastrosa política social dos últimos 50 anos, que levou a fraturas e desentendimentos”, observou.

Depois de ter publicado o primeiro post, Sfar inseriu em sua conta outras mensagens de texto antes de iniciar a série de desenhos que celebram a vida. “As pessoas que estão mortas estavam na rua para viver, beber, cantar”, afirmou o cartunista em uma delas. “Em vez de nos dividir, vocês nos lembram como tudo isso é precioso: nosso modo de viver”, prosseguiu. Em outro post, publicou o lema de Paris “Fluctuat nec mergitur”, que quer dizer “é sacudida pelas ondas, mas não submerge”.  No alto deste post, conclamou: “Isso significa merda à morte”.

No Twitter, o cartunista e diretor de cinema sofreu severas críticas e foi xingado. Como a maior parte dos comentários agressivos foi em inglês, ele publicou ontem no Instagram 12 desenhos com mensagens naquela língua para se explicar. “Estou tão triste pelo fato de muitos amigos que falam inglês não terem entendido meu cartoon. Eu não escrevi nada contra suas crenças ou espiritualidade”, afirmou Sfar no primeiro deles. “Meu ponto era: terroristas nos atacaram porque eles detestam nosso modo de viver”, prosseguiu. “Foi por isso que o primeiro pensamento que me ocorreu foi ´vamos beber, vamos fazer sexo, vamos celebrar o que eles odeiam: a vida´”. explicou.

“A maioria dos meus leitores franceses captaram meu ponto de vista porque conhecem meus livros que falam sobre paz entre religiosos e não religiosos. Como vocês podem achar que o autor de “O gato do rabino” pode ser contra a espiritualidade?”, questionou. Na obra, adaptada para o cinema, o gato do rabino Sfar se converte ao judaísmo e seu dono (o rabino) tem um amigo islâmico com quem faz uma viagem pela África, continente marcado pela diversidade religiosa e cultural. Um usuário americano, registrado no Instagram com o sugestivo apelido de sleepyreagan, apoiou a reação do cartunista: “Continue fazendo o que está fazendo. Nós, americanos, não somos todos ignorantes e reacionários. Existem muitos de nós que compartilham os mesmos sentimentos que os seus”. Até hoje de manhã (17/11), o primeiro post, que desencadeou toda a polêmica, tinha 21.100 curtidas e 1.256 comentários no Instagram.

 

Adriana Barsotti

É jornalista com experiência nas redações de O Estado de S.Paulo, IstoÉ e O Globo, onde ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo com a série de reportagens “A história secreta da Guerrilha do Araguaia”. Pelo #Colabora, foi vencedora do Prêmio Vladimir Herzog, em 2019, na categoria multimídia, com a série "Sem Direitos: o rosto da exclusão social no Brasil", em um pool jornalístico com a Amazônia Real e a Ponte Jornalismo. Professora Adjunta do Instituto de Arte e Comunicação Social (Iacs), na Universidade Federal Fluminense (UFF), é autora dos livros “Jornalista em mutação: do cão de guarda ao mobilizador de audiência” e "Uma história da primeira página: do grito no papel ao silêncio no jornalismo em rede". É colaboradora no #Colabora e acredita (muito!) no futuro da profissão.

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