Da rua para o circo

Escola de Circo Crescer e Viver

Por Marcelo Ahmed | Mapa das ONGsODS 10 • Publicada em 10 de outubro de 2016 - 08:33 • Atualizada em 3 de setembro de 2017 - 01:20

Crescer e Viver. Foto de Vivian Fernandez
Crescer e Viver. Foto de Vivian Fernandez
Aulas gratuitas de picadeiro e malabarismo  (Foto de Vivian Fernandez)

“A infância é a semente, o futuro da nação”, dizia um dos primeiros versos do samba da Porto da Pedra em 2001, ano em que sagrou-se campeã do grupo de acesso A. Desenvolvido para celebrar os 10 anos do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), o enredo “Um sonho possível! Crescer e Viver! Agora é lei!” venceu não só na avenida. No ano seguinte, a agremiação de São Gonçalo abraçaria a criação de um programa social para ensinar artes circenses a crianças carentes da região, o Crescer e Viver. E deu samba também no circo.

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A rua é um lugar de sedução. Se houver um espaço que ofereça risco e seja tão sedutor como a rua, melhor. E o risco é intríseco à atividade do circo

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Com a necessidade de crescer não só no nome, o projeto posteriormente deixou as dependências de Porto da Pedra e se abrigou debaixo de uma lona vizinha à estação do metrô da Praça Onze, região central do Rio de Janeiro. Segundo um dos idealizadores, Vinicius Daumas, uma das propostas é trabalhar com o conceito “aberto” de circo social. “É uma ferramenta para influir na formação por meio das artes circenses, envolvendo crianças em estado de risco. A rua é um lugar de sedução. Se houver um espaço que ofereça risco e seja tão sedutor como a rua, melhor. E o risco é intríseco à atividade do circo”, analisa Vinicius.

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A Escola de Circo Crescer e Viver divide-se em dois programas: o Circo Social, para crianças e jovens entre 7 e 17 anos de comunidades populares, e o Profac (Programa de Formação do Artista de Circo), para idade entre 16 e 25 anos, destinado à profissionalização.

Primeiros passos no picadeiro

Aluna. Foto de Vivian Fernandez

O Circo Social ensina os alunos a dar os primeiros passos no picadeiro. Embora destinado principalmente a jovens carentes, não discrimina quem é oriundo de classes sociais mais favorecidas.

O Profac equivale a uma universidade de circo e tem duração de três anos. Vinicius diz que o curso tem três objetivos: formar o performer, o empreendedor e o educador. Para ingressar no Profac, é necessário passar por uma prova de aptidão física, que leva em conta força, explosão e equilíbrio, entre outras exigências. São cinco dias de testes. As inscrições para o próximo ciclo se encerraram no dia 27 de setembro. Os 60 candidatos lutarão por 25 vagas valendo-se apenas do talento, pois a prova não considera a condição social.

Atualmente, há 80 alunos no Circo Social (que funciona às terças e quintas à tarde e aos sábados de manhã) e 60 no Profac (segunda a sexta de manhã). Ambos são gratuitos. A escola conta com profissionais de circo, dança e teatro, além de monitores.

Há quem migre de um programa ao outro, como Richard Gomes Estrela, o Bubuco, 18 anos. Ele que começou aos 6 anos no Circo Social, onde agora é monitor ganhando R$ 400,00 mensais, e cursa o Profac. Morador de comunidade na Cidade Nova, diz que o Crescer e Viver mudou sua vida: “Eu era muito levado. Agora aprendi a respeitar os outros”.

Nascido Paulo Ricardo da Silva Moraes, Bubuco fui criado pela madrinha. O pai, traficante, e a mãe, viciada em drogas, morreram. Por ser muito irrequieto, passou um ano e três meses morando em um abrigo. Até que a sua madrinha ultimou: “Ou se comporta ou não te levo mais para o circo”. Hoje é uma das referências na escola.

Turma misturada

Circo social tem 80 alunos. Foto de Vivian Fernandez

Há três anos no Circo Social, Graziele Fernandes, 15 anos, só não largou o curso ao se mudar do Morro São Carlos, nas vizinhanças, para Costa Barros, Zona Norte do Rio, por paixão às atividades do picadeiro. “Gosto do meio artístico. Quero ser atriz, profissão que posso conciliar com o circo. Tem pessoas que acham que não dá futuro. Eu acho que dá”, afirma a adolescente, durante uma pausa nos exercícios de tecido.

Com apenas 10 anos de idade, Daniel Gomes Nunes também traça seu futuro: “Falam que eu daria um bom palhaço”. Indagado por quê, explica: “Faço muita piada na hora da aula”.

Da ideia empreendida há 15 anos com o amigo Junior Perin, então vice-presidente de projetos sociais da Porto da Pedra, Vinicius Daumas diz não ter previsto inicialmente os avanços que a combinação de gente tão distinta socialmente poderia proporcionar embaixo da lona da Crescer e Viver. Para ele, um feliz resultado: “Dessa mistura de classes surge uma nova geração sem os vícios que hoje mais nos assolam, vindos da barreira social. Não tem preconceito de classes sociais e econômicas. Esse é o maior benefício para o futuro”.

Marcelo Ahmed

Marcelo Ahmed é um jornalista carioca que começou a carreira em jornais impressos, passando por 'Ultima Hora', 'Tribuna da Imprensa', 'Jornal do Brasil' e 'O Dia'. Foi para a 'TV Globo' para trabalhar no Linha Direta, rodando pelo jornalismo diário, Fantástico e G1. Seu último emprego foi como assessor-chefe da ASCOM do Ministério Público do Rio. Tem dois prêmios Tim Lopes de Jornalismo Investigativo e uma Comenda da Paz por trabalhos em Direitos Humanos. E já é vovô de Théo.

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