Produção de combustíveis fósseis volta a aumentar mais do que a de renováveis

Especialista alerta que utilização de energias renováveis estagnou em 2021: 'estamos num momento crítico'

Por Diálogo Chino | ODS 7 • Publicada em 19 de julho de 2022 - 10:29 • Atualizada em 30 de novembro de 2023 - 15:13

Painel solar em prédio do governo em Brasília: estamos vendo uma crise energética global à medida que os preços dos combustíveis fósseis aumentam”, diz especialista (José Cruz/Agência Brasil – 17/11/2019 )

(Fermín Koop*) – Estudo publicado em junho pela REN21 – uma rede global de políticas públicas voltadas para as energias renováveis reunindo reúne representantes da ciência, governo, sociedade civil e indústria – mostrou que o consumo de energia fóssil no mundo aumentou no último ano em um ritmo superior ao crescimento das fontes renováveis. O documento constatou que o uso das energias renováveis estagnou em 2021, apesar das adições recordes de sua capacidade instalada no mercado global.

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A guerra na Ucrânia exacerbou a crise energética global, gerando grandes lucros para as empresas de combustíveis fósseis, enquanto que bilhões de pessoas enfrentam a ameaça da pobreza energética, argumentaram os autores. Em entrevista ao Diálogo Chino, Rana Adib, secretária-executiva da REN21, avaliou o impacto da guerra da Ucrânia no mercado global de energia e defendeu a proibição do uso de combustíveis fósseis. Para Adib, as renováveis são a opção de menor custo e não dependem dos subsídios “absurdos” hoje destinados para o petróleo e gás.

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Diálogo Chino – Os combustíveis fósseis estão sendo retomados em meio à invasão da Ucrânia?

Rana Adib – Nós nunca deixamos de lado os combustíveis fósseis. A participação das energias renováveis aumentou principalmente na última década, mas os combustíveis fósseis continuam fortes devido ao aumento da demanda de energia.

secretária-executiva da REN21

Rana Adib
Secretária-executiva da REN21

Isso significa que a transição energética ainda não aconteceu, e isso era verdade antes mesmo da crise na Ucrânia. Agora estamos vendo uma crise energética global à medida que os preços dos combustíveis fósseis aumentam, levando a picos nos preços da eletricidade e à escassez de energia. Alguns poucos atores-chave aproveitaram a situação, especialmente países ou empresas exportadoras de combustíveis fósseis, enquanto bilhões de pessoas ainda enfrentam a pobreza energética.

Estamos em um momento crítico. Apesar disso, muitos governos continuam adotando medidas obsoletas para lidar com a situação, provocando assim riscos climático e econômico.

Do seu ponto de vista, as interrupções no fornecimento de energia no mercado global devem durar muito tempo?

O conflito [da Ucrânia] acelerou um problema estrutural já existente: a alta dependência de alguns atores-chave e suas decisões. Isso tem um grande impacto em nossa economia e sociedade. O aprendizado que resulta do conflito é que temos que nos afastar dos combustíveis fósseis. Não apenas por razões climáticas, mas também por razões políticas e econômicas. Os governos têm que parar de subsidiar os combustíveis fósseis — são 115 países ainda fazendo isso. Estamos falando de US$ 11 milhões por minuto para o setor, uma quantia absurda.

Além disso, governos devem incluir a eficiência energética e as energias renováveis como uma resposta de curto prazo. Isso permitiria ter um sistema energético que não dependesse de flutuações de preços.

Rana Adib, secretária-executiva da REN21: "As energias renováveis não precisam de subsídios" (Foto: REN21/Divulgação - 08/03/2020)
Rana Adib, secretária-executiva da REN21: “As energias renováveis não precisam de subsídios” (Foto: REN21/Divulgação – 08/03/2020)

Você diz que governos alocam bilhões de dólares em subsídios ao setor de combustíveis fósseis anualmente. Esses aportes poderiam ser realocados para apoiar a expansão das energias renováveis?

As energias renováveis não precisam de subsídios. É a opção de menor custo, não há maneira mais barata de produzir eletricidade. O que precisa acontecer é se ter a política correta e estruturas reguladoras, tais como reformas de mercado. É uma questão regulatória, assim como uma questão de conscientização, pois precisamos do apoio da sociedade para a transição energética.

Além disso, não basta apoiar as energias renováveis e a eficiência energética, mas é necessário também banir os combustíveis fósseis. A decisão na Europa de banir o motor a combustão interna é muito importante, pois também irá acelerar a transformação do setor de transportes, que está ficando para trás.

A América Latina tem olhado para o gás natural como um elemento importante em sua transição energética. Quais são os riscos associados a essa estratégia em termos de custos e de “ativos encalhados”?

As respostas para a transição energética em um país que possui gás natural não são as mesmas para um país que não o possui e gasta muito dinheiro importando-o. Para esse último, é muito clara a oportunidade de se construir um sistema energético diferente, que também seja mais acessível. Para um país com gás natural, se ele o utiliza para benefício econômico, isso deve ser aplicado na construção de uma infraestrutura de energia limpa.

Quando falamos em fazer a transição para as energias renováveis, não se trata apenas de uma mudança de combustível, mas também de se construir cadeias de valor industriais e criar empregos locais

Rana Adib
Secretária-executiva da REN21

As finanças continuam sendo um grande obstáculo para a expansão das energias renováveis em muitos mercados, com a América Latina enfrentando custos mais altos do que em outras partes do mundo. Como isso pode ser abordado com vias a impulsionar ainda mais as energias renováveis?

Ouvimos com frequência nos países em desenvolvimento que eles dependem de capital vindo do exterior para investir em seu setor de energias renováveis. Isso geralmente vem com altos custos devido à taxa de juros e governança, entre outros fatores. Resolver isso requer a colaboração de bancos de desenvolvimento internacionais e bancos locais, para que esses últimos entendam que as renováveis são um bom investimento.

Dessa forma, podemos garantir que haja capital local em moeda local. Além disso, precisamos de mecanismos de garantia em nível regional para que as finanças privadas possam entrar nesses mercados.

A maioria dos países da América Latina enfrenta dificuldades em sua transição energética para agregar valor às suas economias, desde o lítio, que é extraído na região mas cujas baterias não são produzidas aqui, até a importação de todos os componentes para a construção de um parque eólico ou solar. O que seria necessário fazer para desenvolver essas indústrias na região?

O que eu espero para a COP27 é que apoiemos, coletivamente, a ideia de que um futuro baseado em energias renováveis é melhor do que um futuro baseado em gás natural

Rana Adib
Secretária-executiva da REN21

Quando falamos em fazer a transição para as energias renováveis, não se trata apenas de uma mudança de combustível, mas também de se construir cadeias de valor industriais e criar empregos locais. Nem todos os países começarão a produzir painéis solares fotovoltaicos, e temos que ser realistas quanto a isso. Os países terão que colaborar para tirar proveito das capacidades uns dos outros. As energias renováveis têm que se tornar um KPI [indicador-chave de desempenho] para qualquer atividade econômica. Essas discussões têm que acontecer em colaboração com todas as áreas do governo.

Além das energias solar e eólica, a América Latina está explorando o novo mercado de hidrogênio verde, no qual a Europa demonstrou interesse em meio a tensões em seu mercado energético. Você está otimista com esse novo mercado? Será que ele pode desencadear uma expansão de energias renováveis?

A demanda de hidrogênio tem sido historicamente impulsionada pela indústria do gás natural. Mas como os preços do gás estão subindo, ficou evidente que precisamos de hidrogênio produzido a partir de energias renováveis.

Os custos da eletrólise [a aplicação de uma carga elétrica na água para separar os átomos de oxigênio e hidrogênio] estão diminuindo, e ela está se tornando economicamente viável. Isso é realmente promissor. Mas a realidade é que a economia do hidrogênio tem que ser vista em toda sua cadeia de valor. Se for hidrogênio produzido a partir de fontes renováveis, significa que temos que aumentar nossas capacidades instaladas de energias renováveis. Se você construir estruturas de energias renováveis, terá que se perguntar se elas servirão para fornecer eletricidade aos serviços de energia ou para produzir hidrogênio.

Você espera que as negociações da COP27, a ser realizada no Egito em novembro, coloquem as energias renováveis no centro das discussões, considerando as interrupções de energia no mercado global?

No ano passado, tivemos um aumento notável dos compromissos de carbono líquido zero por parte dos governos. Mas apenas 18% dos países têm uma meta de atingir 100% de energias renováveis, como visto em nosso recente estudo. Isso significa que não há um reconhecimento claro de que isso exige a transformação do sistema energético.

Para a COP27, não precisamos apenas de mais ambição, mas também traduzir essa ambição em ações concretas. Isso significa eliminar gradualmente os combustíveis fósseis e desenvolver um sistema de energia eficiente e renovável. O que eu espero para a COP27 é que apoiemos, coletivamente, a ideia de que um futuro baseado em energias renováveis é melhor do que um futuro baseado em gás natural.

*Fermín Koop é editor do Diálogo Chino para o Cone Sul, com base em Buenos Aires

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