‘Ficamos sem controle algum’, diz juíza que suspendeu WhatsApp em 2016

Daniela Barbosa afirma que empresa deve ser obrigada a colaborar com a Justiça: “O pedido de informações não é censura”

Por Ediane Merola | ODS 8 • Publicada em 20 de outubro de 2018 - 01:55 • Atualizada em 22 de outubro de 2018 - 16:21

O Whatsapp é o protagonista da campanha presidencial 2018 (Foto Anadolu Agency)
O Whatsapp é o protagonista da campanha presidencial 2018 (Foto Anadolu Agency)
O Whatsapp é o protagonista da campanha presidencial 2018 (Foto Anadolu Agency)

Em 2015 e 2016, juízes de estados como São Paulo, Sergipe, Piauí e Rio de Janeiro determinaram o bloqueio do WhatsApp em todo o país, após os responsáveis pelo aplicativo de mensagens se recusarem a fornecer informações para diferentes investigações criminais. Uma das medidas partiu da juíza Daniela Barbosa – na ocasião, à frente da 2ª Vara Criminal de Duque de Caxias, na Região Metropolitana do Rio -, que conseguiu deixar o serviço fora do ar por algumas horas. Sua ordem acabou suspensa antes pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, para alívio dos usuários que, de tão inconformados com a perda da conexão com seus contatos, não tentaram entender o que havia levado Daniela e seus colegas a tomarem uma decisão tão radical.

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A gente perdeu muito, em todos os sentidos. Ficamos sem controle algum. O pedido de informações ao WhatsApp não é censura. Censurar é proibir previamente. A lógica é a mesma da interceptação telefônica

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Nesta campanha eleitoral, o aplicativo de troca de mensagens instantâneas mais popular do país – com 120 milhões de usuários – ganhou protagonismo inédito. Como aponta reportagem da “Folha de S. Paulo”, foi usado de forma organizada para a divulgação de fake news em massa, com empresas gastando até R$ 12 milhões pelo disparo de milhares de mensagens com conteúdo contra o PT, em favorecimento da campanha do candidato à presidência pelo PSL, Jair Bolsonaro. A prática é ilegal, pois se trata de doação de campanha por empresas, vedada pela atual legislação eleitoral, e não declarada.

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Para Daniela Barbosa, a falta de um debate mais crítico sobre o uso de aplicativos, iniciado naquela época e que não teve continuidade, foi prejudicial ao país. “A gente perdeu muito, em todos os sentidos. Ficamos sem controle algum. O pedido de informações ao WhatsApp não é censura. Censurar é proibir previamente. A lógica é a mesma da interceptação telefônica”, ela enfatiza.

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Na Alemanha já existe um acordo com as autoridades e é possível desviar mensagens para a Justiça antes de serem criptografadas. Na Alemanha a lei é cumprida

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A juíza enfatiza que o Facebook (dono do WhatsApp) poderia sim fornecer informações que auxiliassem investigações de crimes.

“O Facebook alega que não pode interceptar as mensagens por causa da criptografia, mas na Alemanha já existe um acordo com as autoridades e é possível desviar mensagens para a Justiça antes de serem criptografadas. Na Alemanha a lei é cumprida”, compara a juíza, que atualmente está na 1ª Vara Criminal de Niterói, em conversa por telefone com o Projeto Colabora.

Por razões profissionais, Daniela, que foi juíza auxiliar da presidência do Tribunal Regional Eleitoral do Rio e coordenadora da propaganda eleitoral no estado, em 2014, prefere não comentar as decisões da Justiça que afetam o momento político atual. No entanto, ela se mostra firme sobre a responsabilidade dos donos do aplicativo nas consequências de seu uso.

“Não queremos bloquear o WhatsApp. Mas essa é a última instância, é a forma de punirmos a empresa que não cumpre a medida. É como mandar prender um cidadão. Hoje em dia, a empresa até fornece a agenda do usuário, dados qualitativos, mas as mensagens, ainda não. Alegam a criptografia. Então, se não tem tecnologia para atender a um pedido da Justiça, essa empresa não pode vender o serviço. Se não consegue atender, isso caracteriza obstrução de Justiça”, opina.

Ainda de acordo com Daniela, quando ocorre um bloqueio, a população só pensa que está sem o WhatsApp porque o “juiz mandou”. Não entende que isso foi determinado para identificar pessoas que estão “matando e roubando impunemente”:

“Antes havia muito mais apreensão de armas e drogas. Os criminosos se comunicavam por telefone. Agora, as informações importantes eles trocam pelo aplicativo”, diz a juiza, que intimou a empresa três vezes e obteve uma resposta em inglês. Ela acrescenta que muitos colegas deixaram de pedir o bloqueio do serviço porque as supremas cortes têm derrubado as determinações, liberando o uso do aplicativo antes do prazo determinado. 

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Está sendo a eleição da internet. A população está empenhada como nunca vi.

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A respeito do uso do WhatsApp para a disseminação de fake news, a juíza acrescenta que, como toda prática ilícita, ela pode levar a escolhas erradas. “Essa está sendo a eleição da internet. A população está empenhada como nunca vi. Qualquer notícia publicada por um lado é rebatida pelo outro. Os dois lados estão se defendendo”.

Sobre o legado que todo esse debate atual pode deixar, Daniela é taxativa. “Cobram tanto uma ação da Justiça contra o crime, mas a Justiça fica impedida de agir (quando o WhatsApp não fornece informações). Aí, se manda cortar o aplicativo por dois dias, a população reclama. A gente tem que escolher em que mundo quer viver”.

A posição sempre firme de Daniela não chega a ser novidade. Conhecida por ser linha dura, ela foi responsável, por exemplo, pela cassação do ex-prefeito de Teresópolis, Mário Tricano, que tinha anotações criminais. E, em 2015, à frente da fiscalização da Vara de Execuções Penais (VEP), fez uma operação no Batalhão Especial Prisional, em Benfica, no Rio, para enquadrar policiais presos que faziam churrascos e recebiam visitas íntimas sem autorização. Daniela chegou a ser agredida por agentes durante uma visita de inspeção.

A respeito das empresas que compraram pacotes de divulgação nas eleições deste ano, o WhatsApp informou nesta sexta-feira, dia 19, que  enviou notificação extrajudicial para as agências Quickmobile, Yacows, Croc services e SMS Market determinando que parem de fazer envio de mensagens em massa e de utilizar números de celulares obtidos pela internet, usados para aumentar o alcance de grupos na rede social. A empresa também baniu as contas do WhatsApp associadas a essas agências, segundo a “Folha de S. Paulo”.

Ediane Merola

Jornalista desde 1995, formada pela Estácio, foi repórter do jornal O Globo por 20 anos. Escreveu sobre vestibular, educação e comportamento, mas já se aventurou em muitas pautas sobre o cotidiano da cidade, algumas para contar histórias de violência. Fala alto, gesticula à beça, mas é tímida. Fez sua primeira tatuagem depois dos 40, adora gatos, rock nacional e descobriu recentemente que doar sangue, uma ação que salva vidas, faz bem pro coração e pra alma.

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