Você compraria aquele lindo vestido se, ao descosturar sua história, descobrisse que, antes de chegar à vitrine, ele foi alinhavado com o desespero de uma trabalhadora semiescrava? Ou, ainda, que a fabricação daquele tecido tingiu de pesticidas os solos e rios? Há dez anos, o Instituto Ecotece foi criado, na capital de São Paulo, para mudar esta trama e fazer com que a sustentabilidade social e ambiental não seja uma moda passageira.
A ONG faz a costura entre marcas do mercado fashion, produtores de matérias-primas ‘limpas’ e a mão de obra formada por 17 grupos que somam 189 pessoas em situação de vulnerabilidade. “Delas, 95% são mulheres, que vivem em comunidades carentes ou são pacientes de programas de saúde mental do governo de São Paulo. Nós focamos muito na humanização da produção da moda. Queremos o fortalecimento destes grupos produtivos, com geração de renda e empoderamento de suas integrantes. O Ecotece busca uma moda mais ética, limpa e inclusiva”, conta Lia Spínola, diretora do Instituto, que tem estrutura enxuta – cinco funcionárias e duas voluntárias.
Um dos principais projetos da ONG é o Ecotece+. Através dele, são feitas parcerias com empresas já estabelecidas no segmento, mas que não têm necessariamente em seu DNA ligado a moda sustentável. “Nós as ajudamos a pensar em produtos ou coleções, e a definir com que pessoas e materiais o trabalho será realizado. Através do Ecotece+, também acompanhamos toda a produção”, explica Lia. A consultoria é prestada, ainda, para marcas jovens do mercado de moda que já queiram nascer sustentáveis.
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Veja o que já enviamosOutro projeto desenvolvido pelo Instituto é o Uniforme, em que são envolvidas grandes empresas ou indústrias que não têm nada a ver com moda. “Através deste trabalho, os uniformes de trabalhadores, que seriam descartados, poluindo o ambiente, são transformados em produtos absorvíveis pela própria empresa. São peças simples, que podem servir como brindes para seus clientes, por exemplo, como ecobags, nécessaires e lixeirinhas de carro, entre outros”, exemplifica a diretora.
Ao mesmo tempo em que presta consultorias a empresas, o Ecotece dá apoio comercial aos grupos produtivos. “Estamos sempre buscando quem contrate estas pessoas, para que possam ter recorrência de trabalho e pagamento justo”, descreve Lia. As mulheres que manuseiam tecidos, agulhas e linhas recebem ainda orientação técnica do Instituto. “Não trabalhamos com elas por assistencialismo, mas sim porque suas peças têm qualidade ótima. No mercado, existe o ‘mau olhar’ de que grupos assim só produzem artesanato feio, panos de prato e sacolas… Na verdade elas não são simples artesãs. São donas daquele negócio, que pensam junto conosco os produtos”, afirma.
Batalha contra produtos poluentes
O elo mais fraco na cadeia produtiva da moda sustentável é o da produção de matérias-primas. “No Brasil, a gente ainda está quebrando pedra nesta questão. Temos que evoluir muito. Já que não podemos ‘salvar o mundo’, buscamos parceria com fornecedores que tenham insumos que degradem menos o ambiente”, relata Lia.
[g1_quote author_name=”Lia Spínola” author_description=”diretora do Instituto Ecotece” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Nossa luta é para que as pessoas deixem de comprar simplesmente por comprar, mas que comprem por toda uma história e porque também acreditam na sustentabilidade. Nós entendemos que o consumidor tem mais poder no ato de sua da compra do que possivelmente votando
[/g1_quote]A indústria têxtil figura entre as quatro que mais consomem recursos naturais, como água e combustíveis fósseis, de acordo com o Environmental Protection Agency, órgão americano que monitora a emissão de poluentes no mundo.
Somente a cultura de algodão – bastante utilizado na moda – responde por cerca de 30% da utilização de pesticidas na Terra, contaminando o solo e os rios e também prejudicando a saúde dos trabalhadores nas plantações. Com isso, a busca por matérias-primas alternativas e renováveis é hoje um dos principais desafios do setor. A solução por enquanto, segundo Lia, está na utilização do algodão orgânico, cultivado por pequenos agricultores, sem agrotóxicos, ou dos tecidos à base de PET. “O plástico é transformado em fios, que podem ser tramados 100% PET ou misturados com algodão tradicional. O trabalho social com os catadores de garrafas minimiza o uso deste algodão”, explica a diretora do Ecotece.
O Instituto, com orçamento anual de R$ 377.673, capta recursos principalmente através da inscrição de seus projetos em editais, e o percentual pago pelo maior patrocinador é de 13,86%. A prestação de contas é feita no site, mas está momentaneamente indisponível porque o portal está em fase de reconstrução. Uma parte menor dos recursos da ONG vem de seus serviços de consultoria a empresas e marcas. Seus parceiros mais importantes são a Prefeitura de São Paulo, a Adesampa (Agência São Paulo de Desenvolvimento), a Abest (Associação Brasileira de Estilistas), a Fundação Arymax e a Casa Tear Magazine.
O Ecotece segue imaginando riscos para um bordado ainda muito longe do fim. O sonho é que, um dia, a maioria dos consumidores de moda entenda os impactos sociais e ambientais de suas escolhas e passe a preferir este novo tipo de produto. “Nossa luta é para que as pessoas deixem de comprar simplesmente por comprar, mas que comprem por toda uma história e porque também acreditam na sustentabilidade. Nós entendemos que o consumidor tem mais poder no ato de sua da compra do que possivelmente votando”, conclui Lia. Alguém ainda duvida?