Bolsonaro vai ser preso?

PGR denuncia ex-presidente, cinco ex-ministros e mais 28 pessoas por golpe de estado, tentativa de abolição do Estado de Direito e organização criminosa armada

Por Oscar Valporto | ODS 16 • Publicada em 19 de fevereiro de 2025 - 10:15 • Atualizada em 21 de fevereiro de 2025 - 10:38

O ex-presidente Jair Bolsonaro em visita ao Senado pouco antes da denúncia da PGR: acusação de golpe de estado, abolição violenta do Estado de Direito e organização criminosa armada (Foto: Saulo Cruz / Agência Senado)

Num bar em Botafogo, no Rio de Janeiro, a transmissão do jogo de futebol foi interrompida e apareceu na tela da TV dois repórteres do Jornal Nacional ao vivo: era a notícia de que o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais 33 pessoas haviam sido denunciadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelos crimes de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa. A mudança de canal repetiu-se num restaurante da Vila Madalena, em São Paulo, e em estabelecimentos de todo o país. Rapidamente “Uh, vai ser preso” estava nos termos mais comentados do ex-twitter.

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Juristas e mesmo procuradores e policiais envolvidos na investigação da trama golpista dos bolsonaristas para manter o ex-presidente no poder não acreditam em prisão antes da condenação. Mas a denúncia, assinada pelo procurador-geral Paulo Gonet, é contundente. “A organização tinha por líderes o próprio presidente da República e o seu candidato a vice-presidente, o general Braga Neto. Ambos aceitaram, estimularam, e realizaram atos tipificados na legislação penal de atentado contra o bem jurídico da existência e Independência dos poderes e do Estado de Direito democrático”, afirmou Gonet na denúncia. Dos 34 indiciados, 24 são militares da ativa ou da reserva.

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Os fatos foram divididos em cinco peças acusatórias, que se baseiam-se em manuscritos, arquivos digitais, planilhas e trocas de mensagens que revelam o esquema de ruptura da ordem democrática. E descrevem, de forma pormenorizada, a trama conspiratória armada e executada contra as instituições democráticas. Os 34 denunciados são acusados de cometer crimes de organização criminosa armada (art. 2º, caput, §§2º, 3º e 4º, II, da Lei n. 12.850/2013); tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do Código Penal); golpe de Estado (art. 359-M do CP); dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima (art.163, parágrafo único, I, III e IV, do CP); e deterioração de patrimônio tombado (art. 62, I, da Lei n. 9.605/1998).

“Fatos atordoantes”

De acordo com a denúncia, as investigações indicam que o plano teve início em 2021, com os ataques sistemáticos ao sistema eletrônico de votação, por meio de declarações públicas e na internet. “O presidente da República [ Bolsonaro] adotou crescente tom de ruptura com a normalidade institucional nos seus repetidos pronunciamentos públicos em que se mostrava descontente com decisões de tribunais superiores e com o sistema eleitoral eletrônico em vigor. Essa escalada ganhou impulso mais notável quando Luiz Inácio Lula da Silva, visto como o mais forte contendor na disputa eleitoral de 2022, tornou-se elegível, em virtude da anulação de condenações criminais”, escreveu Gonet na denúncia.

A denúncia lembra ainda que, em julho de 2022, o então presidente da República se reuniu com embaixadores e representantes diplomáticos acreditados no país para verbalizar as conhecidas e desmentidas acusações sobre fraudes nas urnas eletrônicas, na tentativa de preparar a “comunidade internacional para o desrespeito à vontade popular nas eleições presidenciais”. Durante o segundo turno das eleições, afirma o procurador-geral, foram mobilizados aparatos de órgãos de segurança para mapear e impedir eleitores de votar no candidato da oposição.

Na primeira peça acusatória, de 272 páginas, Gonet relata que, após o primeiro turno de votação, Bolsonaro e as autoridades das Forças Armadas sabiam que, apesar de todo o empenho em descobrir alguma falha no sistema de urnas digitais, nada fora encontrado. “Apesar disso, a acusação de fraude persistia. Esta era a forma de manter a militância do Presidente da República animada, pedindo intervenção militar, em famigerados acampamentos montados em frente a quartéis do Exército em várias capitais do país. O que se pedia – diga-se – nada mais era do que um golpe militar”, destaca a denúncia da PGR.

Paulo Gonet também relata a pressão dos golpistas sobre os militares. “Fatos atordoantes foram descobertos na investigação dos
acontecimentos que se seguiram ao resultado das eleições. O inquérito expõe que, em novembro de 2022, oficiais do Exército, auxiliares de Comandantes de Regiões e de setores estratégicos, que tinham em comum vínculo com as Forças Especiais da Arma, reuniram-se para encontrar meio de fazer com que a alta cúpula do Exército aderisse ao golpe a que estavam dando curso”, escreve o procurador-geral. “Esse grupo da organização criminosa atuou para pressionar o Comandante do Exército e o Alto Comando, formulando cartas e agitando colegas em prol de ações de força no cenário político, tudo para impedir que o candidato eleito Lula da Silva assomasse ao Palácio do Planalto”, acrescenta.

A Procuradoria-Geral da República também lembra que “foram concebidas minutas de atos de formalização de quebra da ordem constitucional”, detalhando as fórmulas elaboradas por Bolsonaro e seus aliados de dar um verniz legal ao golpe de estado em planejamento e como eles buscaram apoio na cúpula das Forças Armadas. “Tem-se nessa busca de apoio à insurreição das mais altas autoridades militares de cada uma das Forças indisputável caracterização de tentativa de golpe”, escreve Gonet.

A denúncia aponta que as investigações revelaram a operação de execução do golpe, “em que se admitia até mesmo a morte do presidente e do vice-presidente da República eleitos, bem como a de ministro do STF” e acusa Bolsonaro. Os membros da organização criminosa estruturaram, no âmbito do Palácio do Planalto, plano de ataque às instituições, com vistas à derrocada do sistema de funcionamento dos Poderes e da ordem democrática, que recebeu o sinistro nome de “Punhal Verde Amarelo”. O plano foi arquitetado e levado ao conhecimento do Presidente da República, que a ele anuiu”.

Para a PGR, os violentos atos golpistas de 8 de janeiro foram a última cartada de Bolsonaro e seus aliados. “A organização incentivou a mobilização do grupo de pessoas em frente ao Quartel General do Exército em Brasília, que pedia a intervenção militar na política”, afirma Gonet. “O episódio foi fomentado e facilitado pela organização denunciada, que assim, por mais essa causa, deve ser responsabilizada
por promover atos atentatórios à ordem democrática, com vistas a romper a ordem constitucional, impedir o funcionamento dos Poderes, em rebeldia contra o Estado de Direito Democrático”, acrescenta.

Réus?

Com o oferecimento da denúncia, o relator do caso no STF, ministro Alexandre de Moraes, estabeleceu prazo de 15 dias para que os advogados de defesa apresentem suas contestações e eventuais argumentos contrários aos fatos levantados pela acusação. Caso haja contestações sobre a denúncia, Moraes abrirá um prazo adicional de cinco dias para que a PGR se manifeste e responda aos questionamentos feitos pela defesa. Após essa fase, o caso será novamente analisado pelo ministro, que irá avaliar a denúncia junto aos argumentos da defesa. Não há prazo determinado para que essa avaliação seja concluída.

Após a fase, o ministro-relator liberará a denúncia para análise da Primeira Turma do STF, formada ainda pelos ministros Luiz Fux, Carmen Lúcia, Cristiano Zanin e Flávio Divo, que decidirá se aceita a denúncia e transforma os denunciados em réus (ou não). Caso a denúncia seja realmente aceita, será aberta uma ação penal, com a coleta de provas e depoimentos de defesa e acusação. Não há previsão para o fim do julgamento: considerando os trâmites legais, o caso pode ser julgado ainda no segundo semestre de 2025. Juristas calculam que as penas pelos crimes podem chegar a 28 anos de prisão.

Ao todo, a PGR denunciou 34 pessoas. Além do ex-presidente Jair Bolsonaro e do ex-ministro e general Braga Neto, que está preso preventivamente, foram denunciados também os ex-ministros Augusto Heleno (GSI), Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira (Defesa), Alexandre Garnier (Marinha) e Anderson Torres (Justiça). A lista completa é a seguinte:

1.Ailton Gonçalves Moraes Barros, capitão reformado do Exército acusado de intermediar inserção de dados ilegal em cartões de vacinação contra Covid-19;
2.Alexandre Rodrigues Ramagem, deputado federal, ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e delegado da Polícia Federal. Concorreu à Prefeitura do Rio de Janeiro em 2024 pelo PL, mas perdeu para Eduardo Paes (PSB) no 1º turno;
3.Almir Garnier Santos, almirante da reserva e ex-comandante da Marinha;
4.Anderson Gustavo Torres, ex-ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro;
5Angelo Martins Denicoli, major da reserva do Exército que chegou a ocupar cargo de direção no Ministério da Saúde na gestão Eduardo Pazuello;
6.Augusto Heleno Ribeiro Pereira, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional e general da reserva do Exército;
7.Bernardo Romão Correa Netto, coronel acusado de integrar núcleo responsável por incitar militares a aderirem a uma estratégia de intervenção militar para impedir a posse de Lula;
8.Carlos Cesar Moretzsohn Rocha, engenheiro contratado pelo PL para questionar vulnerabilidade das urnas eletrônicas durante eleições de 2022;
9.Cleverson Ney Magalhães, coronel da reserva do Exército e ex-oficial do Comando de Operações Terrestres;
10.Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira, general da reserva e ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército;
11.Fabrício Moreira de Bastos, coronel do Exército e supostamente envolvido com carta de teor golpista;
12.Filipe Garcia Martins Pereira; ex-assessor da Presidência da República que participou da reunião que tratou da minuta de golpe;
13.Fernando de Sousa Oliveira;
14.Giancarlo Gomes Rodrigues, subtenente do Exército e um dos responsáveis pelo monitoramento clandestino de opositores políticos;
15,Guilherme Marques de Almeida, tenente-coronel e ex-comandante do 1º Batalhão de Operações Psicológicas em Goiânia que desmaiou quando a PF bateu à sua porta;
16.Hélio Ferreira Lima, tenente-coronel do Exército identificado em trocas de mensagens com o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro Mauro Barbosa Cid;
17.Jair Messias Bolsonaro, ex-presidente da República, ex-deputado, ex-vereador do Rio de Janeiro e capitão da reserva do Exército;
18.Marcelo Araújo Bormevet, policial federal suspeito de integrar o esquema de espionagem ilegal conhecido como “Abin paralela”;
19.Marcelo Costa Câmara, coronel da reserva e ex-assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro;
20.Márcio Nunes de Resende Júnior;
21.Mario Fernandes, ex-número 2 da Secretaria-Geral da Presidência, general da reserva e homem de confiança de Bolsonaro. É suspeito de participar de um grupo que planejou as mortes de Lula, Alckmin e Moraes;
22.Marília Ferreira de Alencar; ex-diretora de Inteligência do Ministério da Justiça na gestão de Anderson Torres;
23.Mauro Cesar Barbosa Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, tenente-coronel do Exército (afastado das funções na instituição);
24.Nilton Diniz Rodrigues, general do Exército suspeito de participar de trama golpista;
25.Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho, empresário e neto do ex-presidente do período ditatorial João Figueiredo;
26.Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ex-ministro da Defesa, general da reserva e ex-comandante do Exército;
27.Rafael Martins de Oliveira, tenente-coronel e integrante do grupo “kids pretos”;
28.Reginaldo Vieira de Abreu, coronel da reserva do Exército;
29.Rodrigo Bezerra de Azevedo, tenente-coronel do Exército;
30.Ronald Ferreira de Araujo Junior, tenente-coronel do Exército;
31.Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros, tenente-coronel que integrava o “núcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral”;
32.Silvinei Vasques, ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal (PRF), preso em 2023 por interferência nas eleições presidenciais. Foi solto em agosto de 2024 e, em janeiro deste ano, se tornou secretário de Desenvolvimento Econômico e Inovação de São José (SC);
33.Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice de Bolsonaro em 2022, general da reserva do Exército;
34.Wladimir Matos Soares, policial federal que atuou na segurança do hotel em que Lula ficou hospedado na transição. Ele é suspeito de participar de grupo que planejou as mortes de Lula, Moraes e Alckmin.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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