O espetáculo do outro

O grande pavor da extrema direita não é de que o Brasil entre em crise ou vire ‘comunista’, mas de que dê certo outra vez

Por Agostinho Vieira | ArtigoODS 10 • Publicada em 8 de novembro de 2022 - 10:11 • Atualizada em 30 de janeiro de 2024 - 14:49

O risco de um presidente com nove dedos fazer o Brasil dar certo novamente apavora a extrema-direita. Foto Miguel Schincariol/AFP

Esta semana, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional do governo, general Augusto Heleno disse a apoiadores do presidente Jair Bolsonaro que “infelizmente” o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva não estava internado, como anunciava uma das milhares de mentiras que circulam em grupos bolsonaristas nas redes sociais: “Esse negócio do Lula estar doente…Não está, infelizmente. Infelizmente é mentira. Vamos torcer para que tenhamos um futuro melhor. Na mão do cachaceiro, não vai”.  Não é a primeira vez que Lula é chamado de cachaceiro. O adjetivo se junta a outros tantos como presidiário, paraíba, cabeça chata, nove dedos etc. Todos carregados de muita raiva, preconceito e uma falta crônica de argumentos mais inteligentes.

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Lula também não é a única vítima desses ataques. Ele está na companhia dos indígenas “preguiçosos”, dos quilombolas que são pesados em “arrobas”, das mulheres que “não merecem ser estupradas”, dos nordestinos que só querem saber do Bolsa Família, dos moradores de favela que, na verdade, não passariam de “traficantes”; do filho “gayzinho” que merece levar porrada, dos universitários “maconheiros” etc. A lista é imensa. Uma busca simples no Google com “frases absurdas de Bolsonaro” vai te levar para uma viagem longa pelo esgoto da humanidade.

O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, discursa em um comício em Toboão da Serra, em São Paulo. Foto Miguel Schincariol/AFP
O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, discursa em um comício em Toboão da Serra, em São Paulo. Foto Miguel Schincariol/AFP

O espetáculo do outro, título desta coluna, é inspirado num dos capítulos do livro “Cultura e Representação”, do sociólogo Stuart Hall. Nele, Hall fala sobre estereótipos, suas origens e histórias. Ele explica que no fundo tudo não passa de um jogo de poder, uma luta por hegemonia. Uma tentativa de moldar a sociedade de acordo com uma visão de mundo específica, muito própria, que, para alguns, deveria ser “natural” e “inevitável”. Para esses grupos, o “outro” é aquele que tem um comportamento desviante, errado, monstruoso. Alguém que vive em uma espécie de circo dos horrores repleto de “homens elefante”, “cachaceiros”, “traficantes”, “maconheiros” e “gays”. Ao longo da história, esses grupos já se vestiram de preto e foram chamados de fascistas. Já colaram estrelas amarelas de seis pontas nas roupas e nas casas dos judeus e foram identificados como nazistas.

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Hoje, o mais simples é chamá-los pelo que realmente são: extremistas de direita. Grupos que não aceitam os contrários, não respeitam as diferenças e não têm nenhum amor ao próximo. Eles estão em todas as partes, na Alemanha, na Itália, nos Estados Unidos, na França…Querem poder, querem hegemonia, não gostam de democracia. No Brasil, diferentemente do que pregam nas redes sociais, não estão preocupados como uma eventual crise econômica, com o desemprego, com a volta do “comunismo”, seja lá o que isso queira dizer, eles estão apavorados com a possibilidade de que o novo governo dê certo. Vai ser horrível ver um cachaceiro, nove dedos – cercado de pobres, pretos, mulheres e nordestinos – transformando o Brasil, novamente, em uma das maiores economias do mundo, sem fome e com desmatamento zero.

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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