Aos seis anos, Amanda Matos fez sua primeira apresentação de dança, em um projeto social ligado ao Fome Zero, no bairro Cosmorama de Mesquita, na Baixada Fluminense. Agora, aos 20, ela está mais próxima do sonho que parecia inatingível: exibir seu talento com as sapatilhas nas terras do Tio Sam. Amanda está entre as selecionadas para estudar durante um mês – de julho a agosto – na renomada Central Florida Ballet, em Orlando. Ela vive em Mesquita e, até o dia da viagem, vai continuar vendendo os brigadeiros, que ela mesma confecciona, no trem da Central do Brasil, para arrecadar o saldo para sua estadia e alimentação.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”solid” template=”01″]Ela cursa o último ano da faculdade de Marketing, na Unicarioca; dá aulas de dança para crianças e adultos e só quando chega em casa, à noite, começa a enrolar os brigadeiros que serão vendidos no dia seguinte, de 50 a 100 unidades por dia
[/g1_quote]A passagem para os Estados Unidos já está prometida por uma figura proeminente de sua cidade. Amanda passou no concurso em outubro e, até o fim do ano, se viu envolvida em problemas familiares e financeiros que eclipsaram a conquista. Ainda assim, se inscreveu ano passado no link https://www.vakinha.com.br/vaquinha/central-florida-ballet-mandynaflorida para arrecadar dinheiro. Em janeiro, resolveu ir à luta.
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Veja o que já enviamosÉ verdade que os pais a estimularam e a mãe, Maria Célia, tem sido uma espécie de agente, não mede esforços para acompanhar a filha na nova empreitada. “Em janeiro, vi na televisão uma mulher que fazia maquiagem para festas e eventos, na rua. Meu pai me deu glitters coloridos, arranjei um creme fixador e passei todo o carnaval maquiando os foliões”, lembra. A maratona, apoiada pelo namorado, o bailarino de hip hop Weslley Schiavone, no entanto, rendeu apenas R$ 250 reais.
Foi de sua mãe a ideia da venda de brigadeiros nos trens da Central. Como o pai trabalha em supermercado, tem facilidade de encontrar os melhores preços para o leite condensado, o achocolatado e o granulado. As forminhas são por conta de Amanda. Ela cursa o último ano da faculdade de Marketing, na Unicarioca; dá aulas de dança para crianças e adultos e só quando chega em casa, à noite, começa a enrolar os brigadeiros que serão vendidos no dia seguinte, de 50 a 100 unidades por dia. “No início tive medo, porque a maioria dos ambulantes que trabalha no trem são homens. Mas já me habituei e geralmente minha mãe também vai comigo”, diz.
Três anos após seu debut precoce, Maria Célia a inscreveu na Escola Municipal de Dança Anna Pavlova, em Nilópolis, também na Baixada Fluminense, onde Amanda estudou balé clássico, jazz e sapateado, por nove anos. Surgiram oportunidades para apresentações no exterior, mas ela achava que ainda não era sua vez. A professora Ariadne Lage, que acompanhou sua formação, hoje é fixada em Nova York e viaja pelo mundo dançando balé clássico. A mestra acabou virando um modelo para a jovem, que passou a ver no exterior “uma realização gigante”, como define Amanda, com seu jeito determinado.
Ariadne derrama-se em elogios à aluna. “Amanda sempre foi diferente das outras. Talentosa, inteligente, comprometida e com grande força de vontade. Ela e sua mãe nunca mediram esforços para participar das atividades da escola, apesar das dificuldades financeiras. É um prazer enorme acompanhar sua evolução profissional”.
A jovem professora
Amanda escolheu Comunicação ao prestar vestibular e o Enem a direcionou para o Marketing, no qual pretende fazer uma monografia ligada à dança. Ano passado, paralelamente aos estudos, começou a dar aulas de balé clássico, jazz e dança do ventre para crianças e dança do ventre e zumba (mais voltada à perda de peso) para adultos. Já contabiliza cerca de 50 alunos que, por enquanto, a remuneram com uma ajuda de custo. Ou seja, haja brigadeiros para garantir a viagem. “Ganho pouco, mas adoro dar aulas e sempre ajuda alguma coisa”, argumenta.
Só com o passaporte, gastou pouco mais de R$ 300 e outros R$ 500 com o visto. Já conseguiu juntar cerca de R$ 1 mil com os doces e igual quantia na vaquinha, que nos últimos meses começou a engordar. As moedas são acomodadas em um porquinho de cerâmica e o dinheiro em espécie ela guarda numa bolsa, mas não fica contando a toda hora, “dizem que dá azar”, sorri, formando covinhas no rosto. Ela planeja economizar com a divisão da hospedagem entre outras dançarinas selecionadas.
Silhueta esguia que acomoda 60 quilos em 1,65m, Amanda é bem brasileira: acumula volume nas coxas e no bumbum. Quando não está sobre as sapatilhas ou estudando, ela gosta de passear, ouvir música e assistir séries no Netflix com o namorado. A preferida é Dance Moms, reality show que segue as aulas e carreiras de crianças na dança. Seu grande ídolo é a estrela do Bolshoi, Svetlana Zakahrona, também é fã de Ana Botafogo e Karen Mesquita.
Amanda se chocou ao saber que o corpo de baile do Teatro Municipal está há meses sem receber salário e que o primeiro bailarino é obrigado a trabalhar no Uber para sobreviver. Ainda assim, como Ariadne, ela continua sonhando em viajar o mundo como bailarina e avisa: “pode ser clássico, hip hop, jazz. Quero dançar de tudo”.