Bolsonaristas atuam como comissões de frente: fazem piruetas, minimizam enredo e atrapalham desfile

Aliados de ex-presidente buscam ganhar destaque no Legislativo com exibição para plateia sem preocupação com o conjunto

Por Fernando Molica | ArtigoODS 16 • Publicada em 16 de maio de 2023 - 10:04 • Atualizada em 22 de maio de 2023 - 18:25

O deputado Luiz Lima durante discurso na tribuna em que ofendeu o ministro Alexandre de Moraes e o presidente da Câmara: bolsonaristas atual como comissões de frente das escolas de samba (Foto: Pablo Valadares / Câmara dos Deputados – 11/05/2022)

Ao usar a tribuna da Câmara para xingar colegas de Parlamento e acusar o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, de mandar para a Venezuela dinheiro de empregadas domésticas, o deputado federal Luiz Lima (PL-RJ) exerceu, mais uma vez, o papel assumido por boa parte da bancada bolsonarista no Congresso: o de atuar como comissões de frente de grandes escolas de samba, desenvolvidas para gerar fascínio em parte do público, provocar exclamações e puxar aplausos. Em nome desses objetivos, não se importam em atrapalhar o desfile.

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A exemplo desses grupos que se exibem na dianteira das agremiações, tal bancada pouco se importa com o conjunto. Como os bailarinos das comissões de frente, esses deputados e senadores pensam apenas na própria apresentação e, excludentes, miram metade da plateia. No Sambódromo, o show completo das comissões de frente é exibido para os espectadores que ficam do mesmo lado dos julgadores; no Câmara e no Senado, as peripécias coreografadas focam nos eleitores mais raivosos, que pouco ligam para o contexto do desfile, ficam fascinados com as acrobacias, práticas ilusionistas e saltos mortais.

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Jogar para a arquibancada não chega a ser uma novidade, nos desfiles e no Congresso, nem privilégio da direita. No início dos anos 1980, o então deputado Eduardo Suplicy (PT-SP), num debate sobre inflação, provocou o então ministro Delfim Netto ao levar para a tribuna um caminhãozinho de brinquedo cheio de tomates. Em outra oportunidade, usou a tribuna para mostrar um cartão vermelho para o presidente do Senado, José Sarney. O deputado estadual fluminense Carlos Minc, hoje no PSB cobriu um obelisco no Centro do Rio com plástico que simulava uma camisinha (procurava estimular a prevenção contra a aids), cansou de encaixar batatas em canos de descarga de ônibus que exalavam muita fumaça.

O problema foi a transformação do que era eventual em estratégia. Como as comissões de frente que nas últimas décadas se transformaram numa atração à parte, quase isolada do resto das escolas, as piruetas parlamentares ganharam, no caso principalmente dos bolsonaristas, status de quesito obrigatório – eventualmente, único – de seus desfiles. Pouco importa que o enredo da vez seja reforma tributária, responsabilidade fiscal, taxa de juros, reorganização da estrutura administrativa. Para esses parlamentares, o tema é secundário, trata-se apenas de uma oportunidade para o exercício de malabarismos cênicos ou verbais.

Os casos são inúmeros: um deputado discursou de peruca loura no plenário, outro quebrou um microfone; um senador interrompeu depoimento do ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, para tentar lhe entregar réplica de um feto humano. Todos se inspiram na atuação do então deputado Jair Bolsonaro, que procurava compensar sua pra lá de discreta atuação parlamentar com declarações e criação de eventos que gerassem escândalo, repercussão e que fortalecessem sua imagem junto ao eleitorado conservador (defendeu a ditatura, a tortura e o fechamento do Congresso, colocou na porta de seu gabinete cartaz que ironizava a busca de restos mortais de vítimas dos governos militares). Deu certo: como o próprio Bolsonaro disse em entrevista a Jô Soares, ele não estaria ali sendo entrevistado se tivesse um comportamento mais protocolar. De performance em performance, o ex-capitão chegou à Presidência.

Não é fácil para um parlamentar se destacar entre os 513 deputados e 81 senadores. A imprensa tende a focar nas lideranças e nos que atuam de maneira mais consistente e articulada. As redes sociais, porém, quebraram esse monopólio, abriram outros espaços de discussão e, principalmente, para a interpretação de papeis. Pessoas sem qualquer trajetória política adotaram a linguagem de um público que gosta de mensagens curtas, impactantes, divertidas, ofensivas, irresponsáveis e lacradoras. Mentiras que se encaixam na visão de mundo dos internautas são mais que bem-vindas, reforçam o papel desses novos políticos, o de porta-vozes de muitos revoltados, que se sentiam excluídos do universo político e da vida institucional.

Encontrar formas de divulgar sua atuação no Congresso é algo legítimo, toda escola de samba tem seus destaques, alas de passistas e de baianas, mestre-sala e porta-bandeira, mestre e rainha de bateria. Parlamentares precisam se comunicar com o eleitorado, dizer o que estão fazendo. O grave, porém, é quando o conjunto e o enredo viram meros acessórios, plataformas de exibições individuais, descoladas de um coletivo, de uma proposta articulada de desfile. Parlamentares voltados apenas para a busca de likes ridicularizam o Congresso Nacional, diminuem os próprios mandatos ao não se envolverem em discussões relevantes, atuam contra a própria democracia. Como as gigantescas e irresponsáveis comissões de frente, atraem a atenção com seus trambolhos e efeitos especiais, mas atravancam o desfile e prejudicam o espetáculo.

Fernando Molica

É carioca, jornalista e escritor. Trabalhou na 'Folha de S.Paulo', 'O Estado de S.Paulo', 'O Globo', TV Globo, 'O Dia', CBN, 'Veja' e CNN. Coordenou o MBA em Jornalismo Investigativo e Realidade Brasileira da Fundação Getúlio Vargas. É ganhador de dois prêmios Vladimir Herzog e integrou a equipe vencedora do Prêmio Embratel de 2015. É autor de seis romances, entre eles, 'Elefantes no céu de Piedade' (Editora Patuá. 2021).

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