Bebê Tinder e amor ao primeiro match!

Na era dos amores líquidos, a história de Laissa e Daniel: do 'online dating' ao nascimento de Christopher

Por Yuri Alves Fernandes | ODS 9 • Publicada em 22 de fevereiro de 2018 - 10:38 • Atualizada em 25 de fevereiro de 2018 - 13:53

Christopher
Chistopher faz parte da geração dos Tinder babies. A cada dia, 26 milhões de novos matches são feitos mundialmente no aplicativo. (Foto: Reprodução/Facebook)
Christopher faz parte da geração dos Tinder babies. A cada dia, 26 milhões de novos matches são feitos mundialmente no aplicativo. (Foto: Reprodução/Facebook)

Como os seus pais se conheceram? Frequentavam a mesma escola, igreja ou clube? Moravam no mesmo bairro? Bem, se você consegue ler esse texto, definitivamente sua resposta não será: pelo Tinder! Afinal, o aplicativo de relacionamento foi lançado no final de 2012 nos EUA e chegou ao Brasil no ano seguinte. Mas o Christopher, de 1 ano, daqui a um tempo poderá dar exatamente a resposta acima. Ele faz parte de uma nova geração de bebês e crianças que nasceram a partir de encontros de casais após o famoso match! O quanto esses aplicativos influenciam e modificam as relações amorosas hoje em dia vem se tornando, cada vez mais, tema de estudos e gerando discussões em todo o mundo. Afinal, funciona ou não?

[g1_quote author_name=”Daniel Yeomans” author_description=”Pai do Christopher” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Moramos juntos, pagamos as nossas contas, trocamos as fraldas. O que tem de superficial nisso? Para mim, nada

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“O Tinder funciona, sim!”, afirma entusiasmada Laissa Loraine, de 23 anos, mãe do nosso “Bebê Tinder”. E não é para menos toda sua convicção na eficácia da plataforma. Em março de 2016, ela decidiu baixar o app por “zoeira” após um daqueles relacionamentos frustrados que todo mundo conhece muito bem. E adivinhem: o primeiro match – quando duas pessoas se curtem – foi com o britânico Daniel Yeomans, de 33 anos, que meses depois viria a ser seu marido e pai do pequeno Christopher. “Nosso primeiro encontro foi em um bar. Quando chegamos lá, a primeira coisa que ele falou foi: ‘Vamos ter um futuro longo pela frente’. Eu comecei a rir e pensei: ‘Ele é um psicopata'”, conta a jovem.

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Quinze dias depois veio o pedido de namoro. Daí para a gestação não demorou muito. Em junho de 2016, quando o casal já morava junto no interior de Minas Gerais, a confirmação: “Ele disse que queria ter um filho e eu parei de tomar o remédio. Cheguei a ‘trollar’ ele mandando um falso teste de gravidez positivo. Ficou superanimado, mas quando contei que era brincadeira, logo se entristeceu. O Daniel decidiu, então, levar um teste para eu fazer. Fiz, guardei em uma caixa e só abri quando ele retornou do trabalho. Positivo! Acabou que eu fui ‘trollada’, pelo baby. O Daniel chorou muito. Era o início de uma nova história em nossas vidas”, relembra Laissa.

Laissa e Daniel se conheceram no Tinder, hoje vivem na Inglaterra com o filho Christopher, de 1 ano (Montagem: Fernando Alvarus)

Para completar esse conto de fadas bem moderno, em que o amor à primeira vista se tornou quase que um amor ao primeiro match, Laissa e Daniel estão de malas prontas para a Inglaterra. “A única diferença é que em vez de eu chegar em um bar sem saber quem iria ver, encontrei sabendo como exatamente ela era. Moramos juntos, pagamos as nossas contas, trocamos as fraldas. O que tem de superficial nisso? Para mim, nada”, avalia Daniel. “Quando ele me perguntar onde conheci o pai dele, não vou dizer que foi na fila do supermercado. Vou falar a verdade”, diz a mãe.

Christophers pelo mundo afora?

Andrea Iorio, Country Manager do Tinder para o Brasil e América Latina, assegura que Christopher não está sozinho nessa: “Recebemos centenas de histórias de sucesso de casais felizes em todo o mundo, incluindo casais com seus Tinder babies. O aplicativo mudou a forma como as pessoas se conhecem e tem sido uma força maior para eliminar o estigma de conhecer novas pessoas online ou por meio de aplicativos”.

E essas histórias mencionadas por Andrea devem se tornar ainda mais numerosas e cotidianas com o passar dos anos. Quando se trata especificamente de Tinder, o Brasil é o maior mercado na América do Sul e o segundo globalmente, perdendo apenas para os EUA. Por aqui, São Paulo é a cidade onde o uso é maior, seguida pelo Rio de Janeiro. A cada dia, 26 milhões de novos matches são feitos mundialmente e 70 bilhões é o número de curtidas dadas por ano no nosso país.

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Há trabalhos que abordam o quanto o Tinder pode influenciar as relações e o que sempre aparece nas respostas é a percepção de que o aplicativo não difere tanto assim de outros ambientes de interação

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Fernanda Constantino, jornalista e pesquisadora com estudos sobre o Tinder, avalia os números: “Em um contexto em que se faz tudo pelo celular, por que não também achar novos relacionamentos? Há um tabu em encontrar parceiros online, algo mais forte antigamente, mas que ainda persiste até hoje. Talvez por ser realmente algo que cause estranheza, o fato de ser algo tão íntimo feito a partir da mediação de uma tecnologia. Mas, sim, eu sinto que as pessoas estão mais abertas a isso”.

Quando o conto de fadas não acontece

Em uma de suas pesquisas, Fernanda entrevistou usuários, observou perfis e, a partir de uma análise qualitativa, estabeleceu conexões entre a forma como os usuários se apresentam no Tinder e o modo como a identidade é percebida no contexto da pós-modernidade. Para ela, é possível afirmar que aplicativos desse gênero tornam as relações mais voláteis na medida em que, se um contato não deu certo, o programa te oferece uma lista infinita de possíveis novas conexões e parceiros em potencial. E é justamente essa variedade que pode gerar a frustração.

Primeiro diálogo entre Laissa e Daniel no Tinder. Ele foi o primeiro match da jovem (Reprodução)

“Há vários entrevistados que contam sobre decepções que tiveram no programa e que, em certo momento, decidem até mesmo desinstalá-lo do celular. Há formas distintas de usar o Tinder e elas vão se entrelaçando no estabelecimento de contatos. Quando um usuário que não enxerga o aplicativo dessa forma identifica outro que esteja mais ligado nisso, ele vai usar estratégias para desviar de tal dinâmica”.

Nesse sentido, a psicóloga Elisângela Pereira, especialista em relacionamentos e sexualidade humana, alerta: “Existe uma exposição muita grande. Às vezes, para você encontrar uma pessoa e ter um compromisso sério é preciso se encontrar com várias outras. E muitas pessoas não dão conta dessa ansiedade, dessa angústia, que é está com alguém hoje e esse alguém não falar com você amanhã. Isso pode ser um gerador de muita tensão, de baixa autoestima. Por isso muitas pessoas preferem não utilizar esses aplicativos”.

As correntes contrárias aos apps de online dating (namoro online) afirmam, muitas vezes, que tais serviços funcionam como vitrines, e, dentro delas, pessoas são tratadas como uma espécie de mercadoria. A pesquisadora Fernanda Constatino tem suas ressalvas em relação a esse pensamento. “Não acho que o Tinder seja o causador dessa lógica, pois é algo que vai além do aplicativo e está ligado a toda uma dinâmica própria da sociedade de consumo – com ou sem o Tinder, o consumo se espalha por diversas áreas de nossas vidas e influencia também relações e afetos”.

Black Mirror, Bauman e os amores líquidos

Lançado no final do ano passado, um dos episódios da série “Black Mirror”, intitulado “Hang The DJ”, discutiu o amor em tempos de Tinder e a busca pelo par perfeito com a ajuda da tecnologia (veja o trailer abaixo). A história mostra um casal que se aventura por um sistema que arma encontros para usuários compatíveis e que também define a validade do relacionamento.

Muito antes disso, em 2003, o sociólogo Zygmunt Bauman, morto em janeiro deste ano, abordou em seu livro “Amor Líquido: Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos” os relacionamentos em ‘redes’ e como eles podem ser construídos ou desmanchados com igual facilidade. Para o intelectual, isso faz com que as pessoas não saibam mais manter laços no longo prazo. Em entrevista à revista “IstoÉ”, Bauman definiu amor líquido como “o amor a partir do padrão dos bens de consumo: mantenha-os enquanto eles te trouxerem satisfação e os substitua por outros que prometem ainda mais satisfação”.

“Há vários autores que, antes do surgimento do aplicativo, já falavam sobre a fluidez das relações e sobre a busca de parceiros a partir da mediação de tecnologias, para citar alguns temas que recorrentemente são relacionados ao programa. Há trabalhos que abordam o quanto o Tinder pode influenciar as relações e o que sempre aparece nas respostas é a percepção de que o aplicativo não difere tanto assim de outros ambientes de interação: como numa festa, por exemplo, onde a gente busca iniciar contato com o outro primeiro a partir da aparência do mesmo”, defende Fernanda.

‘Em um contexto em que se faz tudo pelo celular, por que não também achar novos relacionamentos?’, questiona a pesquisadora Fernanda Constantino (Foto: Arquivo Pessoal)

E aquele tradicional romantismo? Será que ainda existe nessas plataformas? A psicóloga Elisângela Pereira acredita que sim. “Pessoas românticas sempre serão românticas. Eles podem estar no Tinder ou fora dele. Não é a ferramenta que vai fazer as pessoas deixarem de ser assim. Só porque se conheceram pelo app não significa também que esse relacionamento será mais temporário”. Segundo Fernanda Constatino, isso mostra que há uma complexidade muito grande nas formas de uso do programa e que é difícil estabelecer exatamente como ele está modificando as relações amorosas: “Ele espelha muito mais a maneira como a sociedade caminha e como as relações foram sendo vistas e construídas nos últimos anos”.

E aí vai uma dica da pesquisadora: “Se você iniciar a conversa com uma abordagem original e autêntica, você não será mais um na lista”. O britânico Daniel no primeiro diálogo com Laissa (leia mais acima) já tratou logo de falar da sua rotina. Para os dois, o relacionamento está longe de ser temporário. Ainda mais com a chegada do Christopher, um laço – humano e nada frágil – para toda a vida. “Eu acho que em qualquer lugar, seja na vida real ou na web, tem pessoas com os mais variados tipos de intenções. Então, eu defendo mesmo. O resultado está aqui do meu lado”, diz Laissa se referindo ao filho.

Yuri Alves Fernandes

Jornalista e roteirista do #Colabora especializado em pautas sobre Diversidade. Autor da série “LGBT+60: Corpos que Resistem”, vencedora do Prêmio Longevidade Bradesco e do Prêmio Cidadania em Respeito à Diversidade LGBT+. Fez parte da equipe ganhadora do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, com a série “Sem direitos: o rosto da exclusão social no Brasil”. É coordenador de jornalismo do Canal Reload e diretor do podcast "DáUmReload", da Amazon Music. Já passou pelas redações do EGO, Bom Dia Brasil e do Fantástico. Por meio da comunicação humanizada, busca ecoar vozes de minorias sociais, sobretudo, da comunidade LGBT+.

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