Raoni e seu herdeiro na Sapucaí

Ícone da causa indígena vai desfilar na Imperatriz Leopoldinense ao lado do neto de 22 anos, eleito seu sucessor

Por Claudia Silva Jacobs e Liana Melo | ODS 9 • Publicada em 22 de fevereiro de 2017 - 09:10 • Atualizada em 26 de fevereiro de 2017 - 11:40

President of the Raoni Institute and Chief of the Kayapo tribe, Cacique Raoni Metuktire arrives at a press conference on December 10, 2015 in Paris on the sidelines of the COP21 United Nations Climate Change Conference at Le Bourget on the outskirts of Paris. / AFP PHOTO / Miguel MEDINA
Raoni na COP-21. Foto de Miguel Medina/ AFP
Raoni escolheu seu herdeiro político: o neto Beptuk, que vai acompanhá-lo durante o desfile no Sambódromo. (Foto de Miguel Medina/ AFP)

Quando o nome de Raoni ecoar hoje na Sapucaí, seu labret não vai ser mais um dos milhares de adereços escolhidos pela Imperatriz Leopoldinense para apresentar seu enredo “Xingu, o clamor da floresta”,  no Carnaval 2017. O adorno sobre o lábio inferior que o mais conhecido líder indígena ostenta desde os 15 anos de idade é uma marca de reconhecimento dos guerreiros prontos a morrer por sua terra. É o caso de Raoni, que nasceu Ropni Metuktire, mas ganhou notoriedade internacional com o nome aportuguesado.

Ouça aqui a entrevista de Raoni:

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A letra da verde e branca de Ramos exalta a luta dos povos indígenas contra o desmatamento e a perda de terras. “O belo monstro rouba as terras dos seus filhos, devora as matas e seca os rios. Tanta riqueza que a cobiça destruiu. Sou o filho esquecido do mundo, minha cor é vermelho de dor, o meu canto é bravo e forte, mas é hino de paz e amor”, diz a letra do samba. Os irmãos sertanistas Villas-Bôas, com quem Raoni aprendeu a língua portuguesa e tomou consciência do mundo além da aldeia onde mora –  às margens do rio Xingu, no Mato Grosso -, também serão homenageados.

Beptuk e Raoni no Rio. (Foto de Liana Melo)

O cacique Caiapó vai desfilar na Passarela do Samba acompanhado do neto Beptuk Hokrit Metuktire, 22 anos, escolhido, recentemente, seu herdeiro político. Raoni, seu sucessor e quatro lideranças indígenas – todos homens, porque as mulheres só podem representar os Caiapós na circunscrição da aldeia – chegam ao Rio amanhã.

O convite para participar do desfile veio em um momento especialmente complicado para os Caiapós. “Temos enfrentado os ruralistas que querem acabar com as nossas terras. A situação está piorando”, afirma Beptuk, ciente de que o enredo irritou seus inimigos. Agricultores e pecuaristas já criticaram publicamente a Imperatriz Leopoldinense. “Essa é uma oportunidade para mostrar que estamos sofrendo por causa deles e que precisamos de mais respeito”, diz a jovem liderança indígena, que promete manter acesa a luta iniciada pelo avô na década de 1970.

A passagem do bastão já começou e não será nada trivial. Raoni é uma figura icônica da preservação da floresta. O líder octogenário assumiu a  liderança dos txucarramãe demonstrando, ao mesmo tempo, habilidade diplomática e coragem de guerreiro. Foi assim que garantiu a demarcação de parte das terras de seu povo.

Beptuk no Rio. (Foto de Liana Melo)

Seu carisma conquistou o cineasta belga Jean Pierre Dutilleux, que teve o filme “Raoni” aclamado em Cannes, em 1977. Pouco mais de uma década depois, o líder dos txucarramãe ganhou o apoio do cantor Sting para a proteção da Floresta Amazônica. Sua fama e sua história ganharam o mundo, e Raoni passou a colecionar encontros com figurões: Príncipe Charles e o rei Juan Carlos da Espanha, os presidentes François Miterrand e Jacques Chirac, Papa João Paulo II… Como diz uma das estrofes do samba-enredo “Escuta menino, Raoni ensinou/ Liberdade é o nosso destino”, Beptuk tem pela frente um longo caminho a percorrer e, sobretudo, um título e tanto para honrar.

Raoni e Sting em 1989, quando ganhou o apoio do cantor para a proteção da Floresta Amazônica. (Foto de Yves Sieur/ AFP)

O jovem líder indígena entrou para a linha sucessória após a morte de seu pai, Ted Jê Metyktire, em um acidente de carro. Aos poucos, vem assumindo as novas funções. Ele fez sua primeira incursão no mundo tradicional da política no começo de fevereiro, quando esteve em Brasília para cumprir compromissos assumidos anteriormente pelo avô. Raoni ficou em casa cuidando da mulher, Bekuika Metuktire, que está adoentada.

A agenda incluiu encontros com o ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, e o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Antônio Fernandes Toninho Costa, e o deputado Federal Ivan Valente (PSOL/ São Paulo). O neto de Raoni admite que “ainda tem muito o que aprender” com o velho cacique, especialmente seu poder de oratória. “Preciso me empoderar e continuar a luta no lugar dele”, diz, assumindo que as viagens são uma forma de aprendizado. Beptuk não renega as origens, mas acredita em novas formas de resistência, como o ativismo digital. Ele usa sua página no Facebook como uma arma moderna para defender a causa indígena.

O jovem voltou para a aldeia com uma boa notícia: Sarney Filho se comprometeu a ceder um lugar para a realização do encontro Os Guardiões da Mãe Natureza, uma ideia antiga defendida por Raoni e outras lideranças indígenas, em conjunto com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). O último encontro ocorreu às vésperas da COP-21, em Paris, no final de 2015. O próximo será em julho. O lugar ainda não está definido.

Raoni. (Foto de Claudia Silva Jacobs)

Como ressaltou o próprio Beptuk, o processo de sucessão ocorre em um momento especialmente difícil para os povos indígenas. A pressão dos ruralistas pela expansão do agronegócio e a ocupação de regiões da Amazônia Legal com megaprojetos de infraestrutura, como as hidrelétricas, levaram seu avô a declarar guerra sumária aos brancos. A usina de Belo Monte, a terceira maior hidrelétrica do mundo, virou um dos seus alvos preferidos. Em 2010, durante uma entrevista ao canal de televisão francês, o TV TF1, declarou: “Vamos matar os brancos que construírem a barragem”. Não foi a primeira vez que Raoni perdeu a paciência. Na década de 1980, por exemplo, puxou a orelha do então do ministro do Interior Mário Andreazza quando, em uma audiência, o assunto era a demarcação de sua reserva: “Aceito ser seu amigo, mas você tem  que ouvir índio”. Nunca mais perdeu a mania de puxar a orelha, que o diga Beptuk.

Claudia Silva Jacobs e Liana Melo

Ambas são cariocas. E jornalistas. Claudia Silva Jacobs se formou na PUC e trabalhou no Jornal Dos Sports, na Última Hora e no Globo. Morou na Europa, onde estudou Relações Políticas e Internacionais no Ceris, em Bruxelas, Gerenciamento de Novas Mídias, no Birkbeek College. Foi produtora do Serviço Brasileiro da BBC, em Londres, onde participou de diversas coberturas e ganhou o prêmio Ayrton Senna de reportagem de rádio com a série ‘Trabalho Infantil no Brasil’. Foi diretora de Comunicação da Riotur por seis anos e. Atualmente é freelancer e editora do site CarnavaleSamba.Rio. Está em fase de conclusão do portal cidadaoautista.rio. Liana Melo se formou na UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou na “Folha de S. Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia”, revista “Isto É”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “Isto É”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia/ UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. É autora do livro "Beleza Natural - A história da rede de cabeleireiros que levantou a autoestima das brasileiras".

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2 comentários “Raoni e seu herdeiro na Sapucaí

  1. sandra Jardim de Brito disse:

    Muito bom graças a Deuas a 15 anos trabalho como técnica de enfermagem com kayapos.
    Hoje a hora da saída destegrande líder,tivemos o prazer de abraçar administrativa medicação e lhe dar um abraço d Boa viagem.

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