Invasão de livros e bibliotecas na região da Amazônia Legal

Projeto Vagalume

ONG Associação Vaga Lume

Por Marina Ribeiro | Mapa das ONGsODS 10 • Publicada em 30 de outubro de 2015 - 04:34 • Atualizada em 3 de setembro de 2017 - 01:37

Projeto Vagalume
Projeto Vagalume
A gestão das bibliotecas na Amazônia é definida pela própria comunidade

De uma casa com muro branco, em uma das ruas mais boêmias de São Paulo, na Vila Madalena, saem livros, estantes e esteiras para comunidades rurais da Amazônia Legal – que engloba nove estados brasileiros com área de ocorrência das vegetações amazônicas. Os livros, todos novos, chegam a mãos que muitas vezes nunca tinham tido acesso a um antes.

“Ao conhecer a Vaga Lume, aos 10 anos, tive meu primeiro contato com uma biblioteca. Eu nunca tinha visto tantos livros. Eu gostava de livros, mas minha mãe não tinha condições de comprar tantos para que eu pudesse ler com frequência e fiquei fascinado pela quantidade de títulos que eles tinham”, relembra o jovem paraense André Oliveira, que vive em Soure, mas vem da comunidade rural de Caju-Una. Dez anos depois, ele é um voluntário da equipe local e monitora o trabalho em seis bibliotecas da região enquanto cursa Letras na Universidade Federal do Pará.

Foi exatamente para poder mudar a vida de pessoas como André que a Associação Vaga Lume surgiu em 2001 da inquietação de três amigas recém-formadas. Decididas a fazer algo pela região amazônica e seu povo, passaram um ano trocando ideias e buscando ajuda para definir o melhor modo de impactar as comunidades rurais. “Queríamos levar saúde, higiene e dignidade, acho que a literatura passa por tudo isso”, disse à época da primeira viagem Maria Teresa Meinberg, então com 24 anos, à revista TPM. Em outubro de 2001, após mais um ano de planejamento, partiu junto de Sylvia Guimarães e Laís Fleury, para a Amazônia com o intuito de fundarem bibliotecas comunitárias em 22 vilarejos.

Desde a primeira expedição, o projeto cresceu. Somente em 2014, foram 2.686 livros de literatura doados, todos selecionados com uma curadoria cuidadosa. São hoje 159 bibliotecas comunitárias, que impactam 22 mil crianças anualmente, com a ajuda de 142 voluntários de equipes locais e outros 722 atuantes nas bibliotecas. Em São Paulo, o escritório central com 15 funcionários coordena todos os trabalhos e articula novas empreitadas. O público-alvo continua sendo as crianças da região, ainda que os adultos também sejam beneficiados pelos livros e pelas atividades organizadas no espaço.

Em 2014, foram doados mais de 2,6 mil livros para 159 bibliotecas comunitárias

Mais do que doar livros e montar bibliotecas, a Vaga Lume aposta no protagonismo da comunidade. Após a doação das esteiras, estantes e livros, cabe aos moradores decidirem como serão a gestão do local, as regras para empréstimo de livros e a periodicidade de atividades culturais. A única regra imposta pela ONG é que o local seja aberto a toda a comunidade, não importa onde fique. Também são formados mediadores de leitura que exercem o simples papel de ler para as crianças e, assim, disseminarem a leitura no local, após uma formação de até cinco dias. As atividades também valorizam a cultura local, com rodas de contadores de história e fabricação de livros artesanais como fruto dos contos regionais contados pelos mais velhos.

Apesar dos números, para a analista de Desenvolvimento Institucional da Vaga Lume, Marina Rodrigues, os resultados reais da ação são não são mesuráveis. “É difícil medir a diferença de perspectiva que a leitura traz. A ideia não é que todos sejam como o André e cheguem à universidade, mas que todos saibam que têm várias possibilidades, inclusive fazer Biologia ou Letras se quiserem, e o livro é o nosso instrumento para mostrar isso.”

Rayssa lê para crianças em Oriximiná, no Pará

Anualmente, a ONG publica relatórios, com todos recursos financeiros repassados à instituição. O principal doador é a empresa espanhola Guascor, que, recentemente, foi comprada pela alemã Dresser-Rand, que, por sua vez, foi adquirida pela Siemens. O negócio da empresa é produção de energia na região Norte do país, seja terméletrica, hidráulica, solar e bioenergia. Em 2014, 32% do montante total – cerca de R$ 1,8 milhão – foi recebido por meio de incentivos fiscais como a Lei Rouanet.

Além de levar livros e bibliotecas, a Vaga Lume também promove o intercâmbio cultural entre adolescentes das comunidades amazônicas com jovens de São Paulo. No Programa Rede, escolas e instituições educacionais da capital paulista e escolas públicas de comunidades em que a ONG atua disponibilizam oficinas para os alunos sobre identidade cultural e meio ambiente e permitem a correspondência entre os alunos. Em 2014, participaram 214 adolescentes de 11 a 14 anos. Ao final, alguns jovens têm a oportunidade de participar de um acampamento de integração.

Depois de cinco anos com o projeto, em 2015 surgiu o Conselho Jovem da Vaga Lume, que reúne jovens engajados que desejam continuar a trabalhar para vê-lo crescer. A capacidade de fazer redes também permitiu a nova campanha da Vaga Lume. Por intermédio de uma mãe de um dos colégios participantes no Programa Rede, o ator global Mateus Solano concordou em ser porta-voz da associação na busca de cidadãos dispostos a doar recursos individualmente para a compra de livros.

A campanha é apenas mais um insumo para fazer crescer “essa sementinha” plantada há quase quinze anos, nas palavras da presidente, Sylvia Guimarães, que continua à frente da Vaga Lume desde a primeira expedição. Para ela, o momento é de comemoração e de repensar a estrutura para continuar crescendo. “O mais difícil não é começar, mas sustentar a estrutura. A gente tem vontade de fazer muito mais coisas do que temos recursos, por isso, sempre precisamos de ajuda.”

Newsletter do #Colabora

Um jeito diferente de ver e analisar as notícias da semana, além dos conteúdos dos colunistas e reportagens especiais. A gente vai até você. De graça, no seu e-mail.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe:

Sair da versão mobile